Justiça. Um pacto que Rio e Costa conseguem acompanhar
O líder eleito do PSD tem lastro de pensamento crítico sobre a Justiça. António Costa foi ministro da dita e sempre teve posições claras sobre alguns dos temas cadentes do setor, nomeadamente sobre a morosidade dos mecanismos judiciais. Este caldo é meio caminho andado para que Rui Rio e António Costa possam seguir em direção ao pacto da Justiça pedido há mais de um ano pelo Presidente da República.
Começa hoje mais um Ano Judicial e com ele a esperança renovada de Marcelo Rebelo de Sousa que a Justiça entre mesmo nas prioridades dos dois principais partidos, PS e PSD. E num momento em que também há grande expectativa sobre um diálogo mais próximo entre Rio e Costa. Ambos foram fervorosos adeptos do combate à corrupção nas autarquias, enquanto lideraram a do Porto e a de Lisboa.
Rio adotou medidas nesse sentido dentro do município, Costa fez parecido na capital. Um dos temas que também os une é da violação do segrego de justiça. Neste ponto Rio e Costa têm declarações muito semelhantes. Numa das suas entrevistas de candidatura ao PSD, Rui Rio disse que "os julgamentos são para ser feitos nos tribunais" e não nos jornais ou na praça pública. Em 2014, depois de uma visita a José Sócrates na cadeia de Évora, António Costa, sublinhou que, além de "assegurar que a acusação tenha os meios necessários para fazer a investigação e que a defesa disponha dos meios e de igualdade de meios no exercício da defesa" era também preciso que "o segredo de justiça seja preservado e que não haja condenações, nem julgamentos na praça pública, que as pessoas se possam defender". Também ambos se manifestaram contra as propostas de lei sobre o enriquecimento ilícito, sempre que elas foram discutidas.
O constitucionalista e antigo deputado do PSD Jorge Bacelar Gouveia acredita que será possível um aproximar de posições entre o novo líder do partido e o primeiro-ministro. Mas frisa que há medidas estruturais urgentes sobre as quais os dois se deveriam debruçar. Uma delas consta das 80 medidas que os agentes da Justiça entregaram ao Presidente da República, precisamente a da redução das custas judiciais. Outra das "urgências" é da agilização da justiça tributária. "Há processos há dez anos nos tribunais. É uma vergonha", diz Bacelar Gouveia. E destaca ainda a questão dos inventários das heranças, que foi entregue aos notários que não têm condições para as despachar em tempo razoável.
Bacelar Gouveia coloca ainda sobre a mesa a figura da delação premiada, que não obteve o acordo dos agentes judiciários. "Tem de se fazer um debate político sobre isto", assegura.
Qualquer futuro acordo de regime entre Rui Rio e António Costa tem um ponto de partida que nenhum outro líder teve antes. O ano judicial abre hoje com um prévio acordo entre os agentes do setor - magistrados, advogados, solicitadores e oficiais de justiça - consolidado num "Pacto" assinado por todos este mês.
A maior parte das medidas, como assinala o bastonário da Ordem dos Advogados, Guilherme Figueiredo - que tem a sua primeira intervenção na sessão solene - "nem são geradoras de muitos conflitos ideológicos, são medidas apenas que visam melhorar o funcionamento da justiça, com que todos estão de acordo".
Na sua opinião "não é difícil" Rio e Costa "chegarem a um entendimento". No que diz respeito a matérias "mais estruturantes" que são propostas no acordo, como é o caso da "unificação da jurisdição comum com a administrativa e fiscal, criando uma ordem única de tribunais, com um único Supremo Tribunal e um único Conselho Superior da Magistratura Judicial" ou a redução das custas judiciais, de acordo com os rendimentos, o bastonário já não antevê a mesma facilidade.
"Nas suas intervenções públicas Rui Rio manifestou alguma desconfiança em relação ao funcionamento da justiça, mas uma coisa são essas opiniões, outra coisa é, já enquanto presidente do PSD, tiver a sua equipa a trabalhar estas matérias e a defender propostas concretas".
Rio é há muito tempo um crítico do funcionamento do Ministério Público, o que verbalizou durante a campanha para a presidência do PSD, sem ter sido claro sobre a avaliação que faz do mandato da atual procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, que termina em outubro. Apesar da escolha ser competência do governo e a nomeação do Presidente da República [portanto, a concordância], é um dos temas que os dois líderes irão discutir.
António Ventinhas, presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, prefere não fazer vaticínios sobre "pactos" entre Rui Rio e António Costa. "Uma coisa é certa, sempre que quiseram o PSD e o PS entenderam-se, mesmo no atual cenário de maioria parlamentar de esquerda, para aprovar medidas muito prejudiciais aos procuradores, como é o caso da mobilidade do Ministério Público e outras que consideramos inconstitucionais", salienta. A presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, Maria Manuela Paupério, espera "que haja entendimento político" para aprovar e legislar sobre as medidas propostas no pacto de justiça, "principalmente as que dizem respeito ao reforço dos recursos humanos" nos tribunais. Idêntico desejo tem Fernando Jorge, presidente do Sindicato dos Funcionários de Justiça, que gostaria que "tal como já anunciou a Sra. Ministra da Justiça, 2018 seja o ano das grandes decisões". "Quero acreditar", assinala, "que uma delas seja mesmo a aprovação dos estatutos juízes, procuradores e oficiais de justiça".
50 de 150 medidas cumpridas
No balanço oficial sobre o plano de modernização "Justiça mais Próxima", está registada a conclusão de 52 das 150 medidas previstas para os quatro anos de mandato. De acordo com dados do ministério da Justiça o "potencial de poupança de tempo de trabalho e despesa que ascende já a 4,2 milhões de euros/ano". Ainda no que diz respeito à modernização foi desenvolvida a certidão judicial eletrónica, com mais de 7000 certidões já emitidas, ou ainda a consulta online dos processos executivos pelas partes. Refira-se também os mais de 30.000 pedidos, em 15 meses, de Registo Criminal Online, medida de desmaterialização quem veio retirar um significativo trabalho administrativo das secretarias judiciais.