André Ventura era deputado único do Chega em 2021, aquando da primeira tentativa de se tornar Presidente da República, com o objetivo de travar a reeleição de Marcelo Rebelo de Sousa e ficar à frente dos candidatos de esquerda. Falhou, pois o incumbente teve 60,66% dos votos na primeira volta, e ficou atrás de Ana Gomes, que teve 540 823 votos (12,96%), contra 497 746 (11,93%) de Ventura.Mas se o fundador do Chega ficou aquém nos números, numas eleições realizadas sob as restrições da pandemia de covid-19, conseguiu fazer ouvir as ideias do partido, dando razão às acusações, feitas por Marcelo, de que Ventura tinha em mente “a primeira volta das Legislativas”, que nessa altura se pensava irem decorrer só em 2023..André Ventura: Recandidatura para manter espaço político e seguir passos do clã Le Pen.Desde logo, Ventura esclareceu que não queria ser Presidente de todos os portugueses, optando pelos “portugueses de bem”. “Não vou ser o Presidente dos traficantes de droga, não vou ser o Presidente dos pedófilos, nunca vou ser o Presidente dos que vivem à conta do Estado, com esquemas, enquanto portugueses de bem pagam os seus impostos todos os dias”, disse.Para memória futura ficaram debates televisivos tensos, sobretudo com os principais adversários. Num registo idêntico ao de Basílio Horta perante Mário Soares, nas Presidenciais de 1991, Ventura conseguiu irritar Marcelo, ao acusá-lo de ser “desautorizado e manipulado pelo Governo na pandemia”.“Não admito que o senhor deputado aqui diga o que não me diz nas audiências em Belém”, disse o Presidente em exercício, acusando o então deputado único de “usar outro tom” quando não havia câmaras por perto.Antes, Ventura puxara de uma foto de Marcelo junto a uma família que viria a processar o líder do Chega, e disse que o Chefe de Estado foi ao Bairro da Jamaica, no Seixal, “para visitar bandidos que tinham atacado uma esquadra e não os polícias”. Marcelo aproveitou para marcar distâncias entre a sua direita social e a direita securitária do adversário, assumindo-se como Presidente dos desempregados, dos imigrantes e dos “eventualmente condenados por crimes”.Ventura passou ao ataque ao retratar Marcelo como “desacreditado à direita” e “sempre a apaparicar e a elogiar” o Governo, recorrendo à célebre fotografia em que este consolava um idoso que perdera a casa no incêndio de Pedrógão Grande, para alegar que Belém nada fizera para obrigar António Costa a ajudar as vítimas. Irritado, Marcelo criticou-lhe a “pura demagogia” e lembrou o “discurso violento” com que “abriu a porta” à saída da ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa.Para o final, Marcelo guardou o ataque ao projeto de revisão constitucional do Chega. “O presidencialismo em Portugal iria conduzir à ditadura”, prognosticou, fazendo um remoque à Primeira República que tornaria estranhamente atual no segundo mandato, ao dizer que “o parlamentarismo levou a uma instabilidade quase crónica”.Ainda mais agreste foi o debate com Ana Gomes, que defendera a ilegalização do Chega e disse que se “preparara para falar com o diabo”. Ventura aludiu ao facto de Paulo Pedroso ser diretor de campanha da adversária. “Não estou a falar da pedofilia”, disse, referindo “influências que ele e o PS moveram para condicionar a Justiça”. “Este senhor tem truques para arrastar para a lama quem vem debater com ele”, retorquiu Ana Gomes.