A morte de um ministro e a demissão do seu sucessor fizeram de João Cravinho um dos governantes que mais poder e responsabilidades tiveram em Portugal. Ao longo de quase quatro anos, entre 1996 e 1999, o homem a quem chamaram “engenheiro número um”, falecido nesta quarta-feira, aos 88 anos, foi ministro do Equipamento, Planeamento e Administração do Território, pois António Guterres entregou a quem escolhera para ministro do Planeamento a pasta que atribuiu originalmente a Henrique Constantino e, após o seu óbito, passou por pouco tempo para Murteira Nabo.Ser superministro no primeiro Executivo de António Guterres, após uma década de cavaquismo, significou que, a partir do seu gabinete no Palácio dos Condes de Penafiel, edifício do bairro lisboeta de Alfama, Cravinho geriu dossiers tão variados (e não raras vezes recorrentes) quanto a privatização da TAP, a localização do novo aeroporto de Lisboa, a erradicação das barracas ou a aplicação dos fundos comunitários.Para o socialista não era a primeira experiência governativa, já que duas décadas antes fora ministro da Indústria e Tecnologia durante o Processo Revolucionário em Curso (PREC), demitindo-se em choque frontal com o primeiro-ministro Vasco Gonçalves. Mais duradoura revelou ser a segunda vez, ainda que muitos dos objetivos de Cravinho não tenham sido alcançados. Sobretudo a substituição da Portela pela Ota, mantendo até ao fim da vida a convicção de que era um erro, repetido pelo seu partido, fazer um aeroporto na Margem Sul. Por entre denúncias de corrupção na Junta Autónoma das Estradas, outra das muitas entidades que tutelava, já não integrou o segundo Governo de Guterres, assistindo de fora ao “pântano” gerado pelo descalabro do partido nas autárquicas de 2001. Diria mais tarde que houve pressões de grandes empreiteiros de obras públicas para que fosse afastado.Também evidente foi o seu desacordo com o PS em 2006. Novamente eleito para a Assembleia da República - tal como em 1989 fora para o Parlamento Europeu, do qual foi um dos vice-presidentes -, apresentou um plano anticorrupção, tentando combater o enriquecimento injustificado de titulares de cargos políticos, mas a iniciativa legislativa foi travada pela sua bancada, quando José Sócrates era primeiro-ministro e secretário-geral do PS.A cooperação com África foi um dos últimos desafios do natural de Angola, orgulhosamente mestiço, depois de ter sido administrador do Banco Europeu para a Reconstrução e Desenvolvimento. Também o seu filho, João Gomes Cravinho, integrou governos socialistas, enquanto ministro da Defesa Nacional e dos Negócios Estrangeiros.Reagindo à morte de Cravinho, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, elogiou-lhe a “defesa incansável da ética na política e na vida pública, lutando sempre contra a corrupção”. Já o secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, escreveu que Cravinho foi “uma referência ética e política para várias gerações”..Percurso.Raízes em Angola e AlgarveJoão Cardona Gomes Cravinho nasceu a 19 de setembro de 1936, em Malanje, mas saiu de Angola aos nove anos, indo viver com os avós paternos em Alte, no concelho de Loulé. Ao falar das suas raízes, mencionava sempre Angola e Algarve. Formação e carreiraLicenciado em Engenharia Civil pelo Instituto Superior Técnico, Cravinho fez um mestrado em Economia na Universidade de Yale. Apesar de ter participado nas lutas académicas e de ter sido detido pela PIDE, trabalhou em entidades públicas antes do 25 de Abril. Em 1969 tornou-se diretor-geral do Gabinete de Planeamento da Secretaria de Estado da Indústria.Rumo ao socialismoOs cargos desempenhados no Estado Novo não impediram que fosse ministro da Indústria de um dos governos provisórios de Vasco Gonçalves, ficando ligado às nacionalizações. Tal como se tinha empenhado na fundação da SEDES, em 1973, passou pelo MES e pelo GIS, mas em 1978 aderiu ao PS. Deputado e ministroCabeça de lista do PS às eleições europeias de 1989, voltou a ser ministro em 1995. Elaborou em 2006 um plano anticorrupção, para travar o enriquecimento ilícito, que foi recusado pelos deputados do seu partido.