Igreja Católica vai ordenar mulheres mas não será com este Papa
"A ordenação de mulheres devia estar resolvida há muito. Não devia ser preciso um concílio. A Igreja Católica não pode continuar a ser uma instituição machista e misógina." Quem o diz é Anselmo Borges, padre e professor universitário, a propósito das declarações recentes do cardeal Christoph Schönborn, conselheiro do Papa, que referiu, em entrevista, que a ordenação de mulheres deve ser decidida num concílio da Igreja. "Teoricamente sou favorável a um concílio, mas há o perigo de este não ser favorável à ordenação das mulheres. Acredito que é uma questão de tempo até acontecer, mas não será para breve", diz o sacerdote.
As declarações do arcebispo de Viena trouxeram, uma vez mais, a questão da ordenação de mulheres como "diáconas, sacerdotisas e bispas" para a discussão. Schönborn considera que esta é uma decisão que terá de ser tomada por representantes de todo o mundo, e não apenas pelo Papa. Embora diga concordar com o concílio, Anselmo Borges tem dúvidas de "que seja a favor da ordenação das mulheres, já que muitos bispos vêm do tempo de João Paulo II e de Bento XVI. São conservadores". Em África, por exemplo, "a maioria seria contra, porque a perceção da igualdade de direitos entre homens e mulheres não é a mesma".
A não ordenação de mulheres pela Igreja Católica - que já é possível na Anglicana, por exemplo - é, para o teólogo, um dos seus "problemas fundamentais". Anselmo Borges lembra que "Jesus tinha discípulos e discípulas", pelo que "é contra a vontade de Jesus que as mulheres sejam discriminadas na Igreja". Além disso "isso é ser contra a igualdade dos seres humanos".
Teresa Toldy, teóloga e uma das vozes que defende esta ordenação, concorda com um concílio para tratar o tema, mas que não seja apenas constituído por homens, como é habitual. "É uma decisão que teria de ser assumida pela Igreja nos países todos, mas teriam de estar presentes mulheres." Tendo em conta as várias maneiras como a questão é vista pelos diferentes países, considera que esta "deve ser discutida, porque se for imposta, as igrejas a nível global podem reagir mal". A teóloga não acredita que a ordenação de mulheres aconteça no pontificado de Francisco. "Não pode fazer tudo", frisa. Contudo, destaca, "este Papa está a abrir portas e é importante que os católicos e o clero não deixem que elas se fechem". Ao DN, Teresa Toldy recorda os argumentos da Igreja para a exclusão das mulheres: "Dizem que não há evidências históricas da ordenação de mulheres, que Jesus Cristo era homem e não pode ser representado por uma mulher no altar e que na última ceia só estavam homens." Fundamentos que considera "claramente discriminatórios e que não são coerentes com a mensagem de Jesus Cristo, de não exclusão de ninguém".
Discutir no seio da Igreja
Em 2016, o Papa Francisco disse que "sobre a ordenação das mulheres, a última palavra, clara, é a de São João Paulo II, e ela permanece" (em 1994) o papa Wojtyla escreveu a carta apostólica Ordinatio Sacerdotalis, em que assinalou: "A ordenação sacerdotal, pela qual se transmite a missão que Cristo confiou aos seus Apóstolos, de ensinar, santificar e governar os fiéis, foi na Igreja Católica, desde o início e sempre, exclusivamente reservada aos homens." Mas lembrou que não existe Igreja sem "dimensão feminina".
Este é um tema que, na opinião de frei Fernando Ventura, franciscano capuchinho, "deve ser discutido no seio da Igreja, com discernimento, palavra-chave do ministério do Papa Francisco", seja "num concílio ou num sínodo". "Enquanto cidadão, não me repugna absolutamente nada a ordenação de mulheres, seria alguma coisa de natural. Mas enquanto padre, tenho de me conformar com as normas vigentes."
Para o teólogo, está em causa a tradição. "A haver abertura para a mulher caminhar para o sacerdócio feminino, teria de passar primeiro pela diaconia", sublinha, acrescentando que "se calhar isso será ainda para o nosso tempo". Acredita que "a maioria das pessoas não veria com maus olhos ter uma mulher à frente de uma paróquia, mas isso não pode ser imposto de cima para baixo". Fernando Ventura ressalva, no entanto, que o sacerdócio não pode ser visto como "um grau superior ou de poder". "Não precisamos de mais hierarcas, mas de gente que queria servir, de acordo com a sua sensibilidade", adverte.
Homens casados mais perto
Mais próxima do que a ordenação de mulheres estará, segundo os teólogos ouvidos pelo DN, a de homens casados. "Estou convicto de que está para muito breve. Vai haver um sínodo na Amazónia [em 2019] e deverá ficar decidida aí. O Papa vai dar a possibilidade de ordenar homens casados", afirma Anselmo Borges. Uma opinião semelhante à de Teresa Toldy: "Penso que estará para mais breve. Havendo escassez de clero, tem de se ver se é mais importante a missa ou o celibato. Dá-me a ideia de que é a missa."