André Ventura e Catarina Martins entre risos e acusações no "debate que não teve nada a ver com presidenciais"

André Ventura e Catarina Martins entre risos e acusações no "debate que não teve nada a ver com presidenciais"

Líder do Chega e eurodeputada do Bloco de Esquerda revelaram o grau de hostilidade expectável num debate, entre um "pantomineiro" e uma "má atriz", em que pouco mais se falou além de imigração.
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Foi na intervenção final que Catarina Martins resumiu perfeitamente a meia hora que passou, nesta noite de sexta-feira, num estúdio da TVI, com André Ventura. "Este debate não teve nada a ver com as presidenciais", disse a eurodeputada do Bloco de Esquerda, que aproveitou o reencontro com o líder do Chega para lhe chamar "pantomineiro" e praticar uma estratégia de "rir é o melhor remédio", enquanto o seu alvo a acusava de estar a rir-se de "mulheres violadas".

Sendo óbvio que os dois candidatos presidenciais tinham poucos ou nenhuns pontos de convergências, e não muitos mais possíveis eleitores indecisos entre os dois, o debate foi sobretudo um exercício de combate ideológico. Mas também aí sem que nenhum dos intervenientes se esforçasse muito, não obstante aquilo que Catarina Martins qualificou de "momento TikTok", quando André Ventura brandiu uma fotografia de imigrantes, apanhados numa operação policial na Amadora, para dizer que todos eles deveriam ser levados para casa da eurodeputada.

Ventura procurou colar a bloquista ao "descontrolo" que considera ter sido provocado pela Lei de Estrangeiros e pela Lei da Nacionalidade aprovadas com apoio do Bloco de Esquerda, levando Catarina Martins a ter que defender "leis humanistas". Mais tarde, quando esta procurou ligar discurso de ódio, violência doméstica, manipulação de algorirmos por "trilionários" e redes sociais, o líder do Chega acusa-a de, pura e simplesmente, estar a advogar censura.

Num debate que só poderá ficar na memória pela forma como os dois intervenientes demonstraram o escasso respeito político e pessoal que nutrem um pelo outro, com Ventura a ser qualificado de "pantomineiro" e a repetir várias vezes que Catarina Martins é uma "má atriz", a bloquista acusou o interlocutor de "odiar Portugal" tanto quanto gosta de "estrangeiros ricos". Por seu lado, Ventura previu que a rival continuará a rir-se "até chegar aos zero por cento"

Debate termina com Venezuela e admissão que passou ao lado das presidenciais

O último bloco do debate começa com nova tentativa de José Alberto Carvalho para retomar o rumo, perguntando a André Ventura, face às suas posições sobre "alguns países próximos, amigos e aliados de Portugal", quais devem ser os aliados do país caso venha a ser eleito Presidente da República.

Ventura responde de imediato que não serão "o Irão, a Venezuela e a Rússia", apontados pelo líder do Chega como os mais próximos da sua adversária, que quer sair da NATO e esteve contra a atribuição do Prémio Sakharov, atribuído pelo Parlamento Europeu, a Maria Corina Machado, "grande opositora do regime comunista de Nicolas Maduro". Só depois aponta Inglaterra e a Suécia, entre outros "melhores países do mundo", como aqueles que pretenderia ver mais próximos.

Catarina Martins opta por não criticar Maria Corina Machado e prefere dizer que defendeu a atribuição do Prémio Sakharov aos jornalistas que morreram a fazer a cobertura do genocidio em Gaza. Mas contra-ataca, acrescentando: "Nunca estive em qualquer partido que apoiasse o regime venezuelano." Algo de que acusa Ventura, pelo seu passado no PSD, dizendo que o Governo de Passos Coelho "fez negócios com a Venezuela".

Dizendo a Ventura que, "se não é boa pessoa, ao menos não seja irresponsável", defende a importância de garantir acesso ao Serviço Nacional de Saúde a imigrantes que possam cuidar de idosos, em vez dos "milionários franceses a quem Ventura dá borlas fiscais"

O líder do Chega insiste em levar a opositora a negar que pretende ver Portugal fora do euro e fora da NATO. "Não consegue responder a nada... Diga a verdade", comenta, voltando a conotá-la à Rússia, à Venezuela e ao Irão.

"O nosso debate não teve nada a ver com presidenciais", reconhece Catarina Martins, que termina com um apelo "pedagógico" contra as notícias falsas e a certeza de que, mais do que Presidente da República, Ventura "nunca vai ser primeiro-ministro". "Não tenha essa arrogância", responde-lhe o líder do Chega.

Catarina concorda com cardeal e Ventura acusa-a de querer censura

Após o moderador citar o cardeal patriarca de Lisboa, Rui Valério, que qualificou de "perigosa e maléfica" a "normalização do discurso de ódio que está a instalar-se na sociedade portuguesa", André Ventura diz que lhe preocupa mais a normalização da imigração ilegal, a qual assume querer acabar, "porque o país se tornou um descontrolo".

E, depois de Catarina Martins voltar a dizer que é ilógico culpar a legislação aprovada pelo Bloco de Esquerda durante a Geringonça, pois não permite que as pessoas estejam em Portugal sem documentos, Ventura reage, com a fotografia da operação policial no Centro Comercial Babilónia novamente virada para a câmara, dizendo à adversária que "esta gente ilegal devia ir toda para asua casa, porque foi você que tornou o país a bandalheira em que se tornou".

Reduzindo a intervenção do líder do Chega a "número de TikTok", Catarina Martins atira um "nao se vitimize, que lhe fica mal", dando razão ao cardeal, antes de citar o Relatório Anual de Segurança Interna (RASI), para destacar que o crime que mais vítimas mortais faz em Portugal é o da violência doméstica, por si associado ao discurso de extrema-direita e aos ciberataques.

Reagindo a comentários do adversário às menções a apoio de "bilionários e trilionários" para alterar algoritmos nas redes sociais em favor da extrema-direita, Catarina Martins acusa Ventura de dizer "tontices" e "muitas coisas absurdas", ao que este responde que "aparentemente mais gente concorda" consigo.

Já quando a eurodeputada menciona mecanismos de regulação das redes sociais, o líder do Chega contrapõe que se trata de censura. "Percebo que queiram acabar com as redes sociais porque acabaram com 50 anos de domínio da esquerda na comunicação social", defende, acrescentando que dispensa "lições de vida" de quem foi contratada pelo seu partido para ser assessora "antes de ir para eurodeputada".

Como seria de esperar, num debate entre estes dois candidatos presidenciais, a conversa acaba por resvalar para o Médio Oriente. "Sobre mulheres também não me dá lições de moral", diz Ventura, conotando Catarina Martins com uma Palestina onde "as mulheres não podem estudar e não podem ter vida profissional". A bloquista responde com o "genocídio das mulheres e crianças palestinianas" e recorda que já disse que o adversário "era racista, porque é", acabando o processo judicial por ser arquivado.

"Eu gosto de Portugal, do país que somos e em que há tanta gente que se esforça para encontrar soluções", defende Catarina Martins, voltando a dizer que "Ventura odeia Portugal e insulta toda a gente", estando ao lado do Governo "que quer baixar salários" e defende políticas que dão "benefícios fiscais aos estrangeiros muito ricos".

Imigração leva a trocas de acusações e a dúvidas sobre quem mais ama Portugal

O debate começou com o moderador José Alberto Carvalho a partilha a sua esperança de que fosse "possível trocar argumentos e contribuir para o esclarecimento dos eleitores", mas poucos segundos demoraram para o início dos ataques cruzados entre os dois candidatos presidenciais.

Perante uma pergunta do jornalista da TVI sobre a falta de reação pública a uma operação da Polícia Judiciária que levou à detenção de 10 militares da GNR e um agente da PSP por suspeitas de exploração de imigrantes, alguns dos quais ilegais, Ventura respondeu com uma fotografia de outra operação policial, no Centro Comercial Babilónia, na Amadora, apontando para a "fila de ilegais".

Admitindo que o caso no Alentejo "é um crime e tem de ser punido", Ventura não demorou a acusar Catarina Martins, antiga coordenadora do Bloco de Esequerda, de fazer aprovar a Lei de Estrangeiros e a Lei da Nacionalidade que, nas suas palavras, fez disparar o número de crimes de tráfico de seres humanos e de auxílio à imigração ilegal.

A eurodeputada bloquista respondeu que "não faz sentido" dizer que "quem fez leis humanistas" contribuiu para o acréscimo de criminalidade, acrescentando que o adversário deveria demonstrar maior compreensão, visto que dois deputados da sua bancada foram imigrantes ilegais. Falava de José Dias Fernandes e Marcus Santos, mas Ventura acusou-a de "mentir em direto na televisão" ao dizer que o primeiro, eleito pelo círculo da Europa, foi condenado por esse crime.

Defendendo que, ao contrário de Ventura, "não ataco as pessoas, mas ataco a criminalidade", Catarina Martins disse que levou à Procuradoria-Geral da República dados sobre empresas que exploravam trabalhadores imigrantes. E acusou o líder do Chega de querer "tratar como criminosos" pessoas que "têm de ter tratamento condigno", também porque as suas contribuições "pagam 450 mil pensões médias em Portugal".

Recorrendo à conquista do Mundial de Sub-17 por Portugal, ocorrida na quinta-feira, a bloquista disse que, com as legislação defendida pelo Chega, o jovem futebolista Anísio Cabral, filho de guineenses, "nunca poderia ser português". E daí partiu para uma frase que aqueceu o debate: "O Dr. Ventura odeia Portugal, odeia as pessoas que o trabalham."

Foi um momento de viragem, e que afastou ainda mais o debate das palavras iniciais de José Alberto Carvalho. "Se é para fazer isto...", disse Ventura, antes de afirmar que no Chega "nunca despedimos grávidas, como no Bloco de Esquerda". E referiu-se ironicamente às "leis humanistas" que disse terem conduzido o crime de tráfico humano a aumentar 150% e o de auxílio à imigração ilegal a subir 300%, enquanto se "permitia que a bandidagem entrasse toda", apontando Brasil e Bangladesh como duas fontes de ilegais.

Os risos da adversária levaram Ventura a dizer a Catarina Martins que "pode-se rir de mulheres voladas, de lojas roubadas, de crianças abusadas, de pessoas que deixaram de ter segurança nas suas cidades". E rematou que, "entre nós, quem ama Portugal sou eu".

Com o líder do Chega a dizer que não foi ele quem procurou extinguir o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, Catarina Martins relativizou o impacto da imigração na criminalidade, citando o diretor nacional da Polícia Judiciária, que estimou em 1% do total a criminalidade relacionada com a imigração.

Numa fase de ainda maior hostilidade - com Ventura a comentar "eu sei que é atriz", Catarina Martins a responder "eu sei que é pantomineiro", e este a retorquir que "é atriz e má atriz" -, a eurodeputada disse que 40% da bancada parlamentar do Chega "tem ou já teve problemas com a justiça" e associou a defesa dos vistos gold pelo adversário a um aumento de 49% do investimento russo desde a invasão da Ucrânia. "Ventura não gosta é dos imigrantes que trabalham, dos imigrantes pobres", concluiu.

O líder partidário aproveitou para dizer que Catarina Martins "não pode falar dos crimes da sua bancada, porque não tem bancada", numa referência ao facto de o Bloco de Esquerda ter ficado reduzido à deputada única Mariana Mortágua, prestes a renunciar ao mandato, nas últimas legislativas. Foi motivo para mais uma troca de acusações de tontice, e para novo riso da bloquista. "Posso rir-me de si todos os dias", defendeu, ouvindo "pode rir-se até chegar aos zero por cento".

Dois adversários em posições diferentes

André Ventura e Catarina Martins encontram-se na TVI em posições muito diferentes na corrida presidencial, com o líder do Chega posicionado para passar à segunda volta na maioria das sondagens, enquanto a eurodeputada do Bloco de Esquerda não ultrapassa a barreira dos 5% nas mais recentes.

Com posições inconciliáveis sobre a generalidade dos temas, mas com a imigração a afastá-los ainda mais, os dois candidatos presidenciais têm um longo historial de confronto, e resultados eleitorais díspares. Enquanto Ventura se tornoru deputado único nas legislativas de 2019, elevando o Chega para 60 eleitos na Assembleia da República, depois de levar o Bloco de Esquerda a integrar a 'Geringonça' Catarina Martins viu o grupo parlamentar encolheu, acabando substituída por Mariana Mortágua, que nas legislativas de 2025 foi a única deputada eleita pelo partido, e será agora substituída.

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