A convicção de que o wokismo existe e invadiu, “com grande alarido” ou “de forma mais insidiosa”, as mais variadas dimensões da vida moderna, impondo-se no domínio público e no privado, está na base de Woke Fizemos? - Anatomia de um Totalitarismo Suave. O livro, que junta 16 ensaios de autores como Alberto Gonçalves, Helena Matos, Jaime Nogueira Pinto e Rita Matias, foi organizado por Teresa Nogueira Pinto e Miguel Côrte-Real, e será lançado nesta quarta-feira, às 18h30, no El Corte Inglés, em Lisboa.Referido por Teresa Nogueira Pinto, no prefácio, enquanto algo que, para alguns, “nunca existiu senão como um fantasma agitado pelas mentes mais reacionárias e perversas”, o wokismo é definido como “um totalitarismo suave”, movido pela ambição de educar consciências, corrigir a linguagem, restringir o debate e condicionar comportamentos. “Não promete amanhãs que cantam, mas dedica-se à reinvenção do passado com o mesmo zelo com que regula o presente”, escreve a investigadora universitária, que aceitou o desafio lançado por Miguel Côrte-Real, durante a campanha para as eleições presidenciais norte-americanas de 2024, tendo concluído que seria interessante abordar o wokismo a partir dos espaços da sociedade e da cultura onde tem impacto.“Nunca se consegue definir muito bem o que é o wokismo. É um bocadinho como a vergonha alheia ou o carisma. Sabemos que existe, mas não conseguimos operacionalizar o conceito”, admite a co-organizadora de Woke Fizemos? - Anatomia de um Totalitarismo Suave, em declarações ao DN. Deste modo, o livro reúne contributos destinados a “traçar a genealogia” do movimento, a começar pelo filósofo Alexandre Franco de Sá, que parte de interrogações sobre a “banalização de atitudes censórias e a normalização das discussões sobre quem afinal deve ter ou não ter palco” e a “cultura de cancelamento em que jovens se entretêm a policiar a linguagem usada por colegas e professores” nas universidades, para apontar alicerces como a Teoria Crítica de Horkheimer e a hegemonia cultural enunciada por Gramsci.“Não se consegue contestar o wokismo sem o levar a sério. Há que o ser, pois tem uma base filosófica muito consistente e tem na sua origem preocupações que, para a maior parte de nós, são legítimas”, admite Teresa Nogueira Pinto, reconhecendo o risco de alguém se sentir mal ao não subscrever conceitos como a diversidade, equidade e igualdade que têm sido adotados por instituições públicas e empresas: “Automaticamente transformo-me em homofóbica, racista e fascista se não aceitar que aquilo é a única visão decente do mundo, o que é muito perigoso. E o wokismo tem tido sucesso nisso.” É justamente por isso que defende a ideia de que estamos perante um “totalitarismo suave”. Quanto ao risco de poder vir a ser menos suave, acredita que “não está definitivamente ultrapassado, mas está hoje mais do que há dez anos, graças aos cancelados e resistentes”, nos quais inclui o psicólogo Jordan Peterson e a escritora J.K. Rowling. Sem esquecer que “o wokismo não mata, mas pode meter na prisão”, referindo-se a detenções por discurso de ódio nas redes sociais que têm ocorrido no Reino Unido. Entre as diversas perspetivas do fenómeno incluídas em Woke Fizemos? - Anatomia de um Totalitarismo Suave fala-se da alteração de conjuntura ditada pela vitória de Donald Trump sobre Kamala Harris, ainda que Alberto Gonçalves desvalorize a impressão de que isso assinalou a morte do wokismo, não obstante empresas como a Amazon, a Disney e a Meta se terem começado “a livrar da tralha woke”.Também há quem tenha uma visão mais otimista, como o jornalista Gonçalo Nabeiro, que critica “uma religião inquisitória da esquerda radical (e de alguma direita) que, apercebendo-se do fracasso do seu conceito ideal de organização de sociedade”, tenta impor uma cultura que “representa precisamente a superiorização em relação ao homem comum”. E escreve que 2025 pode ser o ano em que “a liberdade de expressão e o indivíduo se sobrepõem às vontades de um grupo restrito de pessoas que tentam propagar uma agenda que ameaça a sociedade e os princípios básicos que pautam o Estado de Direito, tal como o conhecemos”. Por seu lado, Teresa Nogueira Pinto considera exageradas as notícias quanto à morte de um fenómeno que “existe e resiste”. Mas espera contribuir para criar pontes entre quem discorda. “O que eu gostava mesmo era que, além de comentários incendiários e preconceituosos de pessoas que não leram e não gostaram, pudesse abrir espaço para um diálogo sério entre os chamados dois lados da barricada”..Rita Matias faz apelo a união da direita na “oportunidade histórica de virar a página”.Também presente no lançamento de Woke Fizemos? - Anatomia de um Totalitarismo Suave estará Rita Matias, a deputada do Chega que é uma das autoras do livro. No ensaio “Como o wokismo colonizou o discurso político”, critica quem encara o tema “com demasiada leviandade” e faz um apelo à convergência entre partidos para reverter o “laxismo dos conservadores” que diz ter deixado o “domínio do espaço público e cultura para a esquerda progressista”.“Todos, à direita, temos pelo menos um bom motivo para querer transformar o nosso discurso político. É por isso que prefiro não apontar o dedo a uma certa direita de extremo-centro que foi cúmplice no avanço desta agenda, quer por não lhe ter feito oposição quer por ter adotado as suas bandeiras”, escreve Rita Matias, para quem é preciso aproveitar a “oportunidade histórica de virar a página e pensarmos como queremos reconstruir o país depois das sucessivas décadas de danos”.Ao DN, Teresa Nogueira Pinto, diz que não vê “risco absolutamente nenhum” de a obra, cujo outro organizador é Miguel Côrte-Real, candidato do Chega à presidência da Câmara do Porto, vir a ser conotada com o partido liderado por André Ventura. “É natural que a Rita Matias, sendo muito mediática, suscite mais atenção, mas não se pode reduzir o livro a uma coisa panfletária. Seria uma visão muito redutora”, defende.Teresa Nogueira Pinto espera mesmo que não se veja a obra como sendo de direita. “O que este livro tem em comum, entre os autores, é a noção de que o wokismo existe e é nocivo”, diz a organizadora de Woke Fizemos? - Anatomia de um Totalitarismo Suave, realçando que, “embora o pessimismo antropológico seja uma marca da direita filosófica, o wokismo é profundamente pessimista, pois se vê sempre um potencial opressor e um potencial oprimido”.Noutro texto incluído no livro, a jornalista Helena Matos reflete sobre a “suprema ironia” do fenómeno, identificável em Portugal e no Mundo. “Enquanto destruía o centro-esquerda, o wokismo gerava o alargamento e a transformação da direita. Esta ganhou eleitores, mas olha-se ao espelho e não gosta do que vê. Não era assim que esperava ser. Mas vai ter de aprender a viver com isso porque na política nunca se volta ao que se foi.”