O que esperar das 10 prioridades no programa do Governo: do salário mínimo de 1100 euros ao "turismo militar"
O ministro da Presidência, esta quinta-feira, 12 de julho, logo após o Conselho de Ministros, anunciou que o programa do Governo incluirá um capítulo vertido em 10 prioridades que configura uma "agenda transformadora". De acordo com António Leitão Amaro, este documento vai "transformar o país para melhor". Em específico no que diz respeito ao quarto pilar da estratégia governativa da AD – uma "política de imigração regulada e humanista" –, o ministro colou o programa do Governo às medidas que surgem no programa eleitoral do PSD e do CDS e a "anúncios feitos no passado". Se assim for, é possível levantar um pouco o véu do documento que este sábado, dia 14 de junho, às 11.30, o novo ministro dos Assuntos Parlamentares, Carlos Abreu Amorim, vai entregar no Parlamento.
Em relação à primeira prioridade desvelada por Leitão Amaro – "medidas sobre os salários, sobre a redução do IRS, sobre a revisão do regime de apoios sociais" – o programa da AD começa por identificar em Portugal "uma armadilha da situação de pobreza e de trabalhadores persistentemente pobres", sinalizando à partida um "obstáculo" que aparece sob a forma de "alguns elementos do regime de segurança social" e de "apoios sociais que podem, em determinadas circunstâncias, desincentivar a participação no mercado de trabalho e na valorização profissional".
Neste capítulo, a AD apresentou-se a eleições com a intenção de superar este "obstáculo" para "incentivar o trabalho e a justiça social".
A palavra a que o ministro recorreu para ilustrar esta prioridade aparece 20 vezes no programa da AD: "Mérito."
"Tal sucede porque os valores de inúmeros apoios sociais são indexados a escalões de rendimentos", explica o documento da AD, acrescentando que "na transição entre escalões, tal origina uma substancial perda de apoios, ou até mesmo a sua retirada total, o que resulta numa barreira efetiva a que estes trabalhadores procurem aumentar os seus rendimentos do trabalho ou se valorizem profissionalmente".
Os subsídios que são retirados, explicam os partidos que compõem o Governo, passam por "abonos de família, a ação social escolar, a isenção de taxas moderadoras na saúde, a tarifa social de eletricidade, a tarifa social de gás, a isenção de pagamento em escolas em regime de IPSS (pré-escolar)".
A conclusão da AD é que, com estes apoios, nestas condições, é "pouco atrativo ser promovido ou procurar um emprego melhor".
Portanto, assim surge a declaração de intenções da AD quanto a este ponto: "Estamos focados em premiar o mérito, o esforço e a dedicação de cada um."
O prémio do Governo, se estiver afinado com o programa da AD, deverá então ser acompanhado por um aumento do "salário mínimo nacional para cerca de 1100 euros, em 2029", com o salário médio a crescer para "2000 euros", no mesmo ano. No final, a meta prevista por estes dois partidos é "reduzir a taxa de pobreza entre os trabalhadores e na população em geral", que andará de mãos dadas com uma redução da taxa de desemprego.
É assim que a AD promete, com o objetivo de "valorizar o trabalho e o emprego", "substituir um conjunto alargado de apoios sociais, sem perdas para ninguém, por um Suplemento Remunerativo Solidário - sistema de subsídio ao trabalho, com a possibilidade de acumulação de rendimentos do trabalho com RSI [Rendimento Social de Inserção], pensão social, ou outros apoios sociais dirigidos a situações sociais limite, que atenue o empobrecimento dos trabalhadores empregados e incentive a sua participação ativa no mercado de trabalho que tenha em conta a dimensão e composição do agregado familiar".
Para além disto, o programa da AD prevê também uma "redução do IRS para todos, com redução das taxas, especialmente para a classe média".
Em relação ao mérito anunciado, este começa por ser testado na Administração Pública. Para além da prometida "modernização dos sistemas de avaliação" dos trabalhadores do Estado, com o objetivo de "reconhecer o mérito e desempenho contínuo dos trabalhadores", a AD pretende aplicar "critérios transparentes" aos processos de recrutamento para cargos públicos, para "atestar que a escolha dos candidatos é objetiva e de acordo com as suas qualificações, e de forma a promover um sistema baseado no mérito".
Reformar o Estado
O segundo pilar da estratégia transformadora do Governo passa por um "combate à burocracia, que descomplique a vida dos cidadãos e das empresas", disse Leitão Amaro, aludindo, sem o referir diretamente, ao novo Ministério da Reforma do Estado, tutelado por Gonçalo Saraiva Matias.
Este ponto é transversal a várias áreas da governação, desde a justiça à Administração Pública, passando pela agricultura, a saúde e política externa.
A AD afirma que "é evidente há várias décadas" a necessidade de haver "uma reforma do Estado que seja mais do que simplificação e desburocratização, elementos consensuais, apesar de continuarem a ser necessários".
Leitão Amaro, sobre este ponto, falou em "simplificação de procedimentos, digitalização do Estado e da Administração Pública, revisão, reforma orgânica e das estruturas da Administração Pública e uma nova política de recurso humanos para os trabalhadores da Administração Pública dirigida para valorizar o mérito, as qualificações, o desempenho", ligando esta prioridade à da valorização dos rendimentos. E a todas as outras.
Valorização das empresas
Numa prioridade que o ministro da Presidência anunciou como estando ligada à aceleração da economia, a estratégia do Governo passa por uma "redução do IRC, simplificação fiscal, uma revisão do regime e do sistema de formação profissional". Para além disto, haverá "também medidas para viabilizar o reforço de escala nas empresas. Rever o regime de capitalização e dos instrumentos de capitalização. Aceleração dos fundos, regime de insolvência e uma revisão da legislação laboral. Sempre na ótica de valorizar o trabalho, valorizar o mérito, e a modernização das condições de trabalho para uma economia em transformação", explicou.
No programa eleitoral, a AD promete uma "redução gradual do IRC até aos 17% no final da legislatura, com uma redução até aos 15% no caso das PME [Pequenas e Médias Empresas] nos primeiros 50 mil euros de lucro tributável". Em termos de receita fiscal, o ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, já referiu várias vezes que cada ponto percentual do IRC terá um impacto de 200 a 250 milhões de euros por ano.
Ainda assim, a estratégia da AD para o crescimento económico passa também por "continuar o processo de simplificação e estabilidade fiscal" e pela "aceleração da justiça tributária".
O crescimento económico passa por uma aposta na "iniciativa privada e na produtividade", que inclui esforços para "reforçar a independência dos reguladores", "reforço da capitalização das empresas e do capital de risco", "remover os desincentivos ao ganho de escala das empresas" ou "orientar os fundos europeus para as empresas e para a geração de valor acrescentado e sua conexão com os resultados avaliados".
Imigração humanista, com regras
O quarto pilar estratégico das prioridades do Governo passa por uma "política de imigração regulada e humanista", disse Leitão Amaro, remetendo este ponto para o programa da AD.
O documento assinado pelo PSD e pelo CDS demonstra a vontade de "criar uma Unidade de Estrangeiros e Fronteiras na PSP, continuar a regular os fluxos de entrada com base na capacidade de integração do país, e a acelerar os processos de regularização e afastamento de imigrantes em situação ilegal". A missiva social-democrata revela também que "a integração deve ser reforçada, e a nacionalidade deve ser atribuída com critérios justos e exigentes. Portugal será um país de acolhimento e integração dignos, mas com regras claras."
Uma das intenções do Governo, plasmadas no programa, deve assim passar por uma revisão dos "requisitos de atribuição de nacionalidade portuguesa, designadamente no que diz respeito a cidadãos estrangeiros, alargando o tempo mínimo de residência e presença efetiva em território nacional, eliminando a possibilidade de a permanência ilegal ser considerada para efeitos de contagem deste requisito temporal".
A acompanhar esta alteração, deve também aparecer um reforço da "capacidade dos serviços públicos para darem resposta ao número de imigrantes que o país acolhe e à sua diversidade", assim como acontecerá com um reforço da "capacidade dos centros de acolhimento e de alojamento urgente e temporário para requerentes e beneficiários de proteção internacional".
O que não está esclarecido mas sofrerá alterações é o regarupamento familiar, isto é, a possibilidade de imigrantes documentados legalmente poderem estender essa capacidade a fmaliiares diretos. Sobre este tema, Leitão Amaro, logo após o breafing do Conselho de Ministros, disse aos jornalistas que "há uma situação de grande dificuldade da comunidade, do Estado e dos serviços públicos em responderem".
Uma carta subscrita por cerca de 200 pessoas e entidades, criada pela Casa do Brasil de Lisboa, defende o reagrupamento familiar de imigrantes e lembra que "é um direito fundamental consagrado na Diretiva 2003/86/CE do Conselho da União Europeia, de 22 de setembro de 2003" e garante "o cumprimento das obrigações internacionais em matéria de direitos humanos, consagradas, entre outros instrumentos, no Artigo 8.o da Convenção Europeia dos Direitos Humanos".
Ainda assim, o programa da AD assegura que haverá uma luta "contra a xenofobia e a exclusão social, implementando estratégias de combate a qualquer discriminação e promovendo a inclusão social dos imigrantes".
Serviços essenciais a "funcionar para todos"
Os setores privado e social voltam a ser uma prioridade para o Governo, entrando como um complemento na saúde, na educação e na mobilidade, que, de acordo com o ministro da Presidência, vão, deste modo, "funcionar para todos".
No que diz respeito a saúde, a AD, no programa eleitoral, mostra ao que vem começando com uma crítica ao PS, pela "fixação ideológica na propriedade e gestão estatal, em vez de colocar o foco no nível de provisão e acessibilidade geral dos bens, serviços e recursos financeiros".
Para PSD e CDS, "esta fixação coarta a liberdade de iniciativa privada e social e, sobretudo, prejudica as pessoas".
Isto acontece, segundo o documento, "em áreas tão críticas como a saúde, educação e habitação", pelo pelo qual a AD diz acreditar "numa economia social de mercado, com coexistência e complementaridade entre as ofertas pública, privada e social".
"A AD afirma o SNS e a escola pública como pilares centrais e insubstituíveis do Sistema Nacional de Saúde e do Sistema de Educação em Portugal, e a habitação pública como uma prioridade. Porém, considera que o fundamental é garantir a provisão do serviço: a saúde para doentes e saudáveis, a educação para os alunos, e a casa para quem quer cá residir. Para colocarmos as pessoas no centro das políticas públicas é necessário mobilizar a produção dos três setores, numa complementaridade que maximiza o serviço às pessoas, em vez da cegueira ideológica que restringe a oferta acessível por todos, especialmente os mais pobres", argumenta, sem adiantar o modelo em que pretende colocar a estratégia em prática e custos para o Estado.
Segurança, justiça e combate à corrupção
A sexta prioridade no capítulo das "transformações fundamentais" do Governo é "reforçar as condições para uma segurança com mais proximidade", que passa por um reforço da "presença [de agentes], atividade e meios", explicou Leitão Amaro. No caminho para este desígnio há ainda lugar para prosseguir com medidas para acelerar a justiça e insistir no programa de combate à corrupção que o Governo anterior já tinha anunciado.
No que diz respeito às forças policiais, o Governo, se seguir o que está prometido no programa da AD, vai investir num reforço tecnológico, para que o policiamento de proximidade seja reforçado.
Isto, a acontecer, passa por "aumentar a prevalência de sistemas de videovigilância, em parceria com as autarquias locais, e em respeito dos normativos da Comissão Nacional de Proteção de Dados", pela "adoção da Plataforma Unificada de Segurança dos Sistemas de Videovigilância e bodycams" e será feita "cartografia de risco, através de um sistema integrado que combina policiamento de proximidade e visibilidade e a utilização de meios tecnológicos preditivos e de inteligência artificial".
Neste capítulo, a AD quer, no programa eleitoral, "reorganizar a distribuição dos polícias da PSP e militares da GNR para as tarefas mais adequadas, garantindo policiamento de proximidade e rápido tratamento de processos de investigação, encontrando um novo modelo no domínio administrativo para libertar um maior número operacionais, retirando-lhes tarefas redundantes". Há ainda a intenção de reforçar "o combate às diversas tipologias de violência e ao consumo e tráfico de estupefacientes".
No que diz respeito à justiça, a AD defende que a reforma "tem de ser executada, medida a medida, embora prosseguindo objetivos de longo prazo".
Seria preciso regressar a 2006 para encontrar o único pacto de regime assinado entre PSD e PS, na altura liderado, respetivamente, por Luís Marques Mendes e José Sócrates. Na altura, foi precisamente a justiça que foi protagonista.
Agora, a AD defende que "reformar a Justiça é dar condições a quem nela trabalha, revitalizando e aumentando a atratividade das carreiras e investindo na formação e na melhoria das condições de trabalho".
Em termos de celeridade, PSD e CDS propõem que isso se concretize eliminando "expedientes inúteis" e "legislar de forma clara, coerente e ponderada, gerando um consenso alargado, político e social".
Há também a vontade, de acordo com o programa eleitoral, de promover "julgamentos rápidos, através de um incremento da celeridade processual quando esteja em causa a prática de crimes violentos ou de especial gravidade, em particular em casos de detenção em flagrante delito".
No que toca à corrupção, a estratégia prometida pela AD passa por "dar o exemplo". O programa eleitoral diz que "o Governo pretende ser uma referência no exercício da ação pública, perante os demais órgãos, em particular, os da esfera pública".
Isto, na perspetiva dos dois partidos, faz-se "ao adotar práticas de boa governança e ao criar condições para o exercício de uma cidadania ativa, informada e participativa, habilitada a acompanhar e a escrutinar as políticas públicas e a despesa pública, o Governo eleva o padrão de exigência de toda a sociedade".
O combate à corrupção passa ainda por "regulamentar o registo de interesses legítimos (“lóbi”) - definir os conceitos, os princípios, os procedimentos, e as sanções aplicáveis à atividade de influência junto dos decisores públicos, criando um registo obrigatório e público de lobistas e de entidades representadas".
A crise na habitação
O sétimo pilar das prioridades do Governo é a habitação e, no contexto pré-eleitoral, a AD incluiu as medidas no seu programa social.
Leitão Amaro explicou, logo após o Conselho de Ministros, que a estratégia está alicerçada na mobilização de "todos os setores para ultrapassar a crise" começando pelo privado, "reforçando e concretizando a oferta pública anunciada".
Evocando a "reabilitação da oferta privada e cooperativa", porque será "muito por aqui que vai passar a resposta", garantiu o ministro, serão disponibilizadas "as casas que são precisas para que os preços não continuem a aumentar".
Haverá ainda lugar à "revisão do regime de arrendamento, para lhe dar mais confiança", continuou, acrescentando à equação a "revisão dos apoios à procura, dos apoios à procura para arrendamento".
Privatização da TAP
O oitavo pilar das prioridades do Governo é "programa de novas infraestruturas", que integram a "construção do Aeroporto Luís de Camões" e a "privatização da TAP".
No programa eleitoral da AD, este tema também surge sob a forma de crítica ao Executivo do PS, referindo uma "instrumentalização dos recursos públicos ao serviço do poder partidário", que se verificou "nas nacionalizações da TAP e da EFACEC, das aquisições clandestinas de capital dos CTT, ou da extinção de PPP na saúde".
Sem surpresas, então, no plano da AD para o transporte aéreo, aparece a intenção de "aumentar a capacidade e eficiência de todo o setor da aviação e aeroportuário, tanto no lado dos passageiros, como no lado da carga (infraestruturas, serviços de navegação aérea, carga e conectividade)".
O processo inclui "lançar o processo de privatização do capital social da TAP" e "melhorar as condições de processamento de carga e passageiros nos aeroportos nacionais", na mesma medidas em que passa por "implementar soluções inovadoras e digitais, que permitam melhorar o controlo de entradas e saídas de passageiros e carga, por via aérea, potenciando a utilização das infraestruturas à procura variada existente".
Em relação à estratégia para o novo aeroporto de Lisboa, nada é revelado, para além do nome.
"Água que une"
O penúltimo pilar estratégico da AD, entre todas as prioridades, passa pela água, em várias dimensões. Leitão Amaro só destapou um pouco das intenções para o elemento vital, referindo que a estratégia inclui "infraestruturas da capacidade de armazenamento, consumo eficiente, transporte para os vários usos do país, que tem sido em vários anos muito afetado por alterações climáticas e por escassez hídrica em várias regiões".
Tudo começa por implementar a estratégia “Água que une”, que, explica o programa eleitoral, prevê a "otimização das estruturas existentes com o foco na poupança de água, na redução de perdas nas redes de abastecimento e de rega, na reabilitação dos reservatórios e no aproveitamento de águas residuais tratadas".
Este capítulo inclui medidas para a energia, que incluem a aprovação do "programa setorial das Áreas de Aceleração de Energias Renováveis" e a revisão do "modelo de aprovação dos Planos de Investimento nas Redes Energéticas. Há também a intenção de "acelerar o autoconsumo e a instalação de Comunidades de Energia".
Investimento em defesa e "turismo militar
Com a promessa de que um investimento em defesa, para cumprir as metas dos compromissos internacionais, não será "apenas o reforço da despesa em defesa", Leitão Amaro falou num "plano de reforço estratégico do investimento do conhecimento da economia, da nossa capacidade industrial para produzir e gerar oportunidades de atividade económica, de criação de emprego e de riqueza para o país".
Este é o ultimo pilar das prioridades do Governo. Se for coerente com o programa da AD, o programa do Governo incluirá uma canalização de "pelo menos 2% do PIB" para a defesa, "antecipando a meta de 2029 e desenvolvendo a capacidade industrial nacional gerando emprego e valor acrescentado, com 20% em bens, infraestruturas e equipamentos, em linha com os compromissos NATO".
A AD quer, de acordo com o documento, "assegurar, quando necessário, os mecanismos complementares de financiamento que garantam as aquisições tempestivas e necessárias à edificação das capacidades previstas na LPM [Lei da Programação Militar]", afinados com os compromissos internacionais.
Mas a estratégica económica em torno da defesa também passa por "assegurar a recuperação do Arsenal do Alfeite, essencial à operacionalidade da Armada", com uma viragem ao passado, que prevê a "inclusão do património das Forças Armadas (militar, museológico, histórico, religioso e cultural) numa rede nacional integrada de turismo militar aberta ao público, para rentabilização, recuperação e preservação desse património no perímetro da Defesa Nacional".