Há profissionais qualificados, mas muito para melhorar

Especialistas vão reunir-se para analisar as políticas educativas e práticas de qualidade. Inclusão dos 0 aos 3 anos no sistema educativo vai ao Parlamento depois de uma petição reunir mais de cinco mil assinaturas

O que temos: todos os educadores de infância com qualificação superior; uma rede globalmente satisfatória, mas com carências nos grandes centros; metade dos jardins-de-infância integrados em agrupamentos. O que queremos: integrar as crianças dos 0 aos 3 anos no sistema educativo; melhorar o acesso; diminuir o rácio aluno-educador. Este é o panorama atual da educação de infância em Portugal, referido ao DN por profissionais, pais e outros especialistas, que vão participar na conferência Edutalks subordinada ao tema "Educação de infância: o que temos e o que queremos?", hoje, no auditório da Fundação Eugénio de Almeida, em Évora. Um evento promovido pelo Edulog, o think tank da Educação da Fundação Belmiro de Azevedo.

"Vamos discutir assuntos importantes sobre a educação das crianças nos primeiros anos, que durante tantos anos foi menosprezada, mas que nos últimos 20 teve a atenção que era pedida", adianta ao DN Luís Ribeiro, presidente da Associação de Profissionais de Educação de Infância. Destaca ainda um facto que coloca Portugal na linha da frente: a qualificação dos profissionais. "Todos os educadores de infância são pelo menos licenciados, e muitos têm mestrado", sublinha.

Relativamente ao facto de metade da oferta estar integrada em agrupamentos, Luís Ribeiro diz que existem vantagens e desvantagens. Por um lado, "do ponto de vista dos projetos e da dinâmica pedagógica, os processos estão mais articulados", o que é vantajoso, já que "a retenção está muito vincada nas transições". Contudo, por outro, há uma tendência para "os instrumentos usados no primeiro ciclo colonizarem as práticas do pré-escolar", o que pode fazer que sejam usadas muitas fichas, por exemplo, e que as crianças passem muito tempo sentadas.

Já no que diz respeito às aprendizagens, no pré-escolar é dado "muito foco à forma como as crianças aprendem, mas muitas vezes o conteúdo são coisas dispersas e muito limitadas ao mundo cultural do educador". Um aspeto que acredita que "deverá ser melhorado nos próximos anos". Tal como a Lei de Bases do Sistema Educativo. "As crianças dos 0 aos 3 anos ainda estão fora do sistema educativo. É um fator muito negativo", lamenta Luís Ribeiro, destacando que foi feita uma petição e que o assunto será levado à Assembleia da República. "Os partidos estão sensíveis à alteração", adianta.

Pedro Cunha, diretor adjunto do Programa Gulbenkian Conhecimento, partilha da opinião de que "é difícil alinhar a educação", quando esta está entregue até aos 3 anos ao Ministério da Solidariedade e da Segurança Social e a partir daí ao Ministério da Educação, até porque "as grandes janelas de desenvolvimento sensório-motor e cognitivo estão todas antes dos 3 anos".

Na opinião do ex-subdiretor-geral da Direção-Geral da Educação, Portugal tem de fazer "um debate sério sobre o que é a qualidade na educação de infância". Não é garantido, explica, que os intervenientes - pais, educadores, promotores, investigadores - "tenham a mesma conceção do que é a qualidade". Segundo o mesmo, não "há nenhum estudo com uma amostra representativa que permita inferir como as coisas estão a correr no país". Existem "áreas muito fortes, como a qualificação dos profissionais" e o crescimento no acesso, mas "existem outras a melhorar".

Embora sem representatividade, há estudos que mostram "grandes diferenças entre jardins-de-infância: uns com qualidade máxima, outros com mínima". Nesta área, diz Pedro Cunha, "a qualidade do educador e a liderança pedagógica são determinantes". No acesso, lamenta, "há grande desigualdade", e "a população que mais precisa - famílias migrantes, com baixos recursos - é a que tem menores taxas de acesso à educação pré-escolar". Na Grande Lisboa, exemplifica, "é difícil encontrar uma vaga gratuita numa creche ou jardim-de-infância".

Áreas como a atividade física ou motora, a matemática e as ciências são, segundo o especialista em psicologia educacional, muitas vezes menosprezadas pelos educadores, o que está relacionado com "tradições", mas também com "limitações em termos de espaço". Outra área a melhorar é o "rácio de crianças por adulto, uma vez que Portugal tem dos mais elevados rácios da Europa". Há situações em que há apenas um educador para 25 crianças. "Isto tem de ser revisto", frisa.

Para Jorge Ascenção, presidente do conselho executivo da Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap), um "menor número de crianças por educador possibilitaria um melhor trabalho", mas a intervenção deve ser mais profunda. Refere-se a melhorias na formação de educadores e auxiliares de educação, bem como ao próprio perfil. "Nem todos os educadores têm perfil para ser o colo e o amparo na ausência dos pais."

O representante dos pais considera que "a rede atual, que conta com a colaboração dos privados, vai satisfazendo as necessidades das famílias", embora com dificuldades "nos grandes centros". Já os horários podem ser melhorados, para permitir "uma conciliação entre o mundo laboral e educativo". Assim como os meios. "As famílias ainda dão um grande contributo financeiro para que seja desenvolvido um trabalho de qualidade com as crianças", nomeadamente ao nível dos materiais.

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