Deram aulas e agora vendem casas: professores são os preferidos das agências
"Procuramos profissionais com formação na Área de Educação/ Formação para trabalhar no sector Imobiliário"; "Professores - Mudança de Carreira"; "Professores para Funções Comerciais"; "Recrutamos profissionais da área do ensino que, não estando a exercer de momento na sua área, possam pelas suas competências e linguagem, capacidade de adaptação e resiliência, querer um novo desafio profissional na área em maior crescimento em Portugal - Imobiliária". Os anúncios de agências imobiliárias para recrutar professores são às dezenas nos principais sites de emprego. E isto pesquisando só no mês de junho. Com a subida em flecha deste mercado, as empresas da área vêem na Educação um campo de recrutamento mesmo à mão de profissionais altamente qualificados e sem espaço nas escolas.
Com a crise económica, muitos professores sem colocação decidiram arriscar a sorte no ramo da venda de casas, onde foram acompanhados por muitos advogados, arquitetos e engenheiros. E agora, a procura de formados na área da Educação está a acompanhar o crescimento galopante do mercado imobiliário, como as próprias empresas admitem. "Foi uma tendência que cresceu com a crise económica e que aumenta nestas alturas de maior procura e também de maior conflito no setor da educação, em que há muita falta de esperança dos professores", explica a CEO da Remax Portugal. E o que ganham as agências com isso? "Para nós, como não são miúdos, são pessoas já na casa dos 35, 40, 45 anos, temos a garantia que levam isto muito a sério", justifica Beatriz Rubio.
Além disso, "ter pessoas habituadas a comunicar tem um grande valor", acrescenta Ricardo Sousa, CEO da Century 21. Isto porque "houve uma mudança de paradigma, do produto para as pessoas, o foco não é a casa mas a família que a vai habitar. E o agente tem cada vez mais a missão de ajudar a compreender as necessidades do cliente num momento de grande impacto emocional, que uma mudança de casa acarreta sempre". Além disso, são profissões com flexibilidade de horários, porque ainda há quem acumule com as suas profissões de origem.
1,8 milhões angariados num ano
O caso de Andreia Falcão, 50 anos, não será o mais habitual entre os professores que mudam de carreira, mas é certamente o mais bem-sucedido de todos. Professora de Matemática no seu próprio colégio chegou a um ponto em que o cansaço levou a melhor. "Tenho três filhos, tinha os meus horários e ainda tinha de gerir os horários de muitas pessoas em empresas de contabilidade de que era dona, e há oito anos resolvi entrar na Remax." Nos primeiros tempos, como sempre acontece nesta área, investiu na carreira ainda sem ver retorno, que no entanto não demorou a chegar: Andreia e o marido, Miguel Valadas, da agência do Parque das Nações, foram os melhores vendedores do mundo Remax - à exceção de EUA e Canadá, que são analisados à parte - em 2015 e 2016, num ano com 1,6 milhões angariados, e no outro 1,8 milhões. "Mas fiquei sempre acima do milhão de euros anuais desde que comecei. Mesmo no ano passado, em que eu e o meu marido tirámos uns meses para descansar, ficámos em terceiro a nível nacional."
Depois ter fugido à pressão de ter de gerir horários de empregados, Andreia acabou oito anos depois a fazer precisamente o mesmo. Acabou por criar uma equipa com 15 pessoas, algumas a trabalhar a nível comercial, e que até inclui uma assessora, que lhe atende telefonemas. Mas do alto da sua experiência, e apesar do seu sucesso - ou por causa dele -, deixa um aviso aos professores que pensem seguir o seu exemplo. "Aconselho isto apenas para professores que tenham espírito e estejam habituados a ser empreendedores, porque é mais difícil para quem está habituado só a dar aulas e receber o seu ordenado ao fim do mês, porque os primeiros tempos são de investimento."
Fecho de escolas teve impacto
O que a prática demonstra é que, regra geral, quem é bem-sucedido no ramo imobiliário, já não volta para a profissão de origem. Essa é, pelo menos, a garantia de Beatriz Rubio, que aponta para os 50 mil euros/ano o rendimento médio de um agente da Remax. "Mesmo depois da crise, essas pessoas continuaram nesta área, porque ganharam carteiras de clientes e ganham bom dinheiro." Segundo a CEO da Remax, nos últimos ano notou-se um crescimento de professores do norte e Alentejo a juntarem-se à empresa, o que estará relacionado com o fecho de escolas.
"É a distorção do mercado", lamenta o secretário-geral da Federação Nacional dos Professores. João Dias da Silva tem conhecimento - "embora nenhuma de forma direta", sublinha - de situações em que os formados em Educação são utilizados noutras áreas. "E não é só no ramo imobiliário. Quantas vezes também como caixas de supermercados ou em lojas", situação agravada pelos concursos que todos os anos deixam largos milhares de contratados fora dos quadros das escolas. "E não tinha de ser assim", argumenta Dias da Silva, "estamos a limitar a oferta aos jovens em idade escolar, mas não pensamos que temos ainda 500 mil portugueses analfabetos e uma larga franja da população que tem estudos até ao 8º ano. Os professores podiam ser mais usados para a formação de adultos". Para se ter a noção, este ano houve 96 mil candidaturas de professores a um lugar no quadro, mas o número de vagas abertas foi de 3500.
Arquitetos, advogados e engenheiros, as outras profissões muito procuradas
A procura de profissionais qualificados por empresas imobiliárias não se limita aos professores. Arquitetos, advogados e engenheiros são também apostaram forte neste mercado nos últimos anos, em especial durante a fase da troika.
João Pedro Pereira, da Comissão Executiva da ERA Portugal, conta ao DN que nos últimos anos notou um crescimento de agentes com formação em arquitetura, engenharia e direito, especialidades importantes para o sector imobiliário. "O trabalho do agente ERA tem uma forte componente de inteligência emocional e de trabalho em equipa. Isto porque lida diariamente com os clientes e com outros agentes com quem partilha informações e operações de compra e venda", justifica João Pedro Pereira. Quase metade (43%) dos profissionais da empresa têm como habilitações mínimas uma licenciatura, pós-graduação ou mestrado e dois terços têm entre 25 e 44 anos.
Na Century 21, 70% dos profissionais são licenciados, informa Ricardo Sousa. "Houve necessidade de sair do setor e ir a outras atividades, como advogados, arquitetos e engenheiros". E no caso dos arquitetos, lembra Beatriz Rubio, há mesmo uma mais valia que lhes é dada pela sua formação. "Conseguem logo indicar aos clientes que obras podem fazer e onde podem mexer na estrutura das casas, o que qualquer um de nós não consegue". A CEO da Remax reconhece que, além dos professores, aquelas três profissões foram as que mais cresceram dentro do ramo.
Dicas:
Início de carreira
- Antes de ter uma carreira bem-sucedida neste ramo existe um investimento em tempo e dinheiro que não tem retorno imediato. Pode levar algum tempo até receber o primeiro pagamento, até porque no primeiro ano a maior preocupação é construir uma carteira de clientes
Rendimentos
Comissões Esse pode ser um dos pontos positivos, ou negativos, se tiver insucesso. Não há um rendimento fixo e ele pode aumentar em função do número de vendas de casas concluídas e das respetivas comissões. Contas de sites especializados, tendo em conta as comissões numa das maiores agências em Portugal, apontam para uma média mensal de dois mil euros mês se vender 13 casas por ano. Há ainda quem use esta área como part-time para aumentar o salário no final do mês.