Se for eleito presidente da Federação da Área Urbana de Lisboa (FAUL) do PS, isso será uma vitória contra as estruturas do partido? Não. Acho que é uma vitória das pessoas normais, que fazem uma vida profissional, que gostam de política, que acham que há momentos da sua vida em que podem intervir. Há um grande divórcio entre as pessoas e os partidos políticos. Acho que a função dos partidos políticos é uma função muito importante, de intermediação e negociação social, e o objetivo da minha candidatura é devolver os partidos às pessoas.Surpreendeu-o que uma ex-autarca, eleita para o Parlamento Europeu há poucos meses, se tenha candidatado depois de si? Não, não me surpreendeu. Já tivemos presidentes da FAUL que eram ministros ao mesmo tempo que exerciam essa função. É uma opção da candidata em causa, da Carla Tavares, que não coloco em causa, porque, aparentemente, considera-se capacitada para exercer as duas funções ao mesmo tempo. Eu julgo que a função é muito absorvente e que há um mau hábito nos partidos políticos de haver acumulação de funções. Muitas vezes vemos presidentes de Câmara que são, ao mesmo tempo, presidentes de estruturas concelhias, vemos deputados que são presidentes de secções, vemos primeiros-ministros que exercem funções de direção no partido. Desse ponto de vista, António Costa deu um bom exemplo ao país, porque sempre que foi primeiro-ministro teve um secretário-geral-adjunto. Julgo que alguém que exerce funções públicas absorventes não tem condições, hoje em dia, no mundo que temos, muito mediatizado, em que temos de, permanentemente, estar em cima do assunto do dia, pois isso prejudica essa concentração. E acho que há pessoas que deviam dedicar mais a sua vida aos partidos políticos. Sei que, hoje em dia, ter cartão de um partido político é mais cadastro do que currículo, tenho consciência disso, mas sou militante do PS desde os 18 anos e tenho muito orgulho disso. Conheci muitas pessoas boas, empenhadas na causa pública, com grande capacidade. Ao longo da minha vida, tive sempre grande intervenção nos movimentos sociais e associativos. Há fases da nossa vida em que devemos dedicar esse esforço em prol dos partidos políticos.A outra candidata tem, entre os seus apoiantes, presidentes de Câmara e líderes de concelhias do PS. Gostaria de ter alguns consigo?Terei, de certeza, no dia 11 de janeiro. Acho normal que as pessoas tomem posição. A minha candidatura pode ser surpreendente, porque vem procurar uma nova forma de fazer política. No fundo, aquilo que proponho é que consigamos abrir os partidos políticos à participação dos cidadãos. Neste momento, o PS, na área urbana de Lisboa, tem apenas seis mil militantes em condições de exercer o direito de voto. Ora, na área urbana de Lisboa, nos vários concelhos correspondentes à nossa federação, há cerca de dois milhões de habitantes. Isto significa que as pessoas estão divorciadas da vida política.Nas últimas legislativas o PS teve muitíssimo mais votos do que esses seis mil.Certíssimo. A questão é esta: temos que encontrar formas de as pessoas poderem participar no processo de decisão política. E os partidos políticos têm um monopólio relativamente às candidaturas. Só não o têm relativamente às eleições autárquicas, em que é possível cidadãos independentes apresentarem-se a votos. É muito importante que os partidos ouçam a comunidade na qual se inserem. Nessa perspetiva, posso dizer que estou muito confortável com o apoio que sinto da parte dos militantes do PS. O partido terminou um ciclo em que nos últimos 29 anos governou durante 22 anos. Significa que os cidadãos que têm hoje até 30 anos praticamente só conheceram o PS como partido de governo. O PS tem de fazer um balanço dos seus últimos 29 anos. Para fazer esse balanço, temos de ter a capacidade e a coragem de dizer que fizemos muito bem as coisas, mas também errámos aqui e ali. E o que é que errámos, sobretudo? Julgo que não conseguimos, por exemplo, colocar termo à pobreza e, essencialmente, à pobreza material. Ou seja, construímos muitas infraestruturas públicas, mas que depois se degradaram, e não estão ao serviço dos cidadãos. Tenho visitado muitos concelhos de área urbana de Lisboa em que houve grande investimento público, quer do Estado, quer através de fundos europeus, quer por parte das autarquias. Foram construídos parques infantis, pavilhões desportivos, anfiteatros e teatros, equipamentos como creches e, neste momento, grande parte está ao abandono. Isto significa que não podemos estar só a fazer o investimento público inicial nas infraestruturas, e temos que ter a capacidade de as colocar ao serviço dos cidadãos. Isso é melhor feito quando são as comunidades locais a fazê-lo. Era importante que fossem associações de moradores e de jovens a fazer a gestão e a conservação desses equipamentos. Lá está um tópico relativamente ao qual porventura é estranho ver alguém como eu, um social-democrata, uma pessoa de centro-esquerda, a defender esse tipo de parcerias público-privadas. Mas são muito úteis porque o PS foi sempre um partido das liberdades. E o PS tem que tratar os cidadãos como adultos, e não como se fossem crianças a precisar de orientação. Há que dar à sociedade civil, às empresas, às famílias, ao pequeno comércio, às associações, a capacidade de pegar nos equipamentos públicos, e nas infraestruturas públicas, e utilizá-las e conservá-las, explorá-las e fruir delas. As cidades devem ser um espaço de fruição, e não um espaço em que está um funcionário da Câmara a dizer "o senhor aqui não entra, a não ser que tenha enviado um correio eletrónico há 15 dias a dizer que queria reservar este espaço". Julgo que, nessa perspetiva, o PS é um partido que tem que estimular justamente essa inovação, essa criatividade e as liberdades individuais. O PS não é um partido que queira pessoas dependentes do Estado ou da Administração Pública.Mas existe ou não essa perceção? Julgo que existe essa perceção pública nos últimos anos. Construiu-se a ideia de que o PS estimula políticas de subsídios de dependência, como se o objetivo da ação política do partido fosse apenas evitar que existisse pobres e não promover a criação da riqueza e do bem-estar. Ora, um social-democrata do socialismo democrático muito conhecido, o Olof Palme, dizia que o seu objetivo não era acabar com os pobres, mas criar mais ricos. Acho que essa deve ser a função do PS: criar uma sociedade mais adulta, mais autónoma, mais livre. Mas para isso são muito importantes as políticas públicas. Porque há grandes diferenças relativamente ao ponto de partida de cada cidadão. Por via do nascimento, temos pessoas que na sociedade atual correm o risco de ficarem excluídas do acesso a bens essenciais. Hoje em dia temos que refletir sobre as consequências da inteligência artificial e da inovação tecnológica. Nas décadas de 80 e de 90, todos colocávamos gasolina no carro através de um gasolineiro, uma pessoa que nos enchia o depósito. Hoje, todos achamos normalíssimo utilizar um equipamento automático que nos permite servirmo-nos desse mesmo combustível, sem que sejamos remunerados pelos postos de combustível ou sem que o preço do gasóleo e da gasolina baixe. Tendencialmente, a força humana será substituída por força tecnológica. Isso vai obrigar os partidos a refletirem sobre como isso se reflete na vida das pessoas. Se houver um monopólio dessa inovação tecnológica só por um grupo de privilegiados, só pelos grupos económicos, grande parte da população estará excluída da fruição de cultura e do acesso à educação, tal como do acesso a todos esses equipamentos tecnológicos.Cria-se uma bolsa de ressentimento?É isso que tem acontecido na sociedade ocidental, não só na sociedade portuguesa. A sociedade europeia, quando falamos no welfare state, no estado de providência, que foi criado depois da Segunda Guerra Mundial, tinha políticas que, teoricamente, permitiriam a correção das assimetrias sociais. Haveria educação para todos e, através disso, as pessoas podiam progredir nesse elevador social. O que estão a sentir neste momento é que, por muito que estudem, que se esforcem, que tenham boas notas, que sejam bons trabalhadores, que sejam empenhados, que sejam respeitadores, não são recompensados por isso. Há também um movimento que é derivado da crise da habitação, da circunstância de, neste momento, por força da globalização e da facilidade da deslocação, haver muitas pessoas com rendimentos muito superiores aos portugueses, mas também aos espanhóis, aos italianos, aos gregos, a conseguir comportar preços da habitação nos centros das cidades, o que, no fundo, expulsa as pessoas desses centros. Um cidadão normal, da classe média, que tenha filhos, tem que levar os filhos à creche às oito da manhã. Para isso, tem que acordar às seis e meia da manhã. E perder uma hora no trânsito. Depois da creche, tem que dirigir-se ao local de trabalho. E, como a maior parte dos locais de trabalho estão concentrados fora dos grandes subúrbios da região urbana de Lisboa, essas pessoas perdem cerca de duas horas ou três horas por dia em transportes. Temos que tentar criar modelos de organização de trabalho e de organização económica que sejam, obviamente, mais viáveis. É possível fazer isso com planeamento. Nesse sentido, as políticas regionais contam e são muito importantes para isso.O PS e outros partidos têm falhado na forma como devem encontrar respostas e falar para essas pessoas?A passo, o PS tem conseguido perceber isso. Por exemplo, a política metropolitana de transportes e a criação do passe intermodal foi muito importante nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto. Neste momento, jovens que vivem em Mafra podem deslocar-se para qualquer território da área urbana de Lisboa, até na península de Setúbal, pagando apenas 20 euros por mês. Em alguns concelhos, aliás, esse passe intermodal é gratuito, quer para jovens estudantes até aos 23 anos, quer para idosos com idade superior aos 65 anos. Julgo que essa é a visão que devemos ter para o desenvolvimento regional futuro. Mas também digo que aqueles que tomam decisões políticas não podem estar permanentemente a dizer que é preciso uma política de transportes públicos, e depois não utilizarem os transportes públicos. Não utilizarem o metropolitano, o autocarro, o comboio e usarem transporte individual. Assim como não podem dizer que é fundamental o Serviço Nacional de Saúde e, quando estão doentes, não recorrerem a esse Serviço Nacional de Saúde. Nos países nórdicos, que são sociais-democratas, é muito normal que uma pessoa de classe média-alta viva numa casa de habitação pública. Em Portugal, achamos que a habitação pública serve apenas para os pobrezinhos.Arrisca-se a ser acusado de populismo ao dizer que um político que defende o Serviço Nacional de Saúde deve utilizar os hospitais públicos...Isso pode ser demagogia, não é? Pode ser demagogia e não populismo. Sinceramente, acho que o PS tem que perder medo de falar claro às pessoas. Mas também tem que dar o exemplo. Estou farto de um processo de comunicação tecnocrata. Como o PS exerceu o poder, e na minha perspetiva bem, durante tantos anos, 22 dos últimos 29, diria que perdeu o contacto com a realidade. Aquilo que me têm dito os votantes do PS, que me abordam na rua, que me telefonam, que me contactam nas redes sociais, aquilo que me dizem os próprios militantes, é que é preciso voltar à política das grandes causas. É preciso ser-se autêntico. Fiz questão de apresentar a minha candidatura à FAUL, utilizando uma bicicleta elétrica daqui da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa até Picoas. Não foi porque eu quisesse fazer um show-off mediático. Foi porque se usasse carro, às seis da tarde, teria demorado 40 minutos a chegar a Picoas. Como apanhei uma bicicleta elétrica aqui à frente da Faculdade, demorei 12 ou 13 minutos. É verdade que era motorizada. Faço desporto, mas confesso que utilizei a bicicleta motorizada. Ou seja, temos de ter a capacidade de ser do pedestal. Sinceramente, tenho saudades de pessoas como Mário Soares, como Sottomayor Cardia, como Jorge Sampaio, como Alberto João Jardim, por exemplo. Tenho saudades de pessoas autênticas. E julgo que as pessoas também estão a sentir isso, porque a política tornou-se muito cinzentona, muito tecnocrata, muito burocrática. Curiosamente, um político que no PS tem aura de ser uma pessoa autêntica, o presidente da Câmara de Loures, Ricardo Leão, foi alvo de grandes críticas suas por defender "despejos doa a quem doer" aos envolvidos em tumultos.O que eu achei, relativamente ao presidente da Câmara Municipal de Loures, foi que as declarações são inaceitáveis num Estado de Direito. Não me pronunciei sobre o estilo do Ricardo Leão. Todos temos o nosso estilo. Eu tenho o meu e outras pessoas agirão de forma distinta. A minha única crítica foi esta. Nos últimos anos tem-se construído na sociedade portuguesa a ideia de que uma pessoa que comete um crime é uma criminosa para o resto da vida. É por isso que há determinadas pessoas que falam na bandidagem. Isso é inaceitável.Há um partido político que fala na bandidagem.Isto é inaceitável, na minha perspetiva. A essência de uma democracia, a essência de uma sociedade humanista, é compreender que todos nós erramos. Quando erramos, temos que reparar o mal que fizemos. Podemos reparar através de trabalho comunitário, do pagamento de uma indemnização, ou em casos muito extremos, através do cumprimento de uma pena de prisão. Temos de aceitar que as pessoas têm capacidade de se regenerar. Quando um titular de um cargo público diz que familiares de alguém que possa ter cometido um crime devem ser penalizados, isso viola todos os princípios essenciais pelos quais o PS sempre se bateu. Obviamente que tenho de ser mais exigente com um camarada meu do que com pessoas de outros partidos. Posso reconhecer o estilo mais truculento, ou menos truculento, de alguns camaradas, mas há determinados limites que comprometem verdadeiramente a história do PS. Por isso é que tantos militantes, alguns com responsabilidades políticas, outros cidadãos anónimos, se manifestaram tanto quanto ao excesso dessas declarações. A questão teria sido resolvida se tivesse havido um pedido de desculpas, uma assunção de que foram declarações infelizes, mas isso não aconteceu.Se for eleito presidente da FAUL, conta com Ricardo Leão, tal como todos os outros presidentes de Câmara incumbentes?Contarei, se a concelhia indicar o meu camarada Ricardo Leão como candidato a presidente da Câmara de Loures. Há uma orientação de que os presidentes de Câmara em exercício, desde que queiram recandidatar-se, terão o apoio do PS. Mas tem de haver uma orientação estratégica para todos os autarcas do partido.Uma carta autárquica.Com certeza, porque ser autarca do PS não é a mesma coisa que ser autarca de outro partido qualquer. E os cidadãos, quando votam, não votam no autarca X, votam no PS. É o símbolo e a denominação que constam do boletim de voto. Em Loures, em Odivelas, na Amadora, em Sintra ou em Cascais não se espera nada diferente disso.Um PS que aqui e acolá se aproxime da retórica do Chega arrisca-se a descobrir que as pessoas preferem o original à cópia?Não me parece que isso exista e não me parece que haja o risco de o PS ser arrastado para esse tipo de vertigem. Sinceramente, acho que damos demasiada importância a esse tema. Porquê? Esses partidos extremistas não têm capacidade de apresentar soluções aos cidadãos. Não têm capacidade de influenciar a tomada de decisão política porque não formarão maiorias nas autarquias e não formarão maiorias no Parlamento. Desde que as pessoas moderadas, informadas, humanistas, democratas, respeitadores do pluralismo, mantiverem a sua visão do mundo, o mais normal é que quando houver votações, essas visões sejam ultraminoritárias na sociedade portuguesa, porque ninguém acredita que as pessoas que votam nos partidos extremistas pensem tudo aquilo que dizem nas redes sociais, e validem todos os insultos preferidos pelos líderes desses partidos. Simplesmente, as pessoas estão muito ressentidas. Estão zangadas com a vida, com os políticos e com a falta de um horizonte de futuro. Em vez de estar sempre preocupado a reagir, o PS deve passar a agir mais, ou seja, a apresentar qual é a sociedade de futuro que pretende. Em matéria de direitos laborais estamos praticamente paralisados no mesmo nível de proteção dos trabalhadores que estávamos no início do século XX. Por exemplo, o horário máximo de trabalho continua a ser de 40 horas semanais. Bem sei que, por força das convenções coletivas de trabalho, há muitas pessoas no setor público, mas também muitas no setor privado, que cumprem 35 horas. Mas a semana de quatro dias é uma experiência muito importante, que liberta as pessoas para tempo de acompanhamento familiar e isso faz com que as famílias poupem, por não terem de pagar explicações ou inscrever os filhos em atividades extracurriculares, e permite às pessoas fruírem de atividades culturais e ter atividade desportiva, preventiva do ponto de vista das políticas de saúde. John Maynard Keynes, em 1930, escreveu um livro que se chamava Economical Possibilities for our Grandchildren. Dizia ele que, com o progresso científico e a inovação tecnológica, em 100 anos íamos conseguir ter uma sociedade em que as pessoas só tivessem que trabalhar 15 horas por semana. Não sei se as pessoas deram por isso, mas há poucos dias entrámos no ano de 2025. Quer dizer que faltam cinco anos para o objetivo de John Maynard Keynes. Alguém acredita que, daqui a cinco anos, vamos estar a trabalhar apenas 15 horas por semana? Mas estamos muito mais produtivos enquanto sociedade. A simples invenção da internet, em 1989, permitiu-nos simplificar a automatização através dos sistemas informáticos e agora dos algoritmos e a utilização de Big Data. Mas isso não pode estar a reverter apenas para uma elite muito específica da sociedade. Tem de reverter - agora regresso à vertente marxista do PS - para quem cria essa riqueza. Quem cria essa riqueza são aqueles que trabalham, que concebem, que inventam e que inovam. Parece-me que o PS tem de estar na senda da inovação social. Por exemplo, incomoda-me muito o PS estar sempre à defesa, a defender as conquistas de Abril. Não me interessa muito o 25 de Abril. Interessa-me mais o 26, o 27, o 28 e o 29. O PS tem de ser um partido reformista. Para ser um partido reformista, tem de transformar aquilo que existe, que é muito melhor do que existia durante o Estado Novo. Isto tem de ser dito de forma clara às pessoas: tínhamos 80% de analfabetos e taxas de mortalidade infantil absolutamente assustadoras. As pessoas tinham 11 ou 12 filhos porque sabiam que, durante a infância, morriam três, quatro ou cinco crianças. Mais do que isso, falemos sobre corrupção. Diz-se que hoje há corrupção e que durante o Estado Novo não havia. Então, porque é que as elites portuguesas não iam para a Guerra do Ultramar? Vejam as cartas que cidadãos portugueses, durante a ditadura, enviavam a António Oliveira Salazar e que depois eram tratadas pela sua governanta, a Maria, dirigindo-as a empresários e membros do governo, para resolverem problemas das pessoas que intercediam junto do ditador. Os níveis de corrupção durante a ditadura salazarista foram elevadíssimos e muito superiores àqueles que registamos em democracia. Ainda bem que discutimos o tema da corrupção em democracia. É inaceitável que alguém, escolhido por todos nós, utilize o dinheiro que é de todos nós para benefício pessoal seu ou de terceiro. Nesse sentido, o PS deve ser inclemente na prevenção e também na punição, quando necessária. Qual é o maior desafio para quem vier a presidir a FAUL: reconquistar Lisboa ou manter Sintra?O maior desafio era que não houvesse competição entre as várias autarquias da Grande Lisboa. Vou explicar porquê: a Lei de Financiamento das Autarquias Locais está feita de uma forma que faz com que cada autarquia tente puxar para si investimento público e privado. A principal fonte de rendimento das autarquias locais é o IMT e o próprio IMI. Isto fez, desde a década de 90, com que a maior parte das câmaras municipais tivessem tentado atrair empreendimentos urbanísticos, descaracterizando grande parte dos seus territórios. Temos zonas na Venteira, na Damaia, em Queluz, em Agualva-Cacém e em Sacavém com um tecido urbano altamente pressionado. Aconteceu porque as câmaras são financiadas justamente por impostos aplicados sobre os imóveis. Relativamente à atração de investimento industrial e económico é a mesma coisa. As empresas pagam IRC, mas pagam também uma derrama nacional e uma derrama municipal. Portanto, as câmaras municipais tentam atrair investimento industrial e económico, estrangeiro ou nacional, e competem entre si. E isto faz com que cada concelho seja um castelo. A minha função como presidente da FAUL não é expressar qualquer preferência sobre qualquer senhor ou senhora feudal. É tentar ter uma visão macro-regional desta área urbana. Preciso de saber se as câmaras têm capacidade de cooperar entre si para definir onde é que deve haver centros de negócios que tenham natureza tecnológica e digital, onde é que deve haver um centro tecnológico na área agrícola e na área silvícola e como podem ser criados serviços partilhados entre as câmaras que evitem que cada uma delas tenha um serviço municipal. Para mim, enquanto presidente da FAUL, o mais importante é justamente essa política regional. Percebo que estejam muito interessados em saber quem são os candidatos que se apresentam a votos, porque a cara de um candidato ou de uma candidata é fundamental na linha política proposta, mas devemo-nos indagar sobre que tipo de cidades queremos. E para nos indagarmos sobre que tipo de cidade queremos, temos de ter a capacidade de dialogar e chegar a consensos com autarcas do PSD, do PCP e do CDS. Há necessidade de adotar políticas benéficas para os cidadãos. Mas não vou fugir à pergunta. A cidade de Lisboa merece ser melhor tratada do que tem sido. É uma vergonha o que se tem passado, nos últimos anos, no município de Lisboa. As promessas de novos tempos só nos lembram as memórias de velhos e bafientos tempos. A cidade está absolutamente imunda. Não há um projeto relativamente aos transportes na cidade de Lisboa. A pouca habitação pública que tem sido construída é habitação pública que já estava em andamento, com concursos públicos lançados pelo presidente de Câmara Fernando Medina. E a nova que vai avançar é a que resulta do PRR e que estava também em andamento por parte do governo socialista. Eu não diria, como a Maria José Nogueira Pinto disse um dia relativamente ao Paulo Portas, que até o Rato Mickey venceria o engenheiro Carlos Moedas, mas obviamente que o PS tem de apresentar alguém que confronte o engenheiro Carlos Moedas com o completo fracasso da sua governação. E tem pessoas muito capazes para isso. Precisa de ter pessoas que tenham a capacidade de desenvolver a cidade, de tornar a cidade um polo económico atrativo. Temos muitas pessoas que exerceram funções governativas recentemente e que estão em condições de o fazer, mas não quero cometer o mesmo erro que o secretário-geral do meu partido já assumiu relativamente ao lançamento de nomes de candidatos ao cargo de Presidente da República. Quando ganhar as eleições terei de me reunir com o presidente da Concelhia de Lisboa, como com os presidentes de todas as outras dos 11 concelhos da área, e terei de falar com o Secretariado Nacional do PS. Acho incompreensível que neste momento ainda não se saibam quem são os candidatos do PS na área urbana de Lisboa, aquela que é, pelo menos, mais mediatizada. Imagino que esse processo já está tratado, que já houve inquéritos de opinião junto da população para saber quem são as pessoas que estão em melhores condições para o fazer. E aquilo que o PS deve ter a capacidade de fazer é apresentar um projeto alternativo. Isso faz-se de políticas e de ideias, não se faz necessariamente apenas de uma personagem providencial. Será um atestado de incompetência do PS não vencer em Lisboa? Face a um nível absolutamente sofrível da governação do PSD e do CDS na cidade de Lisboa, seria incompreensível que o PS não ganhasse essa eleição autárquica. E julgo que os lisboetas sabem que é a única alternativa.Uma Área Metropolitana de Lisboa em que, além de Lisboa, Cascais e Oeiras, também Sintra passasse a ser uma autarquia de direita seria uma catástrofe para o PS?Eu não sou o professor Marcelo Rebelo de Sousa. Não tenho mesmo capacidade de antecipar cenários. Sinceramente, não acho isso muito relevante. Acho que é muito importante que haja uma estrutura da Área Metropolitana de Lisboa que execute políticas corretoras das desigualdades, que não façam, por exemplo, aquilo que o Governo do PSD e do CDS acabou de fazer, por sugestão do autarca Isaltino Morais, que é alterar a Lei dos Solos para permitir construção habitacional em terrenos agrícolas. A Área Metropolitana de Lisboa não pode aceitar, uma vez que já tem uma grande pressão habitacional e demográfica, que se utilizem esses expedientes para que a existência de salários baixos nos autarcas seja compensada por vantagens obtidas através de promotores imobiliários, que foi aquilo que temos visto ao longo dos últimos 20 e 30 anos. Se for presidente da FAUL, serei uma voz altamente desconfortável e audível para o atual Governo, porque quando estamos a falar da possibilidade de construção em terrenos agrícolas, transformando-os em terrenos urbanos habitacionais, não estamos a pensar fazê-lo, de certeza, em Moimenta da Beira, em Sousel ou em Boticas. Neste momento, já temos um problema. Às vezes parece que não temos alterações climáticas e que não sabemos em que mundo vivemos. Já temos grandes parques habitacionais e infraestruturas públicas instaladas em leito de cheias, já temos um problema da excessiva impermeabilização dos solos na área urbana de Lisboa. Cada vez mais vamos ter trombas de água, furacões e outros fenómenos climatéricos extremos. E o que estamos a tentar fazer? Estamos a tentar cobrir ainda mais terreno agrícola para impedir que a chuva possa infiltrar-se e entrar nos cursos de água subterrâneos, impedindo justamente essas inundações e destruição de património público e privado. Não contem comigo para fazer aquilo que aconteceu em Valência.Sendo que a Área Metropolitana de Lisboa ainda terá de encontrar nova utilização para os terrenos do aeroporto da Portela quando este for desativado... Também é importantíssimo evitar que, de cada vez que desmantelamos equipamentos públicos, sejam alvo de uma imediata pressão imobiliária. Precisamos de espaços públicos de fruição. Cerca de 40% dos portugueses tomam antidepressivos e o problema da saúde mental é gravíssimo. Isso acontece muitas vezes porque deixámos de ter uma família alargada e passámos a ter também famílias monoparentais e estamos cada vez mais isolados e agarrados ao ecrã das televisões ou dos telemóveis. Precisamos de espaço em que possamos interagir uns com os outros. Mesmo do ponto de vista da inclusão social de imigrantes, é muito importante que haja espaços públicos onde possamos estar. Eu não quero um país como o Brasil. As cidades brasileiras estão divididas entre aqueles que estão fechados dentro do arame farpado, dos condomínios privados, com câmaras de vigilância e seguranças, que saem das suas garagens em carros blindados e com vidros foscos, e vão a restaurantes e a centros comerciais a que só pessoas de determinada classe social e económica, pessoas brancas, podem aceder. Não quero isso no meu país. Quero continuar a ir ao café do meu bairro, quero continuar a ir à tasca e poder estar com pessoas de todas as proveniências sociais. Às vezes, nós portugueses não temos a noção da vantagem que é esse nosso estilo de vida comunitária, que é uma vida de rua. Temos a sorte de viver num país que tem condições climatéricas excelentes, que nos permite ter atividades ao ar livre praticamente em nove meses do ano. As cidades têm de ser amigas das pessoas. Obviamente que o espaço do atual aeroporto internacional de Lisboa Humberto Delgado tem que reverter em benefício das populações. De Odivelas, de Loures, de Lisboa, de Vila Franca de Xira e de todos aqueles que vêm visitar Lisboa e usufruir de Lisboa. Precisamos de espaço para respirar. É também por isso que a minha candidatura veio tentar abrir janelas. Dentro do PS, mas também na sociedade portuguesa.A sua candidatura tem o mote "Semear Esperança". Isso pressupõe que, mesmo que não vença, será o início de alguma coisa? Sinceramente, acho que o PS tem feito um discurso muito defensivo. O discurso é este: votem em nós, porque se não votarem em nós, vem aí um regime autoritário. Isto não é aceitável. O PS não pode querer só isso. Tem de ter a capacidade de despertar esperança nas pessoas. O pior que pode acontecer às pessoas é perderem a esperança de que podem progredir de vida, perderem a esperança de que vão ter melhores serviços de saúde. Não basta dizer que vamos defender o Serviço Nacional de Saúde. Temos de garantir às pessoas que vão ter mais serviços públicos de saúde. Vão ter acesso a psiquiatras, e a psicoterapia por parte de psicólogos, para enfrentar esse grande problema atual, que é a falta de saúde mental. Aquilo que têm de saber é que quando vão a uma consulta num hospital público não têm de esperar três meses para agendar no setor privado um exame de diagnóstico, uma análise clínica, uma radiografia ou um ecocardiograma. Tem de ser a própria infraestrutura de saúde pública a ter a capacidade de, no próprio dia, realizar esse exame de diagnóstico. Portanto, o PS não pode estar apenas confortável e à retranca, a defender o muito de bom que fez. Precisa de ter um horizonte de futuro. E, para isso, é preciso hoje semear esperança para amanhã colher bem-estar, que é a finalidade da atuação política.Se não vencer a eleição para a presidência da FAUL, o que está disposto a fazer pelo PS em Lisboa?Tudo.Incluindo ser candidato? Tenho assumido que não serei candidato a nenhuma Câmara Municipal e não serei candidato à Assembleia da República. Acho que é preciso alguém que exerça a tempo inteiro a função de presidente da FAUL. E acho que os partidos políticos, para se reconciliarem com as pessoas, têm de ter formas inovadoras de estimular a participação. Temos feito isso na minha candidatura relativamente ao fenómeno da inclusão social. Criámos um grupo de inclusão social, coordenado pela Maria Antónia Almeida Santos, que está a trabalhar com vários movimentos sociais que atuam nos bairros mais pobres, junto das comunidades imigrantes, para fazermos um diagnóstico da situação, mas também para agirmos, para garantirmos que há cultura nesses bairros, para garantirmos que há explicações e ensino nesses bairros. Os partidos políticos não servem apenas para fazer discursos bonitos na televisão ou para andarem em campanha eleitoral. Na minha perspetiva, devem ser um motor de transformação social. Estou disponível, como estive sempre ao longo da minha vida, para colaborar com o PS para cumprir esse projeto do partido, que é construir uma sociedade mais solidária, mais livre e mais igualitária. Há várias formas de o fazer. Ao longo da minha vida, fi-lo de várias formas. Como professor universitário, como agente social e também muitas vezes como titular de cargos políticos. Um dos problemas dos partidos políticos, hoje em dia, é a sua excessiva profissionalização. Portanto, não estou à espera de exercer cargos públicos quando me candidato a presidente da FAUL. Tenho um horizonte temporal de quatro anos. Depois de ganhar a eleição, terei cerca de um ano e nove meses de mandato, e depois prepararei o segundo mandato, que será muito importante, pois teremos, nessa altura, novas eleições legislativas, a não ser que este Governo continue a autodesmoronar-se e tenha de provocar eleições legislativas antecipadas.