Desta vez o aparato da comunicação social não foi para acompanhar mais uma operação da PSP contra traficantes de droga ou outros gangues, que tanto estigmatizam o bairro. Por isso, Vítor Santos, que à entrada nos questiona de imediato sobre o motivo da nossa presença, suspirou de nítido alívio, quando dizemos ao que vamos. "Assim está bem, assim está bem", afirmou, para logo ir ao encontro de Edgar Silva que começava a subir a rua à entrada do bairro da Cova da Moura. "Já tenho nacionalidade portuguesa. Agora diga-me porque tenho de votar em si", desafiou, olhos nos olhos com o candidato comunista. Este, não se intimidou e puxou dos "galões": "Sei bem o que é viver em bairros como este", recorda, "há 25 anos vivi numa barraca no bairro da Curraleira e há 28/29, passei uns dias aqui na Cova da Moura a trabalhar com uma associação (Moinho da Juventude) a preparar um intercâmbio de projetos para começar numa escola da Madeira. Tem sido feito muito trabalho de conquista de direitos, de inclusão, mas seria preciso muito mais. O Estado podia ser muito mais interventivo"..Vítor gosta das palavras experientes. "Gostei de ouvir e que tivesse passado por aqui", assevera. Edgar, cujo currículo de vida contém uma vasta atividade em projetos na área social, desde o tempo em que ainda era padre, nos anos 80 e 90 em Lisboa e no Funchal, vai percorrendo as ruas como se estivesse em casa. O contacto com os populares, meio desconfiados com a comitiva que invadiu a sua manhã bucólica, é fácil, atencioso (Edgar ouve sempre, sem pressas, tudo o que as pessoas lhe dizem) e afetuoso. Maria Vaz e Amélia Tavares, duas cabo-verdianas na casa dos 60 anos, estão sentadas à beira de alguidares de peixe, com sorrisos na cara. "Então a quanto está a vender essa corvina", pergunta Edgar Silva. "Quatro euros, responde Maria Vaz. "Sabe quem é este senhor?", provoca um dos jornalistas. "Sei, conheço da televisão. É candidato a Presidente da República", responde a peixeira. O nome já foi mais difícil. "É um nome um bocado esquisito", ajuda o candidato, "Edgar Silva". À despedida as mulheres apelam a que "quando for presidente ajude os pobres, que estão a morrer de fome", ao que Edgar Silva responde "Força na luta, que os pobres têm de lutar muito"..Antes de chegar ao local do encontro com as associações de imigrantes e intervenção social, o candidato ainda tem uma surpresa. Na rua da ilha da Madeira, uma madeirense, Rita Caires, corre ao seu encontro para o cumprimentar. "Tinha de haver um madeirense. Há sempre em qualquer lado. E na rua com esse nome", assinala, satisfeito..Já à frente de uma fumegante cachupa, prato típico cabo-verdiano, numa espécie de marquise comprida com uma vista infinita até Loures, Edgar Silva assinala o "trabalho silencioso notável" que é feito naquele bairro, pelas associações, como a do Moinho da Juventude, recordando um seu fundador, Eduardo Pontes (já falecido), "um verdadeiro intelectual orgânico, que sabe colocar o seu saber ao serviço do povo, através de uma abnegada inserção". O candidato nota que é este tipo de dedicação que "lança as sementes para que, no futuro, se colham saborosos frutos". No entanto, sublinha, "infelizmente estas sementes da transformação não fazem as aberturas dos telejornais"..O atual dirigente do Moinho da Juventude, Jakilson Pereira, o único da mesa a comer um bife com salada ("estou de dieta", justifica, meio atrapalhado, perante os olhares surpreendidos), recorda uma frase do seu sucessor e deixa no ar um pouco de filosofia a temperar a refeição: "ele promovia muito a leitura, criou uma biblioteca, e costumava dizer que cada criança deste bairro que lê um livro é um ato revolucionário". Jakilson está bem dentro das dificuldades que o bairro, hoje com mais de 6000 pessoas, tem pela frente e descreve-as a Edgar Silva, ao seu lado na mesa..Cá fora, em declarações aos jornalistas momentos depois, o candidato comunista salienta que a "erradicação da pobreza continua a ser um grande desafio" e que "as respostas do Estado continuam muito aquém das necessidades". Como Presidente da República, promete, "assumo o compromisso de vincular o Estado português a políticas de justiça social. É uma situação intolerável, inaceitável que um terço da população viva em situação de pobreza". Para Edgar Silva "a pobreza existe porque existe causas políticas que a provocam". Por isso, afirma, "não vale a pena chorar lágrimas de crocodilo sobe a pobreza. É preciso agir sobre as suas causas políticas e económicas"..Neste encontro estavam representantes, além do Moinho da Juventude, de associações antirracismo, dos moradores, do movimento de erradicação da pobreza. Estavam também a mesa elementos do comité central do PCP, do setor da imigração e alguns dirigentes sindicais residentes do concelho da Amadora, como era o caso do histórico dos rodoviários, Amável Alves.