Dizer que o secretário-geral do Governo, Carlos Costa Neves, irá “pagar para trabalhar”, embora aufira cerca de seis mil euros pelo cargo que o levou a abdicar de receber as pensões da Segurança Social e da Caixa Geral de Aposentações, bem como a subvenção mensal vitalícia por ser ex-titular de cargo político, constituiu apenas a mais recente de uma sucessão de declarações polémicas de Luís Montenegro, por vezes criticadas por toda a oposição. “Não deixo de anotar o esforço e a prova de dedicação à causa pública que o novo secretário-geral do Governo dá ao vir vestir esta camisola com custos pessoais e financeiros. É mesmo caso para dizer que o Carlos Costa Neves, nesta ocasião, está a pagar para trabalhar, visto que terá um rendimento inferior nesta função do que aquele que teria se não aqui estivesse”, disse o primeiro-ministro nesta terça-feira, na cerimónia de tomada de posse do antigo ministro da Agricultura e dos Assuntos Parlamentares.As reações nas redes sociais não se fizeram esperar, ainda que o “pagar para trabalhar” não tenha gerado ondas de choque comparáveis com as das palavras que Montenegro dedicou à manifestação “Não nos encostem à parede”, que no sábado juntou muitos milhares contra a intervenção policial na Rua do Benformoso, considerando que fora discriminatória de imigrantes, e à vigília convocada pelo Chega, em que algumas centenas defenderam a PSP.A centenas de quilómetros de Lisboa, onde as ações decorreram, com escassas centenas de metros a separá-las, Montenegro subiu ao púlpito do Encontro Nacional de Autarcas Social-Democratas, em Ovar, para definir o seu partido e o seu Governo como um garante de moderação face aos “extremos” que saíram às ruas de Lisboa.Reagindo a tais declarações, a coordenadora do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, participante na manifestação, acusou-o de fazer uma “simetria irresponsável entre racismo e antirracismo”. E a deputada socialista Isabel Moreira escreveu, na rede social X ,que Montenegro “não merece este país lindo que saiu à rua”.Também a própria operação policial levou a reviravoltas no discurso do primeiro-ministro. Numa entrevista ao DN, publicada na edição de 29 de dezembro, Montenegro reconheceu não ter gostado de ver a fotografia de dezenas de pessoas encostadas às paredes da Rua do Benformoso, a serem revistadas por agentes da PSP. Mas dois dias antes, na tomada de posse do secretário-geral do Sistema de Informações da República Portuguesa e da secretária-geral do Sistema de Segurança Interna, assumiu-se “atónito e muito perplexo” com os protestos “injustificados” da oposição.Exemplo ainda mais emblemático dos problemas de comunicação do primeiro-ministro foi o discurso que proferiu na apresentação do Plano de Ação para a Comunicação Social. Na ocasião, a 8 de outubro do ano passado, atacou o que disse ser “jornalismo ofegante”e fez uma “pequena provocação” que acabaria por dominar o ciclo noticioso. O primeiro-ministro disse estar mal impressionado com jornalistas que usam um auricular “no qual lhe estão a soprar a pergunta que devem fazer” ou que “pegam no telefone e fazem a pergunta que já estava previamente feita”. Embora tenha garantido que “não era para criticar ninguém em especial”, o mal ficou feito..Costa Neves no lugar que seria de Rosalino.Escolhido depois do recuo de Hélder Rosalino, que não resistiu à polémica gerada por optar pela remuneração a que tem direito no Banco de Portugal, superior a 15 mil euros mensais, Carlos Costa Neves saiu da reforma para assumir o cargo de secretário-geral do Governo.Aos 70 anos, o antigo deputado na Assembleia da República e no Parlamento Europeu, que liderou o PSD-Açores e foi ministro da Agricultura de Pedro Santana Lopes e ministro dos Assuntos Parlamentares de Pedro Passos Coelho, num Governo em que Rosalino era secretário de Estado da Administração Pública, terá a seu cargo a coordenação de uma entidade que resulta da concentração de serviços e da extinção das secretarias-gerais de nove ministérios e do Centro de Gestão da Rede Informática do Governo, numa fusão que o Executivo garante cortar em 25% o número de cargos diretivos e permitir uma poupança anual de 4,1 milhões de euros.Na cerimónia de posse, após ouvir Luís Montenegro dizer que irá “pagar para trabalhar”, Costa Neves garantiu “acreditar no sucesso da missão”, destacando que para tal será necessário “uma cultura de resultados e de serviço público aos cidadãos, a valorização e dignificação profissional dos trabalhadores, a simplificação, desburocratização e racionalização dos meios usados, a multidisciplinaridade e o trabalho em equipa, a racionalidade e a celeridade dos procedimentos”.