Colégios. Ministério acusa juiz de parcialidade
Tiago Afonso Lopes de Miranda, o magistrado Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que deu a 29 de julho provimento a duas providências cautelares de colégios nos seus processos contra o Ministério da Educação, e deverá em breve decidir sobre uma terceira, é acusado pelo ministério de ser parcial, por ter "um interesse jurídico paralelo" ao dos colégios. Isto por ter sido em 2012 autor de uma ação em que defendia para a filha "o direito" de frequentar um colégio com contrato de associação e alegava ser "ilegal" o ministério limitar o número de turmas. Mas o tribunal superior considerou não existir motivo para suspeição.
Para o Tribunal Central Administrativo do Norte, numa decisão datada de 28 de junho, "o alinhamento entre os fundamentos da pretensão do Colégio [em causa na providência cautelar a que o incidente de suspeição se refere] e os fundamentos da pretensão que o próprio juiz da causa formulou em ação que instaurou há quatro anos atrás não constitui motivo adequado a gerar suspeição".
Assim, ter Tiago Afonso Lopes de Miranda defendido em 2012, sobre o colégio onde queria que a filha permanecesse, beneficiando do pagamento do Estado, que "impor o número de turmas que este estabelecimento do ensino particular e cooperativo com contrato de associação pode abrir é algo legalmente vedado ao requerido [o ministério], pois isso consiste em limitar, contra legem [contra a lei], o acesso dos educandos aos estabelecimentos do ensino particular e cooperativo objeto da livre escolha dos pais" em nada o impedirá, de acordo com a decisão do tribunal superior, de decidir com imparcialidade em casos nos quais está em causa precisamente restringir o número de turmas com contratos de associação. Como não é de molde a considerar que o magistrado tem um parti pris este ter alegado na sua ação que "não é lícito ao ministério, nem mesmo em defesa de "suas" escolas, eventualmente carecidas de alunos, impedir o mesmo colégio de abrir as turmas suficientes, enfim: criar essa artificial falta de vagas que visa compelir muitos pais que, como os da Maria Madalena [a filha do juiz], escolheram o projeto educativo deste colégio, a irem fazer diminuir, mediante os seus educandos, os "horários zero" nas escolas do requerido."
O tribunal superior explica porquê: "Não é a mesma coisa formular os fundamentos de uma pretensão em causa própria e decidir uma causa em que esses fundamentos são formulados. Precisamente porque aqui o juiz está vinculado a deveres de imparcialidade e ali não. É, por isso, por uma maioria de razão que o juiz não pode ser considerado suspeito por já ter assumido uma pretensão idêntica em processo anteriormente dirigido a um tribunal." Motivo grave e sério seria, diz este tribunal, "existir uma forte conexão entre o interesse defendido na causa e o interesse do familiar do juiz"; ou "se houver inimizade grave ou grande intimidade entre o juiz e alguma das partes ou seus mandatários".
Ora o tribunal considera que o litígio entre juiz e ministério não só não é recente - "foi há cerca de quatro anos" - como que não há "indicador que tivesse sobrevivido à decisão judicial". Até porque, frisa a decisão, a filha do magistrado, apesar de este ter perdido a ação, acabou por ficar a estudar no colégio, inserida num contrato de associação: "O que quer que tivesse sucedido depois não terá obstado à realização do desejo do pai da menor. A questão que o opôs à outra parte parece ter ficado definitivamente resolvida."
O argumento em contrário do ministério, que informa ter a filha do magistrado terminado o 8º ano "num estabelecimento do ensino particular e cooperativo abrangido pela medida que resultará da aplicação das normas regulamentares cuja suspensão da eficácia se requer [nas providências cautelares que o juiz decidiu]", implicando que as decisões do juiz terão efeito sobre o futuro escolar da própria filha, não parece ter tido qualquer provimento no tribunal superior, que nega rotundamente essa hipótese.
A decisão até admite simpatia pessoal do juiz pela causa das outras escolas, mas considera no entanto que "quaisquer que sejam as suas vivências ou simpatias pessoais (que os juízes têm como qualquer pessoa socialmente inserida), vai ter que decidir a causa com isenção, imparcialidade e inteira observância à lei e ao direito. Pela simples razão de que nada do que ali vier a decidir interfere realmente com a sua vida pessoal. Nem direta nem indiretamente". Outro argumento que o tribunal considerou relevante, esse avançado pelo juiz em sua defesa, é que no caso de 2012 tratava-se de "suspender um ato administrativo" e agora de "suspender a eficácia de normas".
O único motivo que o tribunal considera passível de determinar suspeição seria se "tivesse sido requerida na providência [cautelar] a suspensão da eficácia das normas com força obrigatória geral." Ora o juiz Tiago Lopes de Miranda, tendo em mãos três ações de colégios contra o ministério, poderá estar em condições de determinar essa "força obrigatória geral". Isto porque se houver três decisões num determinado sentido o Ministério Público poderá solicitar ao tribunal que decrete, com fundamento nas mesmas, a norma obrigatória geral.
O Ministério da Educação confirmou ao DN terem sido suscitados três incidentes de suspeição em relação ao juiz em causa. Dois relativos às ações interpostas pelo Centro de Desenvolvimento Educativo de Cantanhede e pelo Centro de Estudos Educativos de Ançã, área onde reside o magistrado (nas quais este decidiu decretar a suspensão provisória da norma que era contestada pelas escolas - o despacho 1H/2016, relativo às matrículas). E um terceiro, relativo a outra ação e providência cautelar interpostas por um terceiro colégio (também distribuída a Lopes de Miranda), estando em relação a esta ainda "pendente" a decisão sobre o pedido de afastamento do magistrado. Contactado pelo DN, Lopes de Miranda recusou comentar o assunto: "Todo o meu trabalho está no processo."
Antes das duas decisões deste juiz, houve três outras ações apreciadas pelo Tribunal Administrativo de Coimbra em que não foi decretada a suspensão provisória do despacho em causa. Ainda assim, os colégios consideraram essas decisões uma vitória, porque o tribunal entendeu que não existe a "limitação geográfica" dos colégios. Com PEDRO SOUSA TAVARES e CARLOS RODRIGUES LIMA