O ex-comunista corrosivo a liderar a bancada do PSD
Era um parlamentar respeitado pela oposição à maioria absoluta de Cavaco Silva. As palavras de Silva Marques eram muitas vezes verdadeiras farpas outras eram carregadas de muita ironia, mas todas elas eram temidas pelos adversários políticos. O antigo deputado social-democrata morreu no dia de Natal, aos 78 anos.
José Augusto da Silva Marques nasceu a 7 de novembro de 1938, começou na política no PCP, foi dirigente comunista na clandestinidade e afastou-se do partido antes do 25 de Abril de 1974. A sua experiência inspirou um livro, "Relatos da clandestinidade - O PCP visto por dentro" (ed.Expresso), publicado em 1976, no qual, ao longo de mais de 300 páginas, contou como foi a sua adesão ao partido, o trabalho clandestino e, por fim, a rutura.
Aproximou-se do PSD e foi eleito, em 1976, presidente da Câmara Municipal de Porto de Mós, cargo que ocupou até 1980. Nesse ano foi eleito deputado pelo círculo de Leiria e chegou a liderar, durante cerca de um ano, o grupo parlamentar dos sociais-democratas.
Pacheco Pereira, historiador e autor de diversas investigações e obras sobre o PCP, ainda se cruzou com Silva Marques na Assembleia da República, quando foi substituído por este na liderança da bancada, mas são os testemunhos históricos do ex-comunista, que mais enaltece. "O seu livro (Relatos da Clandestinidade) continua a ser até hoje a melhor memória livre sobre a história do PCP. Escrita com conhecimento profundo, de forma genuína por alguém que conhecia mesmo o partido e muito bem observado do ponto de vista sociológico", assinalou ao DN Pacheco Pereira.
O historiador e comentador político recorda que Silva Marques, no parlamento, era um "excelente orador que impunha respeito e era temido pela oposição. Juntava duas características, era irónico e, ao mesmo tempo, muito duro".
Ontem o presidente da Assembleia, Ferro Rodrigues, evocou a memória do ex-líder parlamentar do PSD recordando o "longo combate contra a ditadura" que este travou. "Foi meu adversário político, mas um adversário respeitável e respeitado", realçou Ferro Rodrigues", disse Ferro Rodrigues.
Guilherme Silva, partilhou com Silva Marques a direção do grupo parlamentar e também não esquece as suas capacidades como deputado. "Era uma pessoa com uma enorme argúcia política, muito viva e com sentido de humor que associava à atividade política, de uma forma muito elevada e mordaz, que o distinguia das restantes bancadas". Reconhece que a sua passagem pelo PCP trouxe algum "know how" ao PSD que resultou em alguns dos seus conhecidos "apartes". Um deles, lembra-se Guilherme Silva, foi numa intervenção do também já falecido deputado comunista, João Amaral, sobre uma suspeita falada na altura de que as secretas, através do Serviço de Informações de Segurança (SIS), estavam a vigiar sindicalistas. Perante a denúncia, recorda o ex-deputado do PSD, Silva Marques retorquiu: "Sr. deputado, eu troco 20 SIS pelo serviço de informações do PCP. E olhe que sei bem do que estou a falar!". Guilherme Silva sublinha que ele "conseguia, como ninguém, deixar sem fala a oposição, em grande medida, porque os conhecia melhor que ninguém".
O ex-vice-presidente da Assembleia da República lamenta que Silva Marques tivesse deixado a política ativa, que aconteceu quando saiu do parlamento em 1999, e confidencia ao DN que foi um dos temas da última conversa que teve com ele, há cerca de um ano, quando o encontrou em Lisboa. "Continuava uma pessoa atenta ao que se passava, com a sua tradicional argúcia, mas percebi que era um assunto encerrado para ele. Não havia volta possível. Tinha sido mesmo um corte radical". Guilherme Silva afasta motivos de "conflito" com o PSD. "Fê-lo por razões pessoais e familiares", afirma.