Uma das certezas quanto ao debate do Estado da Nação, que vai fazer regressar o Executivo de Luís Montenegro à Assembleia da República nesta quinta-feira, 17 de julho, a partir das 15h00, na véspera da última sessão plenária desta sessão legislativa, é que os governantes irão ouvir falar de problemas no Serviço Nacional de Saúde muito mais do que gostariam. Tanto o Chega como o PS, secundados pelo resto da oposição, preparam-se para pôr em xeque Ana Paula Martins, apresentando a titular do Ministério da Saúde como um exemplo das falhas na resposta aos problemas que os portugueses enfrentam.Montenegro e os seus ministros procurarão contrapor o que foi obtido nos primeiros 40 dias da legislatura, tirando proveito da nova configuração parlamentar e da alteração na liderança do PS, que terá pela primeira vez José Luís Carneiro eleito secretário-geral num debate do Estado da Nação. Aquilo que, nas palavras do líder da bancada social-democrata, Hugo Soares, é uma “dinâmica transformadora” do Governo, patente em matérias que incluem a regulação da imigração, o desagravamento da carga fiscal ou o arranque da reprivatização da TAP. Mas entre os dois partidos que se identificam enquanto líderes da oposição - o Chega, pelo número de deputados eleitos, e o PS, pelo total de votos obtidos -, os “problemas do dia-a-dia” vão pautar as quase quatro horas de debate que estão previstas. Nesta quarta-feira, José Luís Carneiro propôs a criação de unidades de resposta coordenadas, modelo existente em Espanha e França, destinadas a circunstâncias de emergência e não poupou as “falhas consecutivas”, dedicando especial atenção ao encerramento de urgências de obstetricia. “Não podemos considerar normal que uma grávida ande de terra em terra para dar à luz”, sublinhou o novo líder socialista, antecipando as críticas que irá fazer às “falhas graves do Governo”.Do lado do Chega, não se pode esperar maior compreensão para com Ana Paula Martins, a quem André Ventura e os restantes dirigentes não reconhecem condições para continuar em funções, devido aos problemas nos hospitais e no INEM, não obstante as recorrentes demonstrações de apoio do primeiro-ministro, que vai defendendo que o SNS se encontra muito melhor do que há dois anos. Aliás, a tese da “pesada herança” deixada por oito anos de governação socialista também constará das intervenções dos grupos parlamentares do PSD e do CDS-PP. Mas também na mira do Chega estarão outros governantes, sobretudo a ministra da Justiça, Rita Júdice, e a recém-chegada titular da pasta da Administração Interna, a ex-provedora de Justiça Maria Lúcia Amaral, devido a bandeiras do partido mais à direita do hemiciclo. Não só se acusa o PSD de não ter interesse em falar de corrupção, numa linha de argumentação que poderá incluir o apoio dos sociais-democratas à recandidatura de Isaltino Morais à Câmara de Oeiras - embora o autarca faça questão de realçar que foi condenado por fraude fiscal e branqueamento de capitais, e nunca por corrupção -. como voltará a ser argumentado que as forças de segurança continuam a ser maltratadas em Portugal.E também a Iniciativa Liberal, pela qual intervirá a líder parlamentar Mariana Leitão, dois dias antes de ser eleita sucessora de Rui Rocha na Convenção Nacional marcada para sábado - o que está garantido, pois é candidata única -, concordará que os portugueses continuam sem “vislumbre de soluções” na Saúde e na Habitação, defendendo que faltam “políticas eficazes do lado da oferta” de imóveis. Mas também se falará da falta de reformas, apesar de o Ministério da Reforma do Estado, que foi assumido por Gonçalo Matias, ter sido uma das grandes apostas do segundo elenco governamental de Luís Montenegro. E será sublinhado que, além da baixa de impostos, há que fazer simplificação fiscal. Triângulo em que ninguém quer assumir relação especialO outro lado da relação entre os três maiores blocos parlamentares será o estatuto de parceiro preferencial do Governo para a aprovação de legislação. Reforçada em relação à última legislatura, mas ainda distante da maioria absoluta, com 91 deputados (89 do PSD e dois do CDS-PP), a coligação que governa o país continua a precisar de contar com os votos favoráveis do Chega ou do PS, pois os nove deputados da Iniciativa Liberal também não são suficientes.Apesar da maior convergência com o Chega na legislação para combater a imigração desregulada, que se impôs no léxico da AD, ou em temas como a revisão dos programas da disciplina de Cidadania, tanto os partidos da coligação como o Governo negam a existência de um parceiro preferencial e garantem querer construir pontes com todas as forças que dispõem de representação parlamentar. Também para os outros dois integrantes do triângulo, a gestão do estatuto de parceiro preferencial está a ser gerida com pinças. A capacidade de influenciar a governação é importante, mas há vantagens em atribuir a outrem o ónus de ser o garante de que Luís Montenegro cumpre o Programa de Governo. Se o PS prefere dizer que a AD escolheu a “extrema-direita parlamentar”, autoatribuindo-se o papel de líder da oposição à maioria de direita, o Chega aponta o povo português como único parceiro e opta por dizer que o Executivo de Montenegro se limita a “tentar ir a reboque” das propostas de Ventura. Mas só em algumas áreas, contrapondo que os dois partidos que dominaram a política nacional durante meio século convergem para limitar a descida dos impostos.Esquerda aponta para “problemas que existem”Entre os grupos parlamentares e deputados únicos mais à esquerda, o foco principal no debate será o que dizem ser a cedência do Governo à “agenda da extrema-direita”, considerando que não passa de uma estratégia para escapar aos “verdadeiros problemas” dos portugueses.Da parte do Livre, a líder parlamentar Isabel Mendes Lopes defende que Luís Montenegro e os partidos da AD têm em curso a “implementação da política fiscal da Iniciativa Liberal”, traduzida na convergência entre todas as forças de direita para a descida do IRS já este ano - e que também contou com a abstenção do PS e do deputado único Filipe Sousa, do Juntos pelo Povo -, e a “adoção das preocupações da extrema-direita” em assuntos de Imigração.Durante o debate do Estado da Nação, o partido que conta com a maior bancada parlamentar à esquerda do PS irá contrapor “problemas muito sérios” que identifica em Portugal, com a ministra da Saúde a ser pressionada devido à situação “bastante caótica” no que toca ao encerramento de urgências hospitalares e à falta de meios do INEM.Mas o Livre planeia levar ao plenário outros “problemas que existem”, como os preços das casas, que “nunca estiveram tão altos”. Isabel Mendes Lopes recordará o atraso na regulamentação do Fundo de Emergência para a Habitação, ou a falta de preparação para futuros eventos extremos comparáveis ao apagão da rede elétrica. A coincidir na acusação de registo populista, o PCP também promete utilizar o tempo de intervenção e as perguntas aos governantes para falar dos “retrocessos ao arrepio dos Direitos Humanos” na forma como o Governo vê os imigrantes. Mas a líder parlamentar comunista Paula Santos dá sinais de que será dada prioridade à degradação dos serviços públicos, nomeadamente no Serviço Nacional de Saúde, na escola pública e no custo “insuportável” das casas.Para a agora deputada única Mariana Mortágua, as “verdadeiras emergências” também estão distantes das guerras culturais que a coordenadora do Bloco de Esquerda diz estarem a ser criadas para camuflar a falta de soluções para os problemas dos portugueses. Associando a AD ao Chega, a deputada diz que as alterações na Lei da Nacionalidade implicam transformar imigrantes em “escudos humanos” que desviam a atenção do aumento dos preços da habitação, das urgências fechadas e do INEM sem meios.Mais conciliador, Filipe Sousa, deputado único do Juntos pelo Povo, tem reconhecido a vontade de o Governo resolver problemas “que se acumulam há várias décadas”, como o alívio da carga fiscal sobre a classe média. E não vai esquecer preocupações específicas da Região Autónoma da Madeira, cujos eleitores lhe permitiram a ida para a Assembleia da República. Pelo contrário, a também deputada única Inês de Sousa Real centrará a intervenção nas “prioridades trocadas” do Executivo, que acusa de preferir concentrar-se nas ocupações ilegais de imóveis a criar condições para que sejam mais acessíveis. E na Imigração em vez de encontrar respostas na Saúde e na Educação, criticando a AD por estar a limitar o diálogo às maiores forças políticas da oposição, “deixando de fora” questões de proteção ambiental, proteção animal e combate à violência doméstica..Estado da Nação. Montenegro promete falar da saúde e pede a PSD/CDS-PP que recusem "o politiquês”.Estado da nação. Governo rejeita “mercantilizar convicções políticas” e quer “diálogo aberto” com oposição