Espiões preparam-se para nova liderança nas secretas

O mais forte candidato à sucessão do atual secretário-geral do SIRP, Júlio Pereira, foi espião oficial na China durante 12 anos
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Continuidade ou rutura? É a decisão que António Costa terá de tomar para escolher o novo líder dos Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP), cargo atualmente ocupado pelo procurador Júlio Carneiro Pereira. No forte da Ameixoeira, onde estão localizadas as sedes das secretas interna (SIS) e externas (SIED) a contagem de espingardas tem estado ativa e a expectativa é de que, assim que for conhecida a sentença do julgamento do ex-diretor, Jorge Silva Carvalho, há novidades.

Esta semana, quarta-feira, Júlio Pereira é ouvido no parlamento, a pedido do PCP, por causa do último escândalo a envolver os seus espiões. O recente caso do agente do SIS detido em Itália (na foto), sob suspeita de vender à Rússia informação secreta que desviava dos serviços abalou os serviços, pela sua dimensão e gravidade sem precedentes. Desta vez, ao contrário do que aconteceu noutras ocasiões, o PCP teve também o apoio do PS, isolando o PSD, cujos deputados foram os únicos a votar contra esta audição. O que foi interpretado, por quem acompanha estas matérias, como um sinal de que os socialistas de António Costa podem ter uma atitude menos protetora ao super-espião e isso significar que este pode estar a entrar no corredor de saída.

Por outro lado, avaliam as mesmas fontes, a presença pouco habitual, do chefe de governo no forte da Ameixoeira, no passado dia 4 de julho, para celebrar os 31 anos do SIS, onde discursou enaltecendo o valor e o trabalho das secretas, foi sentido como uma manifestação de apoio à "família" que dirige os serviços. Ou terá sido um "beijo de Judas"?, questionam.

Com a leitura da sentença de Silva Carvalho marcada para 19 de setembro acredita-se que Júlio Pereira que, segundo assinalou o Expresso em março deste ano, tinha pedido a Costa para sair, possa ter nessa altura a sua oportunidade.

Dois magistrados na calha

Ao que o DN apurou junto a fontes das secretas e de organismos que trabalham com estes serviços, há dois nomes na linha da frente. Caso o primeiro-ministro decida em manter o status quo, fazer uma transição pacífica e encontrar um perfil que faça parte da atual "família" que lidera as secretas há 11 anos - desde que Júlio Pereira o assumiu - é o procurador Francisco Pinto dos Santos, 59 anos, quem reúne mais consensos. Esteve na China, como antena do SIED durante quase 12 anos. Regressou no ano passado ao Ministério Público - há quem diga para começar a preparar-se para a sucessão e voltar a ter contacto com a realidade da segurança portuguesa que desconhece aprofundadamente há mais de uma década - e é desde março auditor jurídico do ministério da Justiça, uma nomeação da ministra Francisca Van Dunem.

Internamente é respeitado, muito próximo de Júlio Pereira, com quem partilha os conhecimentos pela cultura chinesa, e tem no governo um aliado de peso: o ministro-adjunto do primeiro-ministro, Eduardo Cabrita, também pelas ligações deste à China. Cabrita trabalhou para o governo de Macau quase 10 anos.

Costa poderá aqui conseguir um consenso com o PSD - embora na atual conjuntura política seja imprevisível - pela continuidade que representaria Pinto dos Santos. E até do CDS. O "espião" oficial do SIED foi o principal anfitrião de Paulo Portas na visita deste à China em 2012, tendo ficado uma relação sólida entre ambos deste então.

Mas Costa pode querer fazer um corte definitivo com todo um passado recente de escândalos que deitaram abaixo a credibilidade dos serviços perante a opinião pública. Interna e externamente, como foi neste caso mais recente. Recorde-se outros casos que obrigaram Júlio Pereira a prestar esclarecimentos no parlamento: o "varrimento" eletrónico do SIS no gabinete do ex-diretor do Instituto dos Registos e Notariado, quando este estava a ser investigado pela PJ no caso dos vistos gold; o manual de procedimentos com instruções para os espiões recorrerem a meios ilegais; a confirmação, em sede de acessos ilegais a dados de comunicações.

Costa tem para esta missão, de credibilizar os serviços e assim legitimar o tão desejado reforço operacional (o acesso aos metadados) um homem de confiança: Orlando Romano, 64 anos, atualmente inspetor do Ministério Público mas que, ao contrário de Pintos dos Santos, teve larga experiência no mundo da segurança e investigação criminal.

Esteve 16 anos à frente da mais importante unidade da PJ de combate ao crime violento, a então Direção Central de Combate ao Banditismo (DCCB), hoje Unidade Nacional de Contraterrorismo. Costa conheceu-o quando era ministro da Justiça e depois, como ministro da Administração Interna chamou-o a liderar a PSP.

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