Ministro quer universidades a combater comissões de praxes

Manuel Heitor, responsável pela pasta do Ensino Superior, diz ser "inadmissível" o poder destes órgãos. Avisa que não basta proibir as praxes nas escolas

O Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor, defende, em declarações ao DN, que os órgãos de gestão das universidades e institutos politécnicos, bem como as associações estudantis, "devem combater as comissões de praxes e a sua prática interna", criticando o poder e o estatuto que estes grupos de estudantes têm em algumas instituições.

"Não é aceitável que um presidente de uma associação de estudantes esteja sentado numa tribuna [durante um desfile académico] ao lado de um presidente de uma comissão de praxes", ilustrou o ministro, sem querer apontar exemplos concretos. Manuel Heitor defendeu mesmo a necessidade de se "desmanchar estas redes", uma tarefa que assumiu ser difícil pelo facto de estarem em causa alunos que por vezes não têm uma ligação direta com qualquer dos órgãos representativos legítimos das instituições. "Se perguntar a muitos dirigentes de instituições, dizem que não sabem, nem os conhecem. Estão transformados em algumas instituições em organizações secretas", criticou.

O governo encarregou um grupo de trabalho, liderado por João Teixeira Lopes (Universidade do Porto), e por João Sebastião (ISCTE) de realizar o primeiro estudo de dimensão nacional sobre o fenómeno das praxes. Um trabalho que está em curso (ver entrevista) e que deverá ser entregue à tutela antes do final do ano. Manuel Heitor não quis adiantar que medidas poderão decorrer desse estudo, lembrando que se trata de "um processo complexo, com vários temas dentro dele" e assumindo que "há muitas zonas e meios socioeconómicos do país que apoiam a praxe".

Governante diz que algumas são "organizações secretas"

Mas também deixou claro que, independentemente das decisões no futuro, há realidades que desde já são inaceitáveis. E a existência de comissões de praxes, que definiu como "uma praxe dentro das praxes", que frequentemente "tem causado danos físicos aos jovens", está no topo dessa lista.

Identificar os responsáveis, assumiu, não será tarefa fácil. "Se perguntar a muitos dirigentes de instituições dizem que não sabem, nem os conhecem. Estão transformados em algumas instituições em organizações secretas", explicou.

O desconhecimento, avisou, não servirá de justificação para não atuar. Tal como não bastará às instituições vetarem estas "tradições" dentro dos seus espaços. "Na minha última intervenção no Parlamento disse que os responsáveis, quer das associações estudantis, quer das direções das instituições do Ensino Superior, não se podem limitar a proibir a praxe dentro das suas instituições", lembrou, revelando que irá reforçar esta mensagem em breve: "Vou escrever, no início de setembro, a todos os dirigentes estudantis, a condenar o uso da praxe e a pedir para não valorizarem qualquer relacionamento com as estruturas que se têm organizado dentro das instituições e para as combaterem".

Instituições cautelosas

Questionados pelo DN, os responsáveis de universidades públicas e das instituições privadas reagiram com cautela a este apelo do ministro. João Redondo, da Universidade Lusíada, que preside à Associação Portuguesa de Ensino Superior Privado (APESP), disse não associar "a praxe a qualquer ato de violência ou humilhação, que é sempre repugnante e deve ser combatido". Mas também assumiu que, nos casos em que esta assume esses contornos, não há dúvidas sobre quais as medidas que devem se tomadas. "Comportamentos criminosos, sejam em maior ou menor escala, estão tipificados na lei. Quem os pratica dever ser punido", disse.

Do que confessou não ter muita certeza foi da viabilidade de exigir às instituições que desempenhem o papel de fiscalizadoras para além dos seus espaços físicos: Fora [das escolas] não há praxes, há comportamentos criminosos. Em quem vigia os comportamentos criminosos é a polícia", defendeu, frisando, ainda assim, que "há muita coisa que pode ser feita". Desde logo, "as instituições terem uma posição determinante e ativa no sentido de proibirem práticas ilícitas".

António Cunha, reitor da Universidade do Minho e presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas, frisou ao DN que a sua instituição só "reconhece e interatua com órgão de estudantes que são os previstos nos estatutos da universidade, nomeadamente a associação de estudantes e representantes dos estudantes no senado académico. A universidade não tem relação, formal ou informal com qualquer outro grupo".

O reitor do Minho disse "subscrever" as preocupações do ministro em relação às comissões de praxes mas também lembrou que "há contextos diferentes dentro das diferentes universidades". E que as comissões de praxes não serão necessariamente todas ilegais ou clandestinas: "Se houvesse uma associação académica, reconhecida no quadro da instituição, que decidisse criar grupos com esse propósito no seu interior, acharia mal. Mas eventualmente esses grupos têm a sua legitimidade. Podem é condicionar o relacionamento com a instituição." Já Gonçalo Velho, presidente do Sindicato Nacional do Ensino Superior, disse ao DN "estar inteiramente de acordo com o ministro sobre esta matéria".

Nos últimos anos, em parte devido à publicidade negativa associada a alguns casos graves relacionados com as praxes, estes grupos têm sido mais discretos, nomeadamente nas redes sociais. Porém, através de uma pesquisa do Google é possível encontrar exemplos de fotografias de rituais de praxe e exemplares de "códigos de praxe" claramente ilegais. E nem todos estão associados a grupos clandestinos.

Um dos exemplares de "códigos de praxe" recolhidos pelo DN, datado de 2012, foi elaborado pela associação de estudantes de uma escola superior de Lisboa. E nele poder ler-se que os caloiros, nos primeiros três meses de curso, tinham a designação de "bestas", sujeitas a praxes "24 horas por dia" e em "qualquer local", devendo ainda "obediência" - o que incluía a obrigação de fazerem "vénias" - aos seus "superiores hierárquicos" entre a comunidade estudantil.

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