Parlamento discute proposta do BE para consagrar violação como crime público
Na próxima quinta-feira, dia 10 de julho, o Parlamento volta a debater, por proposta do Bloco de Esquerda (BE), se a violação deve ser ou não um crime público, isto é, se a possibilidade de denúncia pode ficar a cargo de outras pessoas que não as vítimas. Com uma analogia em relação ao que aconteceu em torno da violência doméstica, ao DN, a líder do BE, Mariana Mortágua, defendeu que "o tempo mostrou como o crime público foi importante no combate à violência doméstica, porque assumiu que as agressões no contexto de uma relação são um tema de segurança pública, são um tema da sociedade e não um tema de vida íntima".
No que diz respeito à violação, Mariana Mortágua lembra que esta ocorre "em muitos casos, em contextos familiares, em relações de proximidade", mas, neste momento, "não são considerados um problema de segurança pública e são um problema de violência sobretudo contra as mulheres".
"Esta natureza do crime público é hoje essencial não só devido ao passado escondido de violência contra as mulheres, mas também face às novas ameaças de uma extrema-direita que se vai construindo muito em torno do ódio às mulheres", afirma, aludindo a "novos desafios de hoje em dia, que têm a ver com as redes sociais, com as partilhas".
"Sabemos como isso também se tem tornado uma forma de agressão e de violência."
Questionada sobre como é que se pode proteger a vítima, caso a violação venha a ser considerada um crime público, a deputada única do BE apresenta duas possibilidades, começando desde logo por vincar que "nenhuma vítima é obrigada a participar numa investigação. É assim que acontece na violência doméstica, é assim certamente que acontece na violação. Portanto, o facto de fazer uma queixa não obriga uma vítima a participar num processo. O que permite é que a queixa seja feita sem depender da iniciativa da vítima."
Além disto, continua a líder bloquista, "em processos de crime contra a liberdade sexual, o Ministério Público, mediante o requerimento livre e esclarecido da vítima, pode determinar a suspensão provisória do processo, com a concordância do juiz de instrução e do arguido, desde que se verifiquem dois pressupostos: a concordância, neste caso, do arguido e da vítima, e que não seja um caso de reincidência."
"O essencial aqui é nós tratarmos, enquanto sociedade, da violência contra as mulheres", justifica Mariana Mortágua, não ignorando porém violência sexual contra homens, ainda que as mulheres sejam "estatisticamente" as maiores vítimas.
Reconhecendo que há "muitos casos de violência sexual contra homens", a líder do BE acrescenta que, nestes casos, este crime é silenciado.
"O silenciamento" que ocorre ligado a "um mecanismo que impede as mulheres muitas vezes de falar", que "também se reflete na incapacidade de muitos homens de poderem fazer queixa, precisamente porque não sentem que tenham espaço para isso, ou conforto para isso".
"Acho que, enquanto sociedade, temos que assumir que a violência sexual não é tolerada. Ela não é tolerada contra mulheres, não é tolerada contra homens. Ela é produto de uma sociedade de relações de poder muito desiguais, e devemos tratá-la como um problema comum, que queremos resolver em comum", conclui.
Tal como refere o projeto de lei do BE que pretende tornar público o crime de violação, decorre neste momento uma "petição contra a violência sobre as mulheres", que já reuniu mais de 202 mil assinaturas.