António Costa: "Tenho esperança de que o 'irritante' com Angola fique ultrapassado"
Há notícias que chegam no momento exato. O tema "Angola" tinha entrado na conversa minutos antes, com perguntas sobre o novo ciclo político em Luanda e as relações entre os dois países, azedadas pelo caso Manuel Vicente. A mudança de tom foi imediata. Da cautela e contenção nas palavras que têm marcado o discurso oficial do governo e da diplomacia portuguesa sobre o processo Manuel Vicente - ex-vice-presidente angolano acusado de corrupção ativa de um procurador do Ministério Público português - até ao sorriso com que António Costa comentou a notícia, bastou um gesto insistente de um dos assessores.
O título estava difícil de ver à distância e por pouco não conseguia furar a falta de vista de entrevistado e jornalistas. Não estava fácil ler o ecrã do telemóvel, mas o alívio acabou por tomar conta daquele pedaço de entrevista devido à persistência do assessor, que foi esticando o braço, tentando uma e outra vez e encontrando, por fim, um site com corpo de letra mais robusto: "Processo de Manuel Vicente segue para Angola". O título foi lido pelo próprio primeiro-ministro, que sorriu e acabou por dar a notícia a quem estava do lado das perguntas.
A entrevista corria na residência oficial provisória do primeiro-ministro, no Terreiro do Paço. António Costa, que estava há alguns minutos a explicar o teimoso "irritante" que tem marcado as relações entre Lisboa e Luanda nos últimos muitos meses, sorriu e deu a notícia: "Olhe, foi resolvido. O Tribunal da Relação decidiu remeter o processo relativo ao ex-vice-presidente Manuel Vicente para Angola, como tinha sido solicitado por Luanda."
Há uma visita do ministro da defesa à capital angolana marcada para a próxima semana, para uma cimeira que vai tratar da cooperação em matéria de defesa entre os dois países. Quisemos saber se esse pode ser um primeiro sinal de desanuviamento das relações entre os dois países. O primeiro-ministro conta que têm sido rotineiras e normais essas visitas. "Os ministros têm ido com frequência a Angola. O ministro da Agricultura esteve lá, o ministro dos Negócios Estrangeiros esteve lá, eu já me encontrei duas vezes com o presidente João Lourenço desde que ele tomou posse e, portanto, essa relação tem vindo a desenvolver-se com normalidade. E tenho esperança de que com esta decisão da Relação o "irritante" que existia fique ultrapassado".
Antes de receber a notícia, António Costa tinha sublinhado o "irritante" - expressão que quer António Costa quer Augusto Santos Silva têm classificado o caso Manuel Vicente: "Temos mantido uma muito boa relação política com Angola. Neste momento, como disse o presidente João Lourenço em Davos, entre Portugal e Angola há um e um único problema que transcende, aliás, o poder político." Deixou de haver e agora os dois países podem regressar a outras emoções. "Temos sempre uma relação excessivamente emocional uns com os outros, mas essas relações emotivas tanto dão excesso de amizade como, às vezes, excesso de tensão por pequenos factos. Mas acho que é preciso que Portugal nunca perca de vista que, com mais incidente menos incidente, mais irritante menos irritante, Angola será sempre um parceiro insubstituível."
Num outro palco, em Florença, onde está para falar sobre a Europa, o Presidente recebeu a notícia de quem de direito - um jornalista. Marcelo afirmou que, "se for esse o caso, desaparece o "irritante", como aliás chamou o senhor ministro dos Negócios Estrangeiros, que é aquele pequeno ponto que existia, embora menor, mas existia, a ser invocado periodicamente nas relações entre Portugal e Angola".
Do lado da diplomacia, Augusto Santos Silva, em declarações à agência Lusa, afirmou que "esta decisão, encerrando um "irritante", permite que a relação entre Portugal e Angola passe para o nível mais alto possível do relacionamento". Questionado sobre se esta decisão da Relação de Lisboa abre a porta a uma visita oficial de António Costa a Angola, o ministro dos Negócios Estrangeiros respondeu que "esse é um trabalho muito prioritário para a diplomacia portuguesa".