O presidente, a namorada, o assessor. Uma novela no Baixo Alentejo

Combate autáquico na... Vidigueira

Na terra que deu o título de conde a Vasco da Gama, os ânimos têm andado às vezes exaltados. O presidente da câmara, eleito pela CDU, não apoia o candidato da CDU, e até o despediu. Tudo porque o PCP não lhe apoiou a candidatura da sua vice-presidente...e namorada. O PS arrisca ganhar.

No PCP não se esconde o profundo desprezo pelo fenómeno das listas independentes nas eleições autárquicas.

Aliás, os comunistas nem lhes chamam "independentes", preferem a designação oficial, "grupos de cidadãos". Porque, como dizia em março ao "Avante!" o responsável nacional pelo trabalho autárquico, Jorge Cordeiro, "essas listas de independentes têm sido, sobretudo, o expediente e o refúgio para projetos de ambição pessoal" e "abrigo de candidatos que, não tendo nada de independentes, encontram nessas listas a possibilidade de concorrerem face à não escolha, pelos respetivos partidos, da sua pessoa, para se poderem candidatar". Ora o que se passa na Vidigueira (um dos oito concelhos de Beja com presidência da CDU, num total de 14), parece confirmar esta visão nada benevolente.

Temos, por um lado, um presidente da câmara, Manuel Narra, funcionário bancário, que não se pode recandidatar porque foi atingido pela lei que limita a três os mandatos executivos autárquicos sucessivos. Não houvesse este problema e nada do que contará a seguir faria sentido - o PCP reconduzi-lo-ia sem pestanejar, segundo garantem ao DN conhecedores profundos da realidade local.

E depois há Helena D'Aguilar, uma jovem animadora sócio-cultural que Narra fez sua vice-presidente na câmara (cargo que ainda detém).

Se dependesse só do presidente, Aguilar - retratada ao DN como uma ativista política dinâmica e mobilizadora - seria agora a candidata do PCP. Só que o PCP não quis - porque são os órgãos próprios do partido quem decide os candidatos e não os autarcas eleitos, para mais em fim de prazo. E também não quis porque foi sensível à maledicência local que se gerou em torno de um facto muito simples: Narra e Aguilar (que não é militante do partido) são namorados. Não é difícil imaginar a má-língua pelos cafés da terra.

Sendo assim, os comunistas viraram-se para um seu jovem quadro local, Rui Raposo, conhecido, entre outras razões, por ser filho do dono de um restaurante bastante bem afamado da Vidigueira, "O Raposo". A escolha baseou-se também no conhecimento que Rui Raposo já tinha da máquina local do poder autárquico, acumulada durante alguns anos enquanto assessor de Narra na presidência da câmara.

Ora quando o presidente da câmara soube o que o PCP escolhera Raposo em vez Aguilar para candidato à câmara, Narra fez o que fazia sentido: despediu Raposo de assessor. Mas parece que o fez de forma particularmente brutal, perante funcionários da autarquia, e tudo isso gerou um enorme sururu na vila. Na sequência desse despedimento, o pai de Raposo, dono do restaurante, sofreu um AVC. O restaurante teve de fechar (o senhor recuperou, o restaurante entretanto já reabriu). A intriga local atingia por estas alturas níveis estratosféricos. Mas a história não acabou aqui.

Helena D'Aguilar recusou aceitar o "não" dos comunistas e a opção destes por Rui Raposo. Lançou então uma candidatura própria - "Movimento Vidigueira Independente" - que parece muito bem lançada. Dito de outra forma: estão na rua duas candidaturas da área do PCP, uma oficial e outra dissidente. Os comunistas, é claro, não gostaram e disseram-no, quando Aguillar avançou: "A opção de Helena D' Aguilar, agora tornada pública, de se candidatar numa lista de cidadãos eleitores, revela que, mais do que a integração num projeto coerente, em si mesmo fator comprovado de promoção dos interesses do concelho e da população, são razões ditadas pela ambição, protagonismo e poder pessoal que a terão motivado, que só a si própria dizem respeito."

Com tudo isto, dizem conhecedores da realidade local, até é bem possível que a autarquia caia no colo do candidato do PS, José Miguel Almeida, também muito conhecido no concelho por ser presidente de uma das suas mais importantes forças vivas, a Adega Cooperativa da Vidigueira. O PS, aliás, só perdeu para Manuel Narra em 2005 por uma dúzia de votos. E se os comunistas, no cômputo geral do distrito, têm oito câmaras, a verdade é que os socialistas têm as outras seis - ou seja, não são uma força despicienda.

Além do mais, o PSD ausentou-se do combate. Esteve para ter um candidato, o médico Guido Rodrigues, mas este recuou: "Desisti por motivos de ordem pessoal e familiar apenas, não teve nada a ver com questões de ordem política". Quem também avançou e depois recuou - por ter perdido espaço face à candidatura de Aguilar, foi também o atual presidente da Junta de Vila de Frades, eleito pela CDU , que agitou a hipótese de uma candidatura à câmara em nome do Livre.

Um conhecedor profundo da realidade local diz ao DN - sob anonimato, por ser funcionário público - que, seja como for, quem vencer "não terá de se mexer" para fazer um bom papel. O regadio do Alqueva fez o que lhe competia e dinamizou a economia do vinho. A desertificação continua mas, à parte isso, o concelho tem, no essencial, todas as infraestruturas de que precisa - escolas, uma piscina, lares, um centro público de saúde e uma unidade de cuidados continuados a caminho, a reabilitação do mercado municipal também aprovada. E mobiliza-se pela candidatura do vinho da talha a Património da Humanidade. Falta saber se a câmara ficará governável.

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