No sindicato de quem não tem patrão ou empregados só se entra com o sim da direção 

Fernando Pereira Brites criou Sindicato dos Advogados Portugueses para defender classe de "abusos" e "injustiças". Advogados questionam utilidade e estatutos da entidade, liderada por antigo dono do Senhor do Fraque
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Num momento em que as novas regras da Caixa de Previdência têm sido amplamente contestadas pelos advogados, surge um sindicato “cuja principal preocupação é que sejam tomadas medidas mais justas nas prestações”, aproximando deveres e direitos aos do regime da Segurança Social. O sindicato “era a única forma, já que as ordens profissionais não têm poder legal para definir relações económicas da classe”, justifica Fernando Pereira Brites, impulsionador e presidente do Sindicato dos Advogados Portugueses (SAP), constituído a 15 de dezembro e registado no Boletim do Trabalho e Emprego a 29 deste mês.

A questão, porém, não é pacífica na classe, a começar pela própria sindicalização. “A advocacia é uma profissão de matriz liberal, pelo que não entendo como é possível sindicalizá-la nem entendo o interesse de uma entidade com natureza sindical”, diz ao DN o presidente da Associação de Jovens Advogados, José Costa Pinto, que vê o sindicato “com um misto de surpresa e admiração”. “Um profissional liberal não é patrão nem empregado de si mesmo, muito menos as duas coisas em simultâneo. É um nonsense haver um sindicato dos advogados, que já estão (e muito bem) representados há mais de 90 anos pela Ordem dos Advogados [OA].” Razão pela qual não vê utilidade nesta entidade, que acredita ter “os dias contados”.

Também Inês Serra Lopes, que noticiou a criação do sindicato no seu canal de YouTube, ISL, considera que “a Ordem assume a maioria das funções” de proteção, e levanta outra questão: o facto de o SAP ser “liderado por um senhor com cadastro disciplinar”. Acontece que Fernando Pereira Brites foi proprietário do Senhor do Fraque, empresa de cobranças de que entretanto se desligou mas que em 2010 motivou a sua suspensão da OA por procuradoria ilícita, uma vez que a atividade de cobranças difíceis era incompatível com a advocacia.

O advogado reduz o caso a “uma questão política”. “A lei do registo de empresas de cobranças e análise de risco, que resulta da transposição de legislação comunitária, permite” aos advogados fazer cobranças. “Eu impugnei isso tudo em tribunal e continuo à espera de decisão judicial. O caso ainda não transitou em julgado, mas as questões já prescreveram”, garante.

Ao DN, o bastonário Guilherme Figueiredo não quis pronunciar-se sobre o sindicato, cujos estatutos estão sob análise, ou quem o lidera - “os processos são competência dos órgãos disciplinares da OA” -, confirmando apenas que “há um estatuto público que tem de ser avaliado pois inclui normas que não estão muito conformes”.

Logo no primeiro artigo, lê-se que o sindicato é constituído por todos os advogados e estagiários “em regime de subordinação jurídica e afins”, uma nuance que Pereira Brites justifica com a vontade de abranger “colegas que não sejam subordinados e outros”. À estranheza de ser um sindicato feito de profissionais liberais, responde com os exemplos de certas organizações da função pública que “defendem direitos dos tarefeiros ou os contabilistas, que incluem especificamente profissionais liberais”. Os estatutos determinam ainda que podem ser sócios mesmo “juristas com inscrição como advogados em análise ou suspensa por qualquer motivo”. Mas para aderir ao sindicato é necessário ser proposto “por dois associados e sujeito à aprovação da direção”. “É assim nos estatutos, mas a prática implicará rever as regras e não será isso a impedir a entrada de ninguém”, assegura o líder do SAP, desvalorizando estas questões.

“Como se vê pela data de criação do grupo que temos no Facebook (2015), este é um processo antigo”, afirma Brites. E invoca questões como a não revisão da tabela de honorários “há 14 anos” mas sobretudo “os abusos cometidos por um fundo privado denominado CPAS” (Caixa de Previdência) - que obriga os advogados “a pagar no mínimo 243,6 euros mesmo que estejam doentes e que não assegura nenhumas contrapartidas” - para justificar o sindicato. “É o momento ideal para avançar com uma entidade que nos represente devidamente.”

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