Conhece-se muito sobre o pensamento político de Marques Mendes e aquilo que entende ser o papel do Presidente da República. Ao contrário de Gouveia e Melo, potencial candidato à sucessão de Marcelo Rebelo de Sousa, condicionado pelo estatuto de militar, o advogado e conselheiro de Estado goza de total liberdade para dizer o que pensa. E um auditório semelhante ao do eventual antecessor, pois é comentador residente nas noites de domingo da SIC desde 2015, após dois anos a falar para os telespetadores nas noites de sábado..A ideia central candidatura presidencial de Marques Mendes, de 67 anos, que será apresentada na quinta-feira em Fafe foi definida pelo próprio, mais uma vez em direto, a propósito da aprovação do Orçamento do Estado. “Uma coisa eu sei: o próximo Presidente da República vai ter de ser um construtor de pontes. Pontes de entendimento entre o Governo e a Oposição. Em matérias orçamentais e não-orçamentais. Para vencer impasses e bloqueios. Tem de ser a grande e nova missão do novo Presidente da República”, sentenciou..Uma semana mais tarde retomou essa tese, com base nos últimos desenvolvimentos do processo da Operação Marquês. “Com a fragmentação que há no nosso Parlamento, o futuro Presidente da República, seja quem for, terá de ser um construtor de pontes, tem de aproximar posições para resolver algumas questões, para fazer algumas mudanças”, disse, apontando o combate à corrupção como “exemplo prioritário” de que é preciso existir em Belém quem trate de “mediar um consenso alargado”. Ainda que tal não seja fácil, pois “as circunstâncias mudaram muito” e o Governo é agora “muito minoritário”..Ouvindo da jornalista Clara de Sousa que a missão de construir pontes está dificultada, retorquiu que “se fosse fácil já estava feito”. E, insistindo que a corrupção mina a democracia, disse que “os diagnósticos estão feitos e agora é preciso juntar as partes”..É evidente que o antigo ministro de Cavaco Silva, colaborador próximo de Marcelo Rebelo de Sousa quando este liderou o PSD e, tal como esses dois, ex-líder social-democrata - de abril de 2005 a outubro de 2007, depois de Santana Lopes e antes de Luís Filipe Menezes -, acredita ser o candidato mais capaz de ligar os dois maiores partidos nacionais..A 24 de novembro, novamente na SIC, disse que não se sente pressionado pela cada vez mais provável candidatura de Gouveia e Melo - sobretudo depois de o chefe do Estado-Maior da Armada confirmar a indisponibilidade para o segundo mandato -, mas adiou tudo para 2025. “Vou tomar e anunciar uma decisão no próximo ano. A decisão não está dependente da candidatura de A, de B ou de C. Está apenas dependente da avaliação de duas questões: saber se considero ter condições políticas e se considero que posso ser útil ao país”, explicou, no que foi encarado como um compasso de espera para ver quem mais pode avançar entre os sociais-democratas. Até porque a contagem decrescente para as Presidenciais, agendadas para janeiro de 2026, começa a intensificar-se.De acordo com o Expresso, Marques Mendes vai mesmo candidatar-se às eleições presidenciais do próximo ano e já escolheu data e local para a sessão de apresentação oficial da candidatura, avança. Será na próxima quinta-feira em Fafe, sua terra natal, mais precisamente no auditório da Misericórdia local, ao qual foi atribuído o nome do seu pai, António Marques Mendes.Antes, no domingo, o conselheiro de Estado e antigo líder do PSD vai despedir-se do seu espaço de comentário político semanal no Jornal da Noite da SIC..Visto há muito tempo como o mais provável candidato da área do PSD, tendo em conta as ligações aos dois militantes que estiveram ou estão no Palácio de Belém, à experiência governativa, a mais de duas décadas no Conselho do Estado e à notoriedade mediática, Marques Mendes vinha repetindo que tinha um processo de reflexão em curso. No final de agosto, na Universidade de Verão do PSD, disse que “talvez não tenha estado nunca tão próximo de uma decisão”, mas ressalvou que não faria um anúncio no Congresso de Braga, onde Luís Montenegro foi reeleito presidente..Sobre as Presidenciais, a moção de estratégia “Acreditar em Portugal”, do primeiro-ministro, estipula que o PSD seguirá “a tradição de aguardar as disponibilidades eventuais de militantes do partido com apetência e qualificação pessoal e política para o cargo”, o que exclui apoio a Gouveia e Melo, ao ex-líder centrista Paulo Portas ou mesmo a Pedro Santana Lopes, que se desfiliou do PSD para fundar o Aliança, sendo agora independente..No entanto, após Montenegro indicar Mendes como potencial candidato apoiado pelo PSD, outros altos dirigentes afastaram favoritismos. Numa entrevista ao Expresso, o secretário-geral e líder parlamentar Hugo Soares referiu-se a Leonor Beleza como uma “excelente candidata”, respondendo a uma pergunta sobre a ausência de potenciais sucessores de Marcelo Rebelo de Sousa na última edição da Festa do Pontal, que marca a rentrée política social-democrata..Um mês depois, em Braga, acabou por ser a antiga ministra da Saúde, elevada a primeira vice-presidente do PSD, a gerar uma vaga de entusiasmo entre os congressistas. Pelo contrário, Marques Mendes, que também foi ao encerramento, sendo conduzido pela ministra da Juventude, Margarida Balseiro Lopes, até à fila da frente, onde se sentou ao lado de Luís Montenegro, passou relativamente despercebido à maioria dos presentes..A seu favor tinha o facto de grande parte dos potenciais “concorrentes” preferirem excluir-se da corrida a Belém. “Não pondero, nem ponderarei”, Leonor Beleza garantiu em setembro, com a presidente da Fundação Champalimaud a interromper o silêncio, mais recentemente, a propósito de Gouveia e Melo, apenas para dizer que “nunca deveria ser visto como vantagem” que um candidato nunca tenha exercido cargos políticos..Por seu lado, Passos Coelho vai dizendo que pretende manter-se fora da política, tendo a hipótese de a sua candidatura à Presidência da República sido liminarmente afastada pelo comentador e professor universitário Miguel Morgado, que já foi deputado do PSD e é muito próximo do antigo primeiro-ministro, que as sondagens apontam como um dos que maiores hipóteses teriam de travar a eleição do almirante que se tornou conhecido dos portugueses enquanto coordenador da task force para a vacinação contra a covid-19. Entretanto, outro ex-primeiro-ministro e ex-líder do PSD, Durão Barroso, que tem no currículo a presidência da Comissão Europeia, nem sequer se manifesta..Pró-imigração e anti-Chega.Transparentes são várias das posições políticas de Marques Mendes, com o adepto da construção de pontes a preferir não deixar passar o Chega. Na sequência do polémico protesto desse grupo parlamentar contra a reposição dos cortes salariais aos titulares de cargos políticos, deixou a “sugestão construtiva” de os deputados do partido mais à direita no hemiciclo, que “parecem estar genuinamente incomodados por irem receber mais 5% do seus salário a partir de janeiro”, entregarem a diferença a instituições de solidariedade social..Mais substantivos e recorrentes são os reparos do conselheiro de Estado quanto à retórica contra a imigração do partido de André Ventura. Criticando quem diz que “falar de segurança é fazer o jogo do Chega”, elogiou Montenegro por requerer o reforço do policiamento nas ruas. “O que dá combustível ao Chega é nada fazer. É a omissão e a paralisia.”.Assumindo que os imigrantes “são os mal-amados para alguns setores da nossa sociedade”, nos seus comentários televisivos não hesita em apontá-los como “absolutamente decisivos para Portugal”. Por ajudarem o país a ganhar população, a criar riqueza, a rejuvenescer a sociedade e a reforçar a Segurança Social, ao mesmo tempo que recusa uma relação direta com o aumento da criminalidade. “Se os partidos moderados do arco da governação não fizerem esta pedagogia, e deixarem o tema da imigração só para a direita radical, vão perder essa batalha”, diz, recuperando a doutrina “pré-geringonça” de haver mais o que une do que o que separa entre PSD, PS e CDS..Aliado e árbitro do Governo.Ter passado quase toda a carreira de comentador televisivo em “coabitação” com a governação socialista de António Costa nunca impediu Mendes de estar bem informado sobre os atos e pensamentos dos detentores do poder, antecipando muitas decisões e nomeações nas noites de domingo. E a vitória da Aliança Democrática em nada afetou, muito pelo contrário, a influência que lhe é reconhecida nas duas margens do mainstream partidário..Na visão de Marques Mendes, é natural que o próximo eleito para o Palácio de Belém mantenha uma relação com o primeiro-ministro mais inspirada na de Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa do que na de Mário Soares e Cavaco Silva, quando o advogado era uma estrela em ascensão na ala nogueirista do cavaquismo. “Este é o papel correto de um Presidente da República: ajudar o país a resolver os seus problemas, estimular o Governo a ser ativo e dinâmico, concentrar atenções nas questões que realmente importam às pessoas. Um Presidente existe para ser útil ao país”, defendeu..Caso venha a “herdar” esta legislatura, algo que se torna mais verosímil na medida em que as eleições para a sucessão de Marcelo Rebelo de Sousa impedem que a Assembleia da República seja dissolvida nos seis meses anteriores e nos seis meses seguintes, pode esperar-se de Marques Mendes aquilo a que chama “padrão presidencial”. Aquele que observou na relação de Soares com o primeiro Governo de Cavaco Silva, então tão minoritário quanto o atual, ou de Jorge Sampaio com o primeiro Governo de António Guterres, que cumpriu uma legislatura inteira com menos oito deputados do que o conjunto dos partidos da Oposição..“É importante ter um Presidente da República que seja um aliado efetivo dos portugueses, o que obriga, muitas vezes, a estar ao lado do Governo para ajudar a servir o país, sem deixar de ser o árbitro da política nacional”, diz Marques Mendes, que tem doseado as críticas aos ministros que estão mais em xeque, como a titular da Administração Interna, Margarida Blasco. E que no início de 2025 dirá aos portugueses se estará disposto a tentar fazer a travessia para Belém..Vantagem decisiva nas ‘Primárias’ das noites televisivas de domingo.A tendência foi criada por Marcelo Rebelo de Sousa, que passou 15 anos a conversar semanalmente com os portugueses, nos estúdios da TVI e da RTP, elevando a notoriedade e popularidade até ser encarado como o quase inevitável sucessor de Cavaco Silva. E o modelo vingou, levando a que, ao longo da última década, dois “presidenciáveis” disputassem audiências no domingo à noite, tornando-se âncoras dos principais noticiários televisivos da SIC (Marques Mendes) e da TVI (Paulo Portas)..A pouco mais de um ano das Presidenciais de 2026, tudo indica que Marques Mendes é o claro vencedor das ‘Primárias’ das noites de domingo. Mesmo tendo protelado o anúncio da candidatura, mesmo surgindo nas sondagens a larga distância de Gouveia e Melo, mesmo observando a reticência de eleitores do PSD que continuavam à espera da candidatura de Passos Coelho, tem a seu favor a clara preferência do seu partido pelo apoio a um militante social-democrata. Nem notícias sobre a ponderação de uma candidatura de Paulo Portas, hipótese da qual o antigo vice-primeiro-ministro se recusa a falar, perante rumores do eventual apoio centrista a Gouveia e Melo, beliscaram a primazia de Mendes..Mais duvidosa será a real possibilidade de alguém repetir o efeito da alavancagem que Marcelo Rebelo de Sousa obteve da prolongada presença televisiva, convertendo-se do catedrático de Direito maquiavélico, eleito líder do PSD após dizer que não se candidataria ao cargo “nem que Cristo descesse à Terra”, no quase unânime “professor Marcelo” que todos os domingos entrava nas casas dos portugueses..A importância desse slot horário foi alvo do humorista Ricardo Araújo Pereira, apresentador do programa Isto é Gozar Com Quem Trabalha. Confrontado com o facto de ter visto o seu nome incluído na mais recente sondagem sobre intenções de voto para as Presidenciais de 2026, optou pela ironia na última edição do Expresso: “Receio que se tenha criado a perceção de que integro a lista de candidatos a Presidente da República. É inegável que possuo o que parece ser, neste momento, o requisito essencial para uma candidatura ao cargo, a saber: falar na televisão aos domingos à noite - o que reforça a tal perceção.”.Para todos os efeitos, uma sondagem relativa às Eleições Presidenciais de 2026, realizada pela Intercampus, para o Correio da Manhã e para o Jornal de Negócios, no início de dezembro, não confirma o favoritismo de quem aparece na televisão ao domingo. Marques Mendes surge apenas em 3.º lugar, com a preferência de 9,8% dos inquiridos, bastante atrás do favorito Gouveia e Melo (23,2%) e de Passos Coelho (13,6%). Mas à frente de outros eventuais candidatos, como o líder do Chega, André Ventura (6,6%), o governador do Banco de Portugal e antigo ministro das Finanças, Mário Centeno (6,4%), a também antiga eurodeputada socialista Ana Gomes (5,1%) - invertendo as posições nas Presidenciais de 2021, quando ficou à frente de Ventura (12,96% contra 11,93%), sem que ambos pudessem evitar a reeleição de Marcelo Rebelo de Sousa -, o antigo líder socialista António José Seguro (4,7%) ou a eurodeputada bloquista Catarina Martins (4%)..Num cenário de segunda volta, o que não sucede desde 1986, Marques Mendes perderia claramente com Gouveia e Melo, ficando ainda em desvantagem, dentro da margem de erro, se enfrentasse Mário Centeno..Notícia atualizada neste dia 31 de janeiro de 2025, após ser conhecido que Marques Mendes vai apresentar a sua candidatura a Belém na próxima quinta-feira.