"O PS mantém, com a direita, uma posição comum de uma Europa imutável"
Catarina Martins defende que as alterações "substanciais" ao projeto europeu "devem ser sempre referendadas"
A Comissão Europeia, o seu presidente, Jean-Claude Juncker, apresentaram o Livro Branco. Há aqui uma boa oportunidade, também, para discutir este espaço de que fazemos parte. O Bloco vai defender a realização de um referendo para os portugueses finalmente se pronunciarem sobre o caminho que querem na Europa?
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O Bloco de Esquerda tem defendido que era normal que Portugal, que os portugueses fossem ouvidos sobre os caminhos na Europa. E, portanto, essa é a nossa posição: alterações substanciais devem ser sempre referendadas. Aliás, as que foram feitas deviam ter sido referendadas e não o foram até agora. Devo dizer que, posto isto, olhando para o plano Juncker, ninguém vê lá nenhuma novidade. A Europa passa a vida a refundar-se a cada duas semanas...
Até porque faz mais perguntas do que dá respostas. Nem coloca alternativas, digamos assim.
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Não há ali nenhuma novidade, ou seja, não temos nada em cima da mesa que possamos discutir, desse ponto de vista - é um vazio. Aliás, chegamos ao ridículo de o plano que é apresentado ser uma caricatura da União Europeia sobre si própria: não fala uma única vez de Estado Social, mas refere carros elétricos cinco vezes. E, portanto, digamos que Juncker só dá todas as razões a quem goza com o projeto da União Europeia, porque aquilo não tem, objetivamente, nada de concreto que as pessoas compreendam que houve alguma aprendizagem do que aconteceu até agora.
Sim, mas até coloca a hipótese de voltarmos a ser apenas um mercado interno. Coloca ali várias hipóteses.
Coloca várias hipóteses, julgo eu, para tentar conduzir as pessoas a uma única, não é? Vamos pôr várias hipóteses que podemos atacar como más para que toda a gente aceite, depois, uma ou duas como inevitáveis, quando não colocamos no universo todas as outras que são importantes e que têm a ver com o Estado Social, com o controlo público dos setores estratégicos, com a democracia - tudo isso está fora -, com a coesão, com os problemas, aliás, do crescimento de regimes protofascistas no Leste da Europa e o que isso significa de atentado básico aos direitos humanos, às liberdades, à democracia. Tudo isto está fora, tudo o que é relevante está fora. Há uma ideia, no entanto, perigosa que está contida nestes cenários, que é a ideia de acabar com os fundos de coesão para direcionar esse dinheiro para políticas de segurança. Ou seja, em vez de aprendermos com os problemas, vamos reforçar os problemas e eu julgo que isso seria perigosíssimo.
Aparentemente, o governo já disse que não está inclinado para fazer esse referendo, o Bloco de Esquerda também não vê aqui um pretexto para que ele seja feito, com base, pelo menos, neste Livro Branco de Jean-Claude Juncker...
Não, o que nós dizemos é que o livro é vazio, do ponto de vista de propostas.
Certo. Não vamos perder aqui um momento essencial para discutir a Europa, não digo só em Portugal, em Portugal e na Europa. Mas em concreto em Portugal acha que haverá alguma discussão concreta à volta deste Livro Branco?
Eu acho que o Livro Branco não é o pretexto, não é a base de que precisamos para nenhuma discussão porque, como digo, e, em si, vazio e até caricatural sobre a própria União Europeia, não é? Ninguém compreende exatamente o que é que estão a pensar, o que é que se passa. Agora, eu acho que nós não devemos nunca perder a hipótese de discutir a Europa muito a sério. Nós temos problemas graves, temos perda de soberania grande que tem de ser debatida. E que faz uma crise económica, mas também faz uma crise de legitimidade em toda a Europa, que se está a sentir como resultados eleitorais, até, preocupantes em muitos países, que atacam as ideias mais básicas da democracia. Nós devemos discutir se é normal estarmos incluídos num processo de união monetária que é feita para a economia de um país, prejudicando as economias de quase todos os outros. Ou seja, o euro que é uma ótima moeda para a Alemanha, mas é uma péssima moeda para a maior parte das economias europeias. Temos de discutir, seguramente, as dívidas públicas dos países da periferia do euro, que foram atacados na consequência da crise financeira de 2007 e 2008 e que mantêm sobre si, até hoje, um peso injusto, por essa assimetria do euro, e que não se vê tratada com nenhum projeto de restruturação de dívidas pública.
Deixe-me perguntar-lhe, sobre esta matéria, a secretária de Estado dos Assuntos Europeus disse esta semana, no Fórum da TSF, que, sobre esta matéria europeia, o que vale é o programa do PS porque ele foi sufragado nas eleições. Foi dito assim. Concorda?
Há uma divergência clara sobre essa matéria. O Partido Socialista teve 30% dos votos e é esse o peso que tem o seu programa eleitoral: não tem mais, não tem menos. O Bloco de Esquerda teve 10%: é esse o peso que tem. Agora, é certo que o Partido Socialista mantém, com a direita, uma visão em comum de uma Europa imutável, em que Portugal se resigna a esta espécie de cidadania pequena num espaço europeu cheio de constrangimentos que atentam contra a nossa democracia. Nós achamos pena que assim seja e continuaremos, julgo eu, a fazer caminho para que seja de uma forma diferente. Não achamos que o nosso país tenha de ser um parceiro de segunda numa Europa mal desenhada.