Entre comitiva presidencial e jornalistas, o emaranhado de pés que calcorreavam as ruas históricas de Havana era grande. Nada que impedisse um pequeno cão de pelo casta-nho-claro de seguir as pisadas de Marcelo pela capital que é Património da Humanidade..Eusebio Leal, historiador e principal responsável pela reabilitação do centro histórico de Havana fala sem parar. Vira-se para um lado, depois para o outro, aponta cada monumento, cada edifício, e debita tudo o que sabe. E sabe muito. Marcelo ouve e quase não fala. Coisa estranha, comentam os jornalistas portugueses, habituados que estão a ver Marcelo cumprimentar toda a gente que lhe aparece à frente, a tirar selfies, a entrar porta sim, porta sim. Esse Marcelo Rebelo de Sousa, claramente, não veio a Cuba..O passeio do Presidente da República pelas ruas de Havana acontece à mesma hora que nas Nações Unidas se vota uma resolução contra o bloqueio económico imposto há mais de 50 anos pelos EUA a Cuba. Marcelo não precisa de saber o resultado dessa votação para dar a posição de Portugal. Questionado por um jornalista cubano, o Presidente responde que "Portugal é, como sempre foi, contra esse bloqueio. Sempre foi assim, independentemente da força política no governo e do Presidente em funções"..O castelhano de Marcelo não é brilhante, mas suficiente para se fazer entender. Uma hora depois da primeira declaração, chega a Havana a notícia de que a resolução foi aprovada com duas abstenções: EUA e Israel. Os dois países que anteriormente tinham votado contra, desta vez abstiveram-se. Marcelo é alertado pela assessoria de imprensa e não perde tempo. Assim que sobe ao púlpito para discursar perante uma centena de empresários portugueses e cubanos no histórico Hotel Nacional, começa por dizer que este "é um dia histórico, para os cubanos mas também para nós, portugueses", arrancando com isso o primeiro grande aplauso da sala..O Presidente lembra que a defesa do fim do bloqueio tem sido "posição constante de Portugal, de todos os partidos portugueses, da esquerda à direita. É uma posição comum, de centro, claro" - e arrancou umas valentes gargalhadas..O dia é, de facto, histórico, e se é para fazer história, Marcelo não só quer lá estar como quer que Portugal lucre com isso..Aproveitar o bom ambiente.Cuba é um país em transformação e isso não é visível apenas na recuperação de edifícios históricos no centro da capital. A mudança faz--se aos poucos, é certo, mas está a fazer-se. Do ponto de vista político, Barack Obama deu uma preciosa ajuda, mas não chega. Há muito trabalho a fazer dos dois lados e todos têm noção disso..Mas Cuba está também a mudar do ponto de vista económico. A nova lei para o investimento estrangeiro, de 2014, veio abrir portas e não faltam países interessados em entrar, como França, que já tem a Vinci a gerir o aeroporto de Havana, ou Singapura, que tem uma empresa a gerir o porto de águas de profundas de Mariel. As oportunidades começam a surgir e o Presidente da República avisa que "é preciso aproveitar o bom ambiente que se vive" para abrir novas perspetivas às empresas portuguesas..É sobre economia, mas também sobre política e cultura que Marcelo Rebelo de Sousa quer falar com Raúl Castro. O encontro oficial entre os dois presidentes não tem direito a conferência de imprensa no final, apenas a jantar de Estado, oferecido pela presidência cubana no Palácio da Revolução..A emoção do Presidente.Marcelo assume que quer dar um empurrão às empresas portuguesas num trabalho que "é de todos". "Do presidente, do governo e da AICEP", responde, optando por ignorar a pergunta sobre o crescimento anémico da economia portuguesa e a necessidade que o país tem de exportar mais..Fosse a economia uma questão de fé e, provavelmente, Portugal estaria a crescer muito acima da média da zona euro. Mas não é, e Marcelo Rebelo de Sousa sabe isso melhor do que ninguém. A visita de Estado a Cuba tem, no entanto, tempos para tudo. Para tratar de negócios, para encontros oficiais com a presidência cubana e, logo no primeiro dia, para uma visita a à Congregação das Irmãs do Amor de Deus, na Guardería Padre Usera..A instituição que se dedica essencialmente ao ensino de crianças cubanas e é liderada por uma religiosa portuguesa recebeu o Presidente com música cubana e nacional. O momento em que dezenas de crianças cubanas cantam e dançam o Malhão, Malhão é digno de registo e Marcelo, que desta vez não dançou - como fez em Moçambique -, não resistiu porém a um bater de pé e a uns movimentos mais ou menos descoordenados com as mãos..No final, o Presidente explicou que esta visita trazia alguma emoção à mistura. A razão? A filha, Sofia, estudara nesta mesma instituição..Enviado TSF/DN em Havana