Como é que uma cientista da área da Física chega a deputada na Assembleia da República?São percursos paralelos. Sou doutorada em Física, trabalho na área da Física de Partículas e das suas aplicações, que é a área em que tenho trabalhado mais nos últimos 20 anos, e sou professora catedrática no Instituto Superior Técnico. Além disso, o laboratório onde trabalho, o LIP - Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas, tem como missão fazer a ligação ao CERN, em Genebra, na Suíça. Em 2014 [ano de fundação do Livre] houve uma movimentação das pessoas da minha geração para tentarmos ter uma força nova na política portuguesa, que conseguisse dar esperança e que fosse uma força de esquerda e europeísta, que não é uma área simples para os partidos à esquerda do Partido Socialista. Nessa altura, senti necessidade de me envolver porque o período era crítico. Tínhamos tido uma crise económica e a troika. Era importante ajudar a encontrar soluções para o país, com uma forma diferente de fazer política. Nessa altura, juntei-me ao Livre, e desde aí que participei sempre na construção do partido, fazendo parte do grupo de contacto [órgão executivo do partido] durante três mandatos. Desde 2022, sou coordenadora da mesa da Assembleia, que é o órgão que toma as decisões políticas não previstas na estratégia aprovada em Congresso.Ainda que tenha experiência passada enquanto deputada municipal em Lisboa, entre 2017 e 2021, e seja vereadora em substituição no executivo camarário, estreia-se na Assembleia da República. Que expectativas tem para um mandato com um Parlamento claramente à direita?É uma preocupação. Gostaria de ter entrado num mandato em que fosse possível, realmente, pôr as nossas ideias cá fora e mudar o país de uma forma mais estrutural. Estando na oposição, agora com seis deputados, numa Assembleia da República com uma maioria de direita, vai ser mais difícil conseguirmos fazer valer as nossas ideias e aprovar as nossas propostas. Mas estamos cá para isso e esperamos conseguir fazer ouvir-nos. Exemplo disso é o Passe Ferroviário Nacional, que foi uma proposta do Livre aprovada há dois mandatos [quando o partido só tinha um deputado, o porta-voz Rui Tavares]. Isso mostra que é possível que boas ideias sejam apropriadas por outras forças políticas e aplicadas, como aconteceu neste caso com o PSD - na campanha, até se enganaram no nome e chamaram-lhe “passe rodoviário”. A ficarem apenas no papel, preferimos que as nossas propostas sejam apropriadas e postas em prática por outros. Se assim for, ajudam a melhorar a vida das pessoas. Isso para nós é muito importante..Livre avança com Comissão Parlamentar de Inquérito à gestão do apagão.Um dos temas que tem marcado este período do pós-eleições é a questão da revisão constitucional. O Livre já disse não ser a favor, considerando que é “atirar gasolina para o fogo”. Enquanto deputada estreante, qual é a sua perspetiva?Se fosse pelo Livre, não avançaria. Mas não nos cabe a nós decidir isso. O processo vai ser aberto, porque a Iniciativa Liberal já entregou um projeto nesse sentido. A responsabilidade de como o processo vai decorrer é inteiramente deles e é a IL que tem de decidir como é que tudo vai decorrer. Na minha opinião, devem garantir que, indo o processo para a frente, é democrático e é participado pelas forças à direita e à esquerda no Parlamento. Preocupa-nos muito que por causa das maiorias conjunturais que temos, neste momento, na Assembleia da República, possam ser feitas negociações sobre a revisão constitucional apenas com as forças à direita. Mas esperamos que a AD, até para o seu próprio bem, não caia nesse erro.Como se deve então posicionar a esquerda, que à exceção do Livre está em queda, para tentar salvaguardar direitos?O que os partidos decidirão, não me cabe a mim dizer. A postura do Livre é construtiva. Obviamente, nós achamos que não pode haver perda de direitos consagrados na Constituição. Também entendemos que tudo o que a direita tem querido fazer com o setor privado não tem ido para a frente porque a Constituição não o permite. É um falso problema colocar isto à frente das prioridades do país, até porque não foi tema na campanha eleitoral e não será certamente um tema para as pessoas. Compreende-se que a IL queira ganhar relevância, é natural, daí terem iniciado o processo - até porque o número de deputados da IL e da AD não é suficiente para uma maioria no Parlamento. A meu ver, tiveram de procurar uma forma de mostrar relevância e tomar posição. Pensamos que a razão é essa. Mas não é uma revisão constitucional que vai resolver os problemas do país, que existem na saúde, na educação ou a falta de habitação. Ou, por exemplo, a falta de soluções práticas para um jovem que tenha acabado a licenciatura e que queira encontrar casa num sítio como Lisboa, levando-os a emigrar. Isto é um problema enorme que é preciso abordar e encarar de frente e não é a revisão constitucional que o vai resolver..Sofia Pereira, líder da JS: “O PS precisa mesmo de fazer uma reflexão um pouco mais aprofundada”.Se pudesse escolher algumas áreas prioritárias para intervenção, durante o seu mandato, quais destacaria?Eu sou da ciência. O que eu tenho feito durante a minha vida é fazer investigação científica e também gerir grupos que desenvolvem trabalho científico. Neste momento, é muito importante para mim reforçar, de facto, o financiamento para a Ciência. Há muitas maneiras de dizer que se reforçaram as verbas para a Ciência. Se se questionar Fernando Alexandre, ministro da Educação, Ciência e Ciência Superior, ele dirá que aumentou o financiamento, mas, factualmente, a verba para a Fundação para a Ciência e Tecnologia [FCT] diminuiu. O que aconteceu foi o seguinte: houve recurso a financiamento europeu, em programas de financimento europeu, como o Compete 2030 e do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), e de financiamento regional. Com isso, é anunciado um aumento no bolo de verbas para os projetos científicos. Mas, no fundamental, muitos destes não conseguem ser financiados por aí. Assim, a ciência e tecnologia passou a ter uma verba de 55 milhões de euros, ao passo que nos anos anteriores tinha tido 75. Ou seja: para projetos de ciência mais pura, o financimento diminuiu. Para coisas mais aplicadas, que estivessem de acordo com as Estratégias de Especialização Inteligente (S3) para as regiões, conseguia-se financiamento. Mas isso não é financiar ciência. É financiar aplicação de ciência, na maior parte das vezes. Acho, portanto, que é fundamental aumentar bastante, para cerca de 10% por ano, o financiamento para esta área. Assim, conseguimos atingir os 3% a nível total de financiamento público e privado, partilhado em partes iguais, até 2030. Isso é fundamental. Claro que vai ser difícil nesta configuração parlamentar. Mas acho fundamental porque não podemos continuar a dizer que queremos um setor tecnológico e de inovação em Portugal sem estimular a montante a produção de conhecimento, que depois vai ser aplicado fora, perdendo assim as pessoas que estamos a formar no nosso sistema científico.É também forma de fixar a chamada “geração mais qualificada de sempre”?É verdade que sempre houve emigração, e se formos ver os números não há um pico, neste momento. Mas a questão é que há muita gente qualificada a sair porque estamos a formar mais, e estas são pessoas essenciais para transformar não só a ciência em Portugal como a própria economia. As pessoas que saem teriam ideias que podiam pôr em prática e colocar cá fora aquilo que conhecem. No fundo, haveria uma transferência de conhecimento para a sociedade. Estas pessoas saem e acabam por não voltar. Atenção: não tenho nada contra a saída. Sempre trabalhei em colaborações internacionais, mas acho que o país precisa de massa crítica de pessoas a esse nível. Isto é uma parte. Depois, uma das razões por que foi dramático o concurso de projetos de que falei há pouco tem a ver com a estabilidade no setor científico. E essa também é parte da ciência, sobretudo de como se fazem as contratações..Rui Cardoso: “Se não quiserem fazer o que o país exige, nas próximas eleições o Chega vencerá” .João Pedro Louro: "A nossa expectativa é de que tomem posse sete membros da JSD como deputados"