Governo justifica-se com "erro". Bloco fala em "deslealdade"
Sem surpresa, o Bloco de Esquerda viu ontem confirmar-se algo de que já suspeitava desde sexta-feira: o PS deu o dito por não dito na votação de uma proposta do BE criando uma contribuição para as empresas de energias renováveis pagarem.
Na sexta-feira, numa votação em comissão, os socialistas haviam aprovado a proposta bloquista. Mas horas depois da votação pediram a reconfirmação da votação, para o plenário final de discussão do OE 2018, ontem à tarde. E fizeram-no correspondendo àquilo que o BE suspeitava que poderia acontecer (e que aconteceu mesmo): passar do voto a favor para o voto contra e, com isso, chumbar a proposta do BE (que teria, segundos os proponentes, uma receita na ordem dos 250 milhões de euros, conduzindo também a uma redução praticamente automática da fatura elétrica dos consumidores).
Que razões levaram o PS a este volte-face? Segundo fontes do grupo parlamentar e do governo, tratou-se de um "erro de coordenação" dentro da bancada. Um engano, portanto. Era suposto votar-se - na primeira votação, de sexta-feira, em comissão - contra e votou-se a favor. Mas foi também um erro que, segundo reconheceu ao DN um deputado do partido, refletiu visões diferentes sobre o assunto dentro da bancada. Enfim: o PS e o governo desdramatizam o assunto, põem tudo à conta de uma espécie de mal-entendido, compreendem a fúria bloquista - mas querem seguir em frente. Recordando, pelo meio, que o volte-face do partido não viola nenhuma disposição da "Posição conjunta" que o PS assinou com o BE no princípio da legislatura.
Só que o BE não "compra" as justificações socialistas. No encerramento do debate do OE 2018, Mariana Mortágua subiu ao púlpito para a intervenção final do BE e passou mais de metade do discurso a arrasar os socialistas. Aconteceu algo "inédito", disse a deputada bloquista: "O governo não honrou a palavra dada." Acusando os socialistas de "deslealdade", prosseguiu: "Nada justifica o volte-face do PS a não ser a subserviência de sempre ao poder das elétricas." E nem sequer se pode invocar um erro de coordenação porque a matéria tinha sido, segundo garantiu, previamente "acordada com todos os membros do governo com quem tratámos" (Economia e Finanças). Portanto: "Quando era preciso um primeiro-ministro com "nervos de aço" para responder às empresas que pretendem manter rendas de privilégio, o governo falhou." Pouco depois, Carlos César subia ao púlpito e respondia ao BE: "Este não é, apenas, um governo do PS. Mas não é tão-pouco um governo refém de qualquer empresa como de qualquer partido" - e "por mais persuasivo ou loquaz que um ou outro queiram parecer." Depois, no final do debate do o OE 2018, a proposta seria aprovada - com os votos do PS+BE+PCP+PEV+PAN - mas ninguém ignorava o mal estar instalado entre bloquistas e socialistas.
Dentro de dias, depois da redação final, o diploma seguirá para Belém. Marcelo já fez saber - e ontem repetiu - que desta vez o governo não terá na Presidência uma espécie de "via verde" para o diploma. "Estou expectante. Ansioso, não direi! Não é propriamente uma angústia, mas estou expectante", disse o Presidente da República, recordando pelo meio que foram introduzidas várias alterações à proposta durante o debate na especialidade. O OE 2018 - disse - "tem realidades que até ao último minuto era preciso acompanhar". "Irei ver a versão final, logo que a receba, com todo o cuidado e com toda a atenção e interesse."