“Não deixe para amanhã a nacionalidade que você pode pedir hoje.” Este conselho tornou-se viral nas redes sociais após o anúncio de que o Governo quer aumentar o tempo de residência em Portugal para solicitar a nacionalidade. Atualmente, este direito pode ser solicitado após cinco anos de residência legal no país, mas, na prática, leva alguns anos a mais: dois ou três anos pelo título de residência e mais dois ou três até o processo ser concluído. Contas feitas, ter um passaporte português pode levar até nove anos.O Ministério da Justiça tem mais de 230 mil pedidos à espera de uma resposta. Destes, a maior parte são por tempo de residência em Portugal. O ministro da Presidência, António Leitão Amaro, disse esta semana que há um “efeito de chamada” em relação à nacionalidade portuguesa, anunciando a vontade de rever a lei para aumentar o tempo mínimo necessário para a solicitação. “O prazo de cinco anos e tal, como está, deve ser ponderados procurando um reforço da efetividade da ligação ao território nacional, que é algo que nós entendemos importante”, afirmou em conferência de imprensa.Publicamente, foi a primeira vez que o atual Executivo falou desta possibilidade, que vai em sentido contrário às últimas alterações na Lei da Nacionalidade em Portugal. O DN sabe que a ideia do Governo não é nova. Desde o ano passado que o tema está em cima da mesa. A brasileira Juliet Cristino, autora de uma petição que foi a base da última mudança na lei - que flexibiliza o prazo - sabia dessa intenção. Ativista pelos direitos dos imigrantes, a trabalhadora de limpezas já esteve em reuniões com o Governo diversas vezes. Num destes encontros, a possibilidade de aumentar o prazo já tinha sido comentada. “Pediram que eu não comentasse naquela época, mas, agora, que já falaram, confirmo que pensam em mudar a lei desde o ano passado, como me disseram na reunião”, conta a este jornal.Segundo a brasileira, o prazo que estaria em cima da mesa seria a possibilidade de aumentar para dez anos o tempo de residência no país até ter o direito a solicitar a nacionalidade portuguesa. Outro indício da posição do Governo é que não regulamentou a última alteração na lei. Esta mudança foi aprovada pelo Parlamento em janeiro do ano passado, com a abstenção do PSD e de três deputados socialistas e votos contrários do Chega e do Partido Comunista Português (PCP). A legislação foi promulgada pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, em março, com entrada em vigor no mês de abril de 2024, o mesmo período em que aconteceu a mudança de Governo. Até hoje, um ano depois, o Executivo liderado por Luís Montenegro não regulamentou a lei. O DN pediu esta informação diversas vezes ao Ministério da Justiça, mas não obteve resposta.Juliet Cristino, autora da petição, discorda da ideia do Governo de mudar a lei. “Considero um absurdo”, resume a brasileira. Sem ainda revelar detalhes do que vai fazer, adianta ao DN que vai lutar pela regulamentação da lei aprovada no ano passado ou pedir uma nova mudança na lei que obrigue a regulamentação. “É o justo e que seja para todos. Que conte a partir da data do pedido do título de residência, seja de trabalho ou de estudante, todos”, explica ao DN.A imigrante acredita que, caso as mudanças se concretizem, este será um “atrativo a menos” para os estrangeiros que querem trabalhar em Portugal. “É um tempo muito demorado e ainda com salários baixos”, analisa.A dificuldade da burocraciaUma das preocupações do Governo e também dos empresários é que os imigrantes utilizem o passaporte português para ir morar para outros países da União Europeia (UE). Neste aspeto, o facto de os ordenados serem baixos em Portugal une imigrantes e portugueses na procura de locais onde a mão de obra é mais valorizada. No entanto, não existem dados estatísticos disponíveis que atestem qual o peso desta mudança de imigrantes após obterem a cidadania europeia. Será só isso que motiva uma pessoa a querer ter o passaporte português?Para muitos imigrantes, o simples facto de já não precisar de lidar com a burocracia que um cidadão estrangeiro enfrenta é mais do que uma razão. É isso que pensa a brasileira Thainá Farias, que se mudou para Portugal em 2019. “Se querem aumentar o prazo, precisam de agilizar os processos relacionados com a imigração. É o cúmulo da humilhação que a gente tem de passar para conseguir uma mísera renovação de título de residência. Nem me importava de nunca ter documentos portugueses, desde que os órgãos que tratam de processos migratórios funcionassem. Eu só quero livrar-me da AIMA e do IRN”, diz a imigrante ao DN.A brasileira teve a “sorte” de conseguir renovar o título de residência online, em 2023, pouco antes de este mecanismo ser descontinuado pelo Governo. Atualmente, fazer a renovação é algo difícil, estando milhares de imigrantes nesta situação por não terem alternativa, incluindo o marido de Thainá Farias. Esta situação exemplifica bem o motivo de muitos imigrantes optarem por pedir a documentação portuguesa quando atingem o prazo legal obrigatório. “Penso em dar entrada nos documentos apenas para ter mais facilmente os meus documentos. Nós não pretendemos sair do país. Gostamos de Portugal, temos a nossa vida estável aqui”, explica.A visão da imigrante, de 29 anos, é a mesma com que a advogada Larisse Pontes Aguiar de Oliveira se depara todos os dias. “As pessoas que me procuram para requerer a nacionalidade por tempo de residência, percebo que não são muito movidas pela ideia de aceitação ou integração na sociedade. O que prevalece, a meu ver, é a desburocratização da vida quotidiana que essa nacionalidade proporciona”, explica a profissional, que atua em Portugal há sete anos na área do direito Migratório.Segundo a profissional, o imigrante enfrenta um “sistema ineficiente e caótico”, acentuado por mudanças constantes na lei e nos procedimentos. “É cansativo demais lidar com um sistema ineficiente e caótico, quando se trata de regularização em território nacional de um imigrante. Além do evidente colapso estrutural, a ausência de uniformidade nos procedimentos entre as instituições dificulta bastante a jornada de quem busca simplesmente exercer seu direito à permanência com dignidade”, argumenta a advogada..“É cansativo demais lidar com um sistema ineficiente e caótico, quando se trata de regularização em território nacional de um imigrante. Além do evidente colapso estrutural, a ausência de uniformidade nos procedimentos entre as instituições dificulta bastante a jornada de quem busca simplesmente exercer seu direito à permanência com dignidade”, argumenta a advogada..O anúncio desta semana sobre a possível mudança já mobilizou brasileiros que estavam a deixar o pedido para depois. “Com o recente anúncio do ministro António Leitão Amaro, houve o arremate, e a movimentação intensificou-se ainda mais. A procura tem sido constante, e percebo que as pessoas estão mais diligentes e proativas na organização da documentação necessária para dar início ao processo”, conta a especialista.A notícia veio na esteira de uma mudança importante noutro país europeu. Em Itália, um decreto do Governo restringe a obtenção da cidadania italiana por descendência. No caso do tempo de habitação não houve alteração. O argumento do executivo de Giorgia Meloni é de “evitar abusos ou fenómenos de comercialização de passaportes italianos” e que a “a cidadania deve ser algo sério”.E nos outros países?Nos países europeus, as leis diferem em termos de prazo mínimo de residência, enquanto convergem na obrigatoriedade de dominar o idioma, fazer uma prova de conhecimentos gerais sobre o país e não ter praticado crimes. Já Espanha, tem uma das leis mais flexíveis para imigrantes obterem a naturalização. Diferente de Portugal, em que a lei vale para todos, isto é, não há facilidades adicionais a depender do país de origem, Espanha torna o processo mais rápido para iberoamericanos. Todos os cidadãos nascidos na América Latina, em Andorra, Filipinas, Guiné Equatorial, Portugal ou pessoas de origem sefardita podem pedir a nacionalidade espanhola depois de dois anos de residência legal no país. Se a pessoa for casada com um espanhol ou espanhola, este tempo cai para apenas um ano. Para os demais cidadão são necessários dez anos para obter esse direito.Após o anúncio do Governo português foram centenas os comentários de brasileiros nas redes sociais elencando Espanha como um novo destino preferencial. “O visto de procura de trabalho, por exemplo, dá direito à nacionalidade depois de apenas dois anos”, explica a brasileira Juliet Cristino.Na Alemanha, o prazo mínimo é de cinco anos. A lei prevê uma redução para três anos se o cidadão “ tiver demonstrado habilidades especiais de integração - por exemplo, desempenho académico ou profissional particularmente bom e muito boas habilidades no idioma alemão”. Em França, o período mínimo também é de cinco anos. Assim como em Espanha, a cidadania francesa pode ser solicitada antes, caso a pessoa esteja em matrimónio com cidadã ou cidadão francês. O mesmo período vale no Luxemburgo, onde é preciso morar durante cinco anos para pedir a cidadania. No momento da solicitação, o imigrante precisa estar de forma ininterrupta no país por, pelo menos, um ano. Mais no Norte da Europa, na Suécia, o período é igualmente de cinco anos. No entanto, existe uma proposta de aumentar o prazo para oito anos de residência, ficando mais semelhante com a vizinha Dinamarca, onde é preciso residir durante nove anos até obter o direito da naturalização. amanda.lima@dn.pt .Número de imigrantes em Portugal sobe para 1,5 milhões.Governo admite aumentar tempo de residência em Portugal para pedir nacionalidade.AIMA. IL propõe "digitalização total" de processos de imigrantes