20 março 2018 às 00h33

Vacinar é a única resposta eficaz contra o sarampo

Vacinação contra o sarampo é a única forma de tentar evitar a doença que é altamente contagiosa. Em Portugal, há 53 casos confirmados

David Mandim

É uma doença muito contagiosa que se transmite por via aérea e que pode causar problemas graves, sobretudo nas pessoas mais idosas e nas crianças. A única forma de a travar é através da vacinação, garantem os especialistas médicos ouvidos pelo DN, para quem os profissionais de saúde deviam cumprir o Plano Nacional de Vacinação. Na Europa o sarampo afeta vários países, com milhares de casos desde o ano passado. Em Portugal, o número de infetados confirmados subiu para 53, todos adultos, anunciou a Direção-Geral da Saúde (DGS). Dos 145 casos suspeitos reportados, 51 já foram despistados como não sendo sarampo. A maioria dos doentes está a recuperar em casa, com apenas cinco pessoas internadas mas com prognóstico favorável.

1 - O que é o sarampo e porque é contagioso?

É uma doença causada por um vírus e que é muito contagiosa. "Transmite-se por gotículas e aerossóis que passam de pessoa para pessoa. Como é de transmissão por via aérea, basta a proximidade a alguém infetado para haver possibilidade de contágio", explica Jorge Atouguia, médico especialista em doenças infecciosas. O diagnóstico não é muito difícil em termos médicos, mas pode gerar alguns problemas. "Pode ser confundido com outras doenças devido às manchas vermelhas na pele, que existem noutras doenças", alerta o também presidente da Sociedade Portuguesa da Medicina do Viajante, lembrando que "muitas vezes as pessoas dizem que tiveram sarampo porque os pais lhe disseram, mas nem sempre terá sido sarampo". A doença manifesta-se através de febre alta, comichão provocada pelas manchas na pela e conjuntivite. "Os sintomas iniciais são muito semelhantes aos da gripe", alerta Germano de Sousa, ex-bastonário da Ordem dos Médicos, com a diferença de o vírus do sarampo ir mais longe e ficar no local mesmo que o infetado já lá não esteja. O facto de este surto em Portugal surgir na mesma altura do verificado no ano passado não significa que seja uma doença de inverno. "Em quase todos os vírus há essa tendência. O frio leva à existência de ambientes mais fechados, há eventualmente defesas mais diminuídas em certas pessoas, mas é a falta de vacinação que leva aos surtos", afirma Germano de Sousa. Jorge Atouguia diz que nos "países mais quentes também há contágio" e que se esta pessoa, que veio de França e iniciou o surto, "chegasse no verão era igual, talvez a possibilidade de contágio não fosse tão elevada devido a se passar mais tempo no exterior. Na gripe acontece o mesmo". Segundo a Organização Mundial da Saúde, até à década de 1960, epidemias de sarampo eram frequentes e anualmente provocavam mais de 2,5 milhões de mortes. Uma pessoa que já teve o sarampo não volta a ter a doença, fica imunizada.

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2 - Em que casos é que a doença pode ser fatal?

O sarampo até pode ser benigno mas origina também casos muito complicados que podem levar à morte. "Depende do sistema imunitário de cada pessoa, ou se a pessoa tem outras doenças associadas", diz Germano de Sousa. Há grupos de pessoas mais expostas à doença. "Há um aumento de gravidade entre as pessoas mais velhas e as crianças. A resposta imunitária é decisiva, mas há outro tipo de infeções secundárias que podem surgir com o sarampo num organismo debilitado. Se houver um grande esforço do organismo para defesa do vírus, e isso acontece no sarampo, a certa altura deixa de dar resposta e surgem outras infeções", explica o médico, realçando que a melhor forma de evitar estes problemas é a vacinação. "É uma das vacinas mais eficazes do mundo", assegura.

3 - As pessoas já vacinadas podem ser afetadas? É aconselhável a revacinação?

Qualquer pessoa que já tenha tido sarampo ou levado a vacina pode ser vacinada sem problemas caso surjam dúvidas. Muitas vezes as pessoas tiveram a doença enquanto crianças ou jovens e foi-lhes transmitido pelos pais que já tiveram o sarampo. Nem sempre isso é confirmado, sobretudo quando se fala de pessoas mais velhas, acima dos 40 anos. "Há muitos fatores a ter em conta na resposta da vacina. Revacinar é uma medida de segurança, confirma que não haverá falha e não há problema nenhum", aponta Jorge Atouguia, para quem "não se pode garantir que a vacina vai funcionar toda a vida". Germano de Sousa considera que "se a vacina foi bem aplicada, com as duas doses recomendadas, a pessoa fica bem protegida", e isso verifica-se com a situação em Portugal. "Com mais de 97% da população vacinada, a doença foi erradicada. O problema são os não vacinados, que começam a surgir em maior número atualmente", diz o médico especialista em patologia clínica. A Direção-Geral da Saúde entende que existe muita informação à população sobre a importância da vacinação, com normas a serem transmitidas às unidades de saúde a recomendar a vacinação dos profissionais de saúde e da população em geral. Por isso, não há nenhuma campanha especial de vacinação prevista, já que desde o surto do ano passado tem sido transmitida uma série de conselhos e procedimentos, mesmo através das redes sociais. A DGS recomenda que os adultos nascidos após 1970 não vacinados, com prioridade para os que têm entre 18 e 47 anos, se dirijam a um centro da saúde para tomarem a vacina. É grátis.

4 - Porque é que os principais afetados por este surto são os profissionais de saúde?

O contágio aconteceu com um profissional de saúde do Hospital de Santo António e depois alastrou a dezenas de funcionários desta unidade de saúde, pela proximidade de contactos. "Não é surpresa", diz Jorge Atouguia. "Há um grupo de pessoas que não tiveram sarampo e também não se vacinaram. Muitas, como já disse, nem sabem se tiveram mesmo sarampo." Beneficiavam da imunidade de grupo que deixa de existir quando surge algum infetado e contacta com estas pessoas. Os dois especialistas ouvidos pelo DN concordam que a vacinação em pessoal da saúde devia ser uma prática habitual. "Na minha opinião, cumprir o Plano Nacional de Vacinação devia fazer parte da ética das pessoas que trabalham na saúde", considera Jorge Atouguia, enquanto Germano de Sousa defende mesmo a obrigatoriedade e compreende a surpresa da população. "Deviam ser os últimos a não estar vacinados. Não se percebe como podem não estar vacinados, ainda para mais quando no ano passado houve uma morte com uma jovem não vacinada. Defendo que um profissional não pode entrar num emprego da área sem ter as vacinas em dia", diz o antigo bastonário para quem a vacina do sarampo, existente desde a década de 1960, "foi um dos maiores bens da medicina". Por isso, entende que "vacinar é fundamental" e só se entende algum desleixo nesta matéria por as pessoas mais novas "não se lembrarem do que acontecia no país quando o sarampo causava muitas mortes, tal como outras doenças que foram erradicadas, com as vacinas a serem essenciais para isso". E discorda da bastonária da Ordem dos Enfermeiros, que fala em liberdade individual para profissionais de saúde que não se queiram vacinar. "Entramos numa questão jurídica, mas a liberdade individual não se sobrepõe ao bem-estar e à segurança coletiva."

5 - O surto tem que ver com a resistência de alguns pais em vacinar os filhos?

O surto que afeta Portugal foi importado de França e a sua difusão é propiciada por pessoas não vacinadas. Contudo, já se verifica que há uma criança com suspeitas de que possa ter sarampo. "É muito preocupante o aumento de pessoas que vacinam os filhos. O nível de controlo da doença é determinado se se tiver um elevado número de pessoas vacinadas", aponta Jorge Atouguia, com a certeza de que não há nada que leve alguém a duvidar da eficácia. "Do ponto de vista científico não há nada que justifique que as pessoas não se vacinem. Os estudos que apareceram a tentar apontar efeitos secundários já foram mais do que rebatidos e descredibilizados." Estes pais acabam por contribuir para que a doença não seja mesmo erradicada. "Cria-se a ideia de que a doença já não existe, devido à ausência de casos, até surgirem estes surtos. Até aqui muitos não vacinam os filhos por ser mais prático, mais fácil", esclarece o especialista em doenças infecciosas. O número de não vacinados terá subido por causa desta tendência. "Da minha experiência, neste mundo pós-moderno com receitas alternativas para os problemas de saúde, há muita gente que recusa vacinar os filhos. É preocupante, e muito. Para mim são pessoas que parecem não gostar dos filhos", diz Germano de Sousa, com o exemplo do passado: "Imagine como era a varíola se não existisse a vacina. Quantos mortos existiriam agora em Portugal? E as outras doenças erradicadas como a poliomielite, como seria? Foi a vacinação, e nós temos um excelente Plano Nacional de Vacinação, que permitiu acabar com estas doenças em Portugal."

6 - É a primeira vez que uma doença que chegou a ser dada como extinta regressa a Portugal?

A erradicação de uma doença, para a Organização Mundial da Saúde, acontece quando se regista um mínimo de dois casos por cem mil habitantes. Por isso, está em causa um fator numérico, e estes surtos não significam, ainda, que a doença deixe de ser considerada erradicada em Portugal. Mas o sarampo é a mais ameaçadora e a que está mais em risco de causar epidemias. "Nenhuma outra doença das consideradas erradicadas, casos da varíola, da malária, da poliomielite, da difteria, tem surtos como o sarampo. É das mais difíceis de ser controlada devido à forma de contágio. É a vacinação que permite isto aconteça, que estas doenças passem a estar controladas." Se no sarampo diminuir a vacinação, e começar a existir um grupo de população não vacinada em maior número, a imunidade de grupo deixa de existir. A imunidade de grupo é uma proteção criada pelas pessoas vacinadas que evita que doenças se espalhem na comunidade, beneficiando mesmo os que não têm vacina. Permite proteger alguns grupos que não podem ser vacinados (grávidas, crianças sem idade para que sejam administradas determinadas vacinas ou doentes com o sistema imunitário enfraquecido).

7 - Como está a evoluir a doença no resto da Europa?

O sarampo é atualmente uma das preocupações da Organização Mundial da Saúde devido ao elevado número de casos registados em 2017, mais de 21 mil, o que representou um aumento de 304% em relação ao ano anterior. Este surto europeu provocou, no ano passado, a morte a 35 pessoas, uma delas em Portugal. O país com pior situação foi a Roménia, com 5562 infecções confirmadas, mas com Itália a ter um levado número de doentes também, mais de 5000. A Ucrânia entrou nesta lista preocupante logo a seguir com perto de 5000 casos, sendo um dos países com a pior taxa de vacinação. E a situação parece ter piorado neste ano com os casos registados até março a ultrapassar os 7000. Nos países da União Europeia, Grécia e Alemanha viveram surtos, com cerca de mil identificados em cada país. França vive um momento que a autoridade de saúde pública classifica como grave, com 913 casos registados desde novembro passado. A falta de vacinação é apontada como a principal causa para o ressurgir da doença, que até 2016 parecia a caminho da erradicação. "Há zonas do mundo com deficiente cobertura vacinal, por vários motivos, desde a pobreza aos conflitos armados. Como hoje há uma maior mobilidade, o vírus viaja com as pessoas. Se a vacinação na Europa estivesse a ser feita com eficácia, os surtos não existiam. São importados mas só acontecem por falta de vacinação dos europeus", afirma Jorge Atouguia, apontando ainda o caso da América da Sul, onde países em que o sarampo estava quase erradicada vivem agora novas situações. "No Peru e no Brasil há surtos devido ao grande número de crianças que estão a receber da Venezuela, um país onde as condições sociais não são as adequadas. Em todo o mundo há movimentação, e as doenças são transportadas."