“Se as leis não servem, mudem-se as leis.” Governo quer agilizar contratação pública no setor da Defesa
O reforço do investimento na indústria da Defesa é não só uma necessidade como, sobretudo, uma oportunidade, coincidem políticos, empresas e militares. Mas, para não se perder esta janela, é preciso agilizar processos e queimar burocracias. Para isso, “uma equipa conjunta dos ministérios da Defesa e da Economia está neste momento a rever as regras da contratação pública”, anunciou o ministro da Defesa, Nuno Melo, no encerramento da conferência Land Defence Industry Day (Dia da Indústria da Defesa Terrestre), organizada pelo Exército português e que decorreu no quartel da Serra do Pilar, em Vila Nova de Gaia.
No final de uma jornada que tinha começado precisamente com o chefe do Estado-Maior do Exército, general Eduardo Mendes Ferrão, a chamar atenção para essa “necessidade de repensar as regras de contratação pública”, de forma a “tornar os processos mais ágeis e eficazes”, Nuno Melo garantiu que essa tem de ser uma prioridade. E afirmou: “Se as leis não servem” para viabilizar a “oportunidade de ouro” - como lhe chamara já o ministro da Economia - que o país tem pela frente, então “mudem-se as leis”. Segundo Nuno Melo, o objetivo é “criar uma verdadeira via verde para a contratação pública em Portugal, em que as coisas fluam, em que os processos sejam excelentes, em que a litigância seja reduzida, em que as empresas tenham oportunidades”.
Um cluster da indústria de Defesa
Nuno Melo falou no encerramento da conferência, da qual o DN foi media partner. Na abertura tinha estado o primeiro-ministro, Luís Montenegro, na primeira intervenção pública após o problema de saúde que o obrigou a uma ida ao hospital na sexta-feira passada. Chefe de um Governo em funções de gestão após a queda ditada pelo chumbo da moção de confiança no Parlamento, Montenegro defendeu que a “estabilidade política” em Portugal é um dos fatores de atratividade para captar investimento para a indústria da Defesa, apesar da crise atual que levou à marcação de eleições legislativas antecipadas para o próximo dia 18 de maio.
“Eu bem sei que estamos agora num momento pré-eleitoral, mas isto é uma coisa que se resolve com o tempo, daqui a sete semanas está resolvido e já estamos com um novo impulso, qualquer que seja o resultado, com um Governo a formar-se e a dar sequência a um período de estabilidade económica, de estabilidade financeira, de arrojo do ponto de vista do conhecimento e da competitividade. Portugal é um país e um parceiro fiável. É dos melhores destinos para colocar financiamento. Há mesmo poucos destinos tão fiáveis no mundo neste momento”, acrescentou, perante uma plateia onde estavam representantes de alguns importantes fabricantes mundiais, bem como das principais empresas portuguesas do setor.
Luís Montenegro salientou que o aumento do orçamento para a Defesa deve ser visto como um investimento e não como uma mera subida da despesa e defendeu mesmo que Portugal deve aproveitar a oportunidade “para criar um cluster industrial no setor da Defesa”, aproveitando “a capacidade tecnológica e industrial” já existente no país. O primeiro-ministro argumentou que o reforço do investimento na Defesa não deve, por isso, ser encarado apenas como um compromisso internacional, como os 2% do PIB assumidos com a NATO até 2029, mas como uma oportunidade de crescimento económico e autonomia produtiva do país numa matéria tão sensível quanto a da sua defesa.
O primeiro-ministro reforçou também a necessidade de uma visão europeia coordenada, em que os países da União Europeia não compitam entre si, mas produzam de forma complementar para reduzir a dependência externa, num contexto geopolítico atual em que os velhos aliados EUA voltam as costas à Europa.
E acrescentou uma razão maior à necessidade de reforçar as capacidades neste setor: a defesa da própria democracia. “A guerra moderna não se limita a equipamentos militares tradicionais, mas assume formas sofisticadas, como ataques tecnológicos, digitais e de manipulação da opinião pública, caracterizando o que muitos chamam de guerra híbrida, que mina os fundamentos das democracias”, referiu, citando o caso da Roménia, onde as eleições presidenciais foram anuladas devido à manipulação da vontade popular através de meios digitais.
Um road map para as empresas
Na mesma linha, o ministro da Economia, Pedro Reis, classificou a Indústria de Defesa como uma “oportunidade de ouro” para Portugal, sublinhando que este é “um setor que tem uma procura sustentada assegurada por longo prazo e que pode diferenciar o país, atraindo investimento externo e desenvolvendo talento nacional”. “É difícil encontrar outro setor em que essa procura esteja tão assegurada”, reforçou, destacando a magnitude “quântica” do plano europeu de 800 mil milhões de euros para a reindustrialização da Defesa e defendendo a necessidade de “acelerar essa agenda”. O governante destacou ainda que Portugal já possui setores industriais consolidados, como o têxtil e a metalomecânica, que podem ser integrados à indústria de Defesa para maximizar o potencial económico.
Para concretizar essa visão, anunciou a criação de um “road map” em parceria com o Ministério da Defesa, que servirá para orientar empresas interessadas no setor. Esse plano envolverá a identificação de oportunidades de investimento, as capacitações necessárias para atender às exigências do mercado, a colaboração com parceiros internacionais e o acesso a mecanismos de financiamento como o PRR, PT2030 ou recurso ao Banco Português do Fomento.
Governo em gestão a puxar dos galões
De resto, num dia que serviu para diferentes membros do Governo acenarem com a obra feita no setor da Defesa no último ano - desde o reforço de execução orçamental ao aumento do número de candidatos a ingressar nas Forças Armadas, que subiu 34% em 2024, passando pel oreforço das verbas do PRR destinadas ao Exército, “que num ano passaram de 300 mil euros para 300 milhões”, como frisou Nuno Melo -, foi também destacado pelo ministro da Defesa que “os indicadores recentes mostram que as indústrias de Defesa já representam mais de 1,6% do PIB (Produto Interno Bruto) e, por isso, mais do que o peso da Autoeuropa na economia, que, em 2024, foi de 1,4%”.
Também Montenegro aproveitou para defender a valorização que, disse, o seu Governo conseguiu dar ao papel das Forças Armadas, invertendo um ciclo de “definhamento”. “Nós assistimos nos últimos anos a um definhamento da capacidade de recrutamento e retenção de recursos humanos nas nossas Forças Armadas. Esse definhamento é incompatível com as responsabilidades que nós temos. Felizmente essa inversão começa já a dar frutos e hoje temos níveis de procura para as nossas Forças Armadas que superam em larga margem aquilo que acontecia no passado recente.”
A modernização do Exército
No arranque do dia, o chefe do Estado-Maior do Exército, general Mendes Ferrão, destacou a necessidade de modernização acelerada das Forças Armadas para garantir a segurança e soberania do país. O representante militar começou por salientar que “o contexto em que vivemos é uma oportunidade única para a nossa geração” e sublinhou que a conjuntura geopolítica atual reforça a importância de um Exército bem equipado e alinhado com os aliados. Para isso, defendeu um “modelo virtuoso” de cooperação entre empresas portuguesas e grandes fabricantes internacionais (ver texto ao lado), permitindo agregar competências locais a projetos de grande envergadura.
“Num contexto em que a guerra convencional entre Estados voltou ao quotidiano europeu, assistimos a uma mudança significativa na forma como a segurança e a defesa são projetadas”, lembrou o CEME, que terminou com um aviso: “Estamos a correr contra o tempo.”
* Com Caroline Ribeiro