Incêndios. Prevenção e combate juntos e nada ficará igual

Autoridade Nacional de Proteção Civil vai receber 148 milhões de euros no próximo ano, o valor mais alto desde 2008, para mudar combate aos fogos

As paredes de madeira do gabinete de Tiago Oliveira estão repletas de folhas A4 manuscritas com frases, pontos numerados, datas. Boa parte da estratégia definida pelo governo na Resolução de Conselho de Ministros (RCM) de 27 de outubro, que aprovou "alterações estruturais na prevenção e combate a incêndios florestais", está ali sistematizada por este engenheiro florestal doutorado em Governança de Risco de Incêndios, bombeiro florestal profissional, que o primeiro-ministro escolheu para liderar a Estrutura de Missão para a Gestão Integrada de Fogos Florestais EMGIFF), de onde partem todas as orientações e monitorização da execução das medidas previstas. O ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, prometeu que no próximo verão "nada poderá ficar como dantes" e é para isso que trabalha Tiago Oliveira e todas as estruturas do governo envolvidas.

"Plano Nacional de Gestão Integrada de Fogos Florestais: aprovar objetivos estratégicos em abril de 2018", "Integração da gestão de prevenção e combate", "ANPC: proteção contra incêndios rurais", "Processos de investigação e aplicação do conhecimento" são alguns exemplos do "papel" que forra a parede. Tiago Oliveira sorri quando o confrontamos com aquela "metodologia" de trabalho. A calma que exterioriza é apenas aparente, pois o fervilhar de ideias que enchem a sua cabeça é notório no entusiasmo com que fala na missão que tem pela frente.

Conversámos entre telefonemas para o Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), onde iria ter uma reunião dali a poucos minutos. Este organismo juntamente com a Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC) são os grandes pilares da execução da reforma que se pretende empreender e que tem como palavra-chave juntar prevenção e combate numa mesma diretiva, a operacionalizar já no próximo verão. Exemplo concreto já em 2018? "O duplo emprego das forças de combate, como o Grupo de Intervenção de Proteção e Socorro (GIPS) da GNR e a Força Especial de Bombeiros, em ações de prevenção e sensibilização das populações, mesmo durante a época alta de incêndios, sempre que os dias forem de baixo risco de fogos", explica fonte autorizada da ANPC. A partir de janeiro, o GIPS vai passar de 600 militares para 1100, os guardas-florestais de 300 para 500 e o Ministério da Agricultura contratará cem novas equipas de sapadores florestais, a reforçar as 35 existentes.

O Orçamento do Estado prevê despesas de 148,7 milhões de euros para a ANPC em 2018, o valor mais alto desde 2008. Esta verba representa um aumento de 11% face ao Orçamento deste ano - 134 milhões de euros. Também o ICNF terá um reforço de fundos na proposta, mais 9,24 milhões de euros, um acréscimo de 16,7% nos fundos inscritos.

Os telefonemas entre Carnaxide, onde se localiza o quartel-general da ANPC, e a Avenida da República, onde está a sede do ICNF têm aumentado nos últimos dias, pois, segundo determina a RCM, até final do ano tem de estar concluída a "diretiva única de prevenção e combate" que vai enquadrar a nova realidade.

"Com mais cooperação entre atores, investimento em prevenção e mais mecanismos de gestão de informação, bem como uma gestão mais flexível de meios de combate, iremos estar mais bem preparados em 2018", acredita Tiago Oliveira, que não quer falar em "revolução" mas numa "grande transformação". Uma inovação que destaca para o próximo ano é a criação de uma "bolsa de peritos" com especialistas que possam apoiar a decisão nos comandos operacionais na melhor forma de travar um incêndio. "A especialização e o profissionalismo são determinantes nesta frente de comando e controlo, principalmente nos incêndios mais complexos", sublinha o presidente da EMGIFF.

Mas não é só o duplo uso das forças no terreno que a ANPC tem de organizar. Até ao final do primeiro trimestre terá de preparar os conteúdos daquilo que Tiago Oliveira considera "crítico" e a "sensibilização das populações para que saibam o que devem fazer em caso de incêndio". A partir de janeiro, determinou o governo, terá de ser criado o programa Pessoas Seguras, com "ações de sensibilização para a prevenção de comportamentos de risco, medidas de autoproteção e realização de simulacros de planos de evacuação", criada uma "rede automática de aviso às populações em dias de elevado risco de incêndio" e criar um programa de "proteção dos aglomerados populacionais", designado de Aldeia Segura.

Em matéria de meios aéreos, há várias novidades previstas para 2018, como o aumento do número de aeronaves, passando de 41 para 50, e do número de horas de voo, bem como a disponibilidade de meios aéreos durante todo o ano para fazer face à imprevisibilidade meteorológica. O novo dispositivo será reforçado com meios pesados, em detrimento dos médios e terá, pela primeira vez, dois aviões de coordenação, para o reconhecimento e avaliação dos incêndios, para proporcionar melhor informação ao comando. Ainda não será em 2018 que a Força Aérea fará a anunciada gestão destes meios.

Outro dado novo que se espera no próximo ano é que, pelo menos nas regiões definidas como de maior risco, tenha sido limpa toda a vegetação em redor das casas e estradas, de acordo com o definido na lei. Esse trabalho tem de estar concluído até março. Caso o prazo não seja cumprido serão as autarquias a fazê-lo, cobrando depois aos privados ou empresas.

"Estamos a falar de problemas com 40/50 anos com causas de fundo, impossíveis de mudar num ano: ordenamento do território, colapso do mundo agrícola a norte do Tejo, má utilização do fogo nas queimadas, uma dimensão cultural em que ninguém se sente responsável e não existe uma noção de comunidade e, por último, as alterações climáticas. Mesmo com um bom sistema de prevenção e combate, sem os os outros fatores corrigidos, será sempre insuficiente. Temos de assumir socialmente que o desafio é determinante para o futuro do país conseguir mudar. O caminho está traçado. Não mudar não é opção, pois ficar na mesma é muito arriscado, num contexto ainda mais adverso", conclui Tiago Oliveira.

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