Quarenta anos depois de Mário Soares e Rui Machete terem assinado o tratado de adesão de Portugal às comunidades europeias, a caneta utilizada em 1985 pelos então primeiro-ministro e vice-primeiro-ministro regressou aos claustros do Mosteiro dos Jerónimos, permitindo que Marcelo Rebelo de Sousa e Luís Montenegro rubricassem a Declaração de Lisboa, um documento que reitera “o firme compromisso de Portugal com a defesa, valorização e fortalecimento do projeto europeu”.Passado, presente e futuro entrecruzaram-se na cerimónia que assinalou o 40.º aniversário do “acontecimento realmente histórico” que marcou o arranque da integração europeia de Portugal, nomeadamente nos quatro discursos que vieram a seguir à intervenção do atual vice-presidente e antigo eurodeputado social-democrata Carlos Coelho, comissário das comemorações. Após as centenas que se deslocaram ao Mosteiro dos Jerónimos na manhã desta quinta-feira terem aplaudido o vídeo que recordou Mário Soares e Ernâni Lopes, protagonistas já falecidos da manhã de 12 de junho de 1985, foi Durão Barroso, presidente da Comissão Europeia de 2004 a 2014, a elevar a fasquia sobre a data que apresentou como o “segundo 25 de Abril”, na medida em que a integração na Comunidade Económica Europeia (CEE) “permitiu que a democracia se consolidasse”, ultrapassando de vez as hesitações pós-revolucionárias. Sobre outros impactos de uma adesão que “resultou de uma genuína convicção europeia”, sem esconder que Portugal beneficiou dos “generosos apoios comunitários”. Durão Barroso realçou que a integração europeia “não diminuiu a capacidade de atuação internacional” da diplomacia portuguesa. E, com a experiência de quem antes de ser primeiro-ministro assumiu a pasta dos Negócios Estrangeiros, defendeu que o peso de Bruxelas foi decisivo para a causa de Timor-Leste, até então recebida por “uma indiferença quase geral”. Já o efeito da integração na economia nacional foi sublinhado pelo presidente do Conselho Europeu, António Costa. Referindo-se ao crescimento da economia nacional em 143% desde a entrada na CEE, à multiplicação do salário médio por oito e do produto interno bruto per capita por 11, o antigo primeiro-ministro não hesitou em referir-se ao tratado assinado há quatro décadas como um “ato refundador” que encerrou o “período transitório do regime democrático” e “abriu as portas à maior era de desenvolvimento” na História de Portugal.Também sublinhado por António Costa foi o “acrescento de democracia à então CEE” que decorreu da entrada de Portugal e de Espanha. Recordando declarações de Mário Soares, que viu 12 de junho de 1985 como “uma data de bom augúrio para o futuro europeu”, apresentou a entrada dos dois países ibéricos como o exemplo que persiste na atualidade, com uma dezena de países, da Ucrânia à Islândia, que estão em diversas fases de negociação com Bruxelas.Por seu lado, Luís Montenegro defendeu que “a visão de um Portugal democrático e integrado no seio da grande família europeia antecedeu em muito o momento da adesão”, elogiando “um dos mais notáveis trajetos de desenvolvimento da Europa contemporânea”. Mas, além de destacar o “processo dinâmico de integração europeia e reformista do então primeiro-ministro Aníbal Cavaco Silva”, apontou o crescimento de populismos e extremismos como “um dos mais sérios desafios que hoje enfrentamos”.Último a discursar na cerimónia, Marcelo Rebelo de Sousa citou Fernando Pessoa, dizendo que “tudo vale a pena quando a alma não é pequena”. E, mesmo respondendo com um “claro que não” à pergunta “foi tudo perfeito?”, parafraseou o já desaparecido Papa Francisco: “É tempo de sermos todos, todos, todos europeus.” Isto porque a garantia da paz, “principal razão de ser” da União Europeia, mantém importância num momento em que o espaço europeu tem de se “adaptar às novas realidades”, nas quais também se inscreve o aumento da votação em partidos populistas e extremistas. Manifesto excesso de otimismo teve Marcelo Rebelo de Sousa, que na última intervenção ouvida nos claustros do Mosteiro dos Jerónimos, fez referência ao que disse ser um consenso dos partidos com representação parlamentar em torno da integração europeia. “As vozes que exigiam a saída da União Europeia são hoje inaudíveis”, disse o Presidente da República, apesar de o PCP e o Bloco de Esquerda não terem ido à cerimónia, ao contrário do Livre, que se fez representar pela líder parlamentar, Isabel Mendes Lopes. Horas mais tarde, o gabinete de imprensa dos comunistas enviou um comunicado a dar conta que “a inserção de Portugal na CEE foi concebida e implementada como parte integrante do processo contrarrevolucionário de recuperação monopolista que contrariou o caminho de igualdade, justiça e progresso social, de desenvolvimento económico, de soberania e independência nacional, de paz e cooperação conquistado e iniciado pelo povo português com a Revolução de Abril”.