Gouveia e Melo: “Não me sinto obrigado a ficar calado”
O Sr. Almirante passou à reserva no final de ano, depois de 45 anos de serviço militar, mas a sua vida não tem sido propriamente reservada. Era este o tipo de “reserva” que sonhava?
Não, não era a reserva que sonhava ter na altura. Todos sabemos que há um dia em que temos que largar a nossa missão e normalmente nos militares vão para casa usufruir do tempo que resta de vida. A sensação que eu tive é que a missão ainda não estava terminada e que, eventualmente, o país poderia precisar de mim no futuro. E, portanto, disponibilizei-me mentalmente para estar aberto a esse futuro, ao futuro que se vai revelando daqui para diante.
Tem sido mais difícil estar sempre a responder a questões dos jornalistas ou comandar militares?
São ambientes diferentes. O comando de militares exige muita responsabilidade, porque o poder exercido exige uma grande dose de responsabilidade. Mas em democracia, as nossas ideias e as nossas palavras, quando influenciam a opinião pública, também exigem muita responsabilidade. Nesse sentido, não vejo o período anterior com mais fácil do que o que neste momento estou.
Sabemos que só vai anunciar a sua candidatura à Presidência da República depois das legislativas, mas o assumido candidato Luís Marques Mendes criticou-o por andar a “fingir” e “a fazer de conta” que é candidato. Porque continua a ser proto candidato?
Se já tomei uma decisão, o que vos posso dizer é que já. Mas só assumirei após as legislativas, porque agora é tempo para os portugueses serem informados das diferentes propostas para a futura governação do país. E eu não quero interferir nisso.
O facto de não ter assumido a minha candidatura não me retira, por outro lado, o direito de intervir publicamente ou responder a convites pontuais e expressar o que penso sobre determinados assuntos.
O que diz o candidato que referiu é a opinião dele. Democraticamente tem direito a estas opiniões e eu, democraticamente, também tenho direito às minhas e é em função das minhas que determino quais são as ações que devo ter. Há muito tempo para as presidenciais e há pouco tempo para as legislativas.
O que é importante neste momento é que o público em geral esteja concentrado nas propostas mais imediatas que vão definir a governação dentro de dois ou três meses. Por isso, de uma forma lógica, dou essa prioridade. No entanto, não significa que não tenha opinião. Se os portugueses querem ouvir a minha opinião sobre um determinado assunto não me sinto obrigado a ficar calado. Agora tento ao máximo não interferir na política partidária e nas opções partidárias que estão em cima da mesa para os portugueses, a partir de agora, escolherem o que será a futura governação.
Um dos temas que o senhor Almirante colocou na agenda já há algum tempo foi o tema da Defesa e que com o tempo, veio tornar-se um tema muito importante, não só em Portugal, mas também no resto da Europa. Sendo Portugal um país que na escala europeia é de média dimensão e na escala mundial é um pequeno país, como é que num mundo onde as regras estão a ser postas em causa e onde parece que impera a lei do mais forte, como é que Portugal pode assegurar a sua soberania?
Não há soberania total. Mesmo as superpotências não têm essa soberania. A soberania é sempre relativa e é através da perceção dessa soberania relativa e da utilização inteligente dos diversos fatores de soberania que podemos ou não ficar numa situação melhor ou pior em termos da nossa liberdade de ação.
Parece-me que será através de uma boa diplomacia, da nossa posição geográfica, de alguma soberania que as nossas Forças Armadas ou a Defesa nos podem conferir, das nossas alianças, da nossa cultura histórica e a utilização dessa alavanca que é a nossa cultura e de povos amigos, que historicamente fomos construindo, que temos alguma soberania e ela deve ser multiplicada.
Essa soberania dá-nos independência de decisão, dá-nos opções, permite-nos posicionar no que será mais vantajoso para os interesses portugueses e não estar permanentemente a sofrer nos nossos interesses, pelos interesses de terceiros ou de outras entidades. Mas, de facto, não há soberania total.
Ouça aqui o podcast Soberania especial:
É partilhada no contexto europeu…
No contexto europeu, no contexto atlântico. Portugal é um país europeu. Não há dúvidas sobre isso. Mas desde D. João II, Portugal é também um país atlântico. E é esse atlantismo que nos permite um grau de liberdade superior.
O caminho tem que passar por continuar a contribuir para o projeto europeu, nesta nova fase em que a Europa está a descobrir a sua independência, mas ao mesmo tempo manter uma boa relação com os Estados Unidos, com a China, que já é muito antiga, muito mais antiga do que qualquer outro país europeu. e também, obviamente, com o mundo lusófono?
É claramente isso. A Europa vai ter de se fortalecer, evitando conflitos internos. Devemos participar nesse esforço. No entanto, somos periféricos a um centro político, económico, industrial e tecnológico que se situa algures entre a França, a Alemanha e agora a nova Polónia. Portanto, isso é muito distante geograficamente. Temos outra realidade, uma realidade em que a nossa posição nos dá vantagens.
Vantagens e desvantagens…
Sim. No tráfego marítimo, que é no espaço atlântico, traz desvantagens e vulnerabilidade de segurança, precisamente por essa distância, mas também nos traz vantagens de segurança na distância. É nesse contexto que as nossas decisões devem ser informadas para os nossos objetivos económicos, geopolíticos que devemos operar. Por isso a proximidade com as potências marítimas dominantes, no passado, o Reino Unido, agora os Estados Unidos, o Brasil e Angola, potências emergentes, são essenciais.
E com a China?
Com a China. Temos uma relação histórica de mais de 500 anos com a China e uma boa relação com a China. Não devemos criar inimigos desnecessariamente e, portanto, de forma inteligente, temos de jogar entre aspas, entre os interesses todos que nos rodeiam e tentar ganhar soberania precisamente no nosso posicionamento entre interesses.
E no plano económico? Temos agora um grande banco que vai ser comprado por grupos espanhóis e há quem receio que isso pode pôr em causa a nossa soberania. Na sua opinião, é um tema qualquer governo e qualquer Presidente da República devem estar atentos?
Devemos estar atentos a todo o tipo de soberanias que nos possam condicionar ou alavancar a nossa capacidade de decisão. Agora é importante também percebermos que a economia espanhola e portuguesa está cada vez mais interligada e que, de facto, um solavanco na economia espanhola é um solavanco na economia portuguesa e vice-versa. Mas mais no sentido contrário. Não é porque nós dependemos mais de Espanha do que eles dependem de nós, mas face à proporção. Estar dentro da Península Ibérica com determinado posicionamento favorável a ambas as nações é bom. Só é mau se houver uma tentativa de subalternização. Mas se houver uma tentativa de partilha e de cooperação, pelo contrário, é positivo.
Deixe-me voltar aqui à defesa com uma questão muito prática. Quem tem filhos adolescentes hoje em dia imaginar que podem mesmo ter que ir para a guerra é um pensamento cada vez mais mais presente. O que pode dizer a esses pais neste momento?
Posso dizer que os pais podem ainda ainda dormir tranquilos. Porquê? Porque há três estados, basicamente, nas relações internacionais: o de cooperação, o qual, de alguma forma perdemos com a Rússia, mas não significa que essa perda seja permanente; o de confrontação, que nenhum de nós deseja; e o de dissuasão, o melhor para evitar a confrontação. Neste momento estamos num estado de dissuasão.
A Europa tem capacidade de dissuasão?
A Europa tem muita capacidade para fazer dissuasão. Vou dizer-vos uma fórmula muito simples, conceptual militar, mas que julgo que é importante, que é o poder de um Estado e uma multiplicação de capacidade material versus vontade para usar essa capacidade. Ora bem, vamos lá olhar para a capacidade material da Europa versus a da Federação Russa...
Tem um PIB 10 vezes maior…
Economia 10 vezes superior à russa, população três vezes e meia superior, tecnologicamente muito superior à capacidade russa. O que é que nós temos? Medo. Quer dizer, o nosso território é muito melhor, de dimensão superior, temos muitos mais portos, está muito melhor bem posicionada, não tem uma região de gelo tão grande como tem Rússia...
E o receio é que os Estados Unidos não saiam em defesa da Europa em caso de um ataque? E a motivação da população?
Essa é que é a parte, a da vontade, que é importante. Agora, em termos de capacidades, podemos defendermos e temos uma capacidade muito superior à capacidade da ameaça.
E podemos estar prestes a ter uma proliferação de armas nucleares, inclusive na Europa…
Já lá vou. As armas nucleares é um falso problema. Agora o problema é ter a capacidade e não a querer usar porque não tem vontade, porque tem medo, porque está paralisado, porque seu sistema político não permite congregar a vontade no tempo certo. Isso anula toda a capacidade.
O que a Europa tem que fazer é mostrar que tem vontade. E de facto, estas novas políticas e esta nova afirmação da Europa é eventualmente a coisa mais importante para dissuadir qualquer eventual agressor. Porque se ele tenta a agressão, aí vamos ter que passar a outra fase que nenhum de nós deseja. Portanto, o que eu posso dizer aos pais, voltando à questão, é que ainda podem dormir tranquilos, mas nós todos em conjunto temos que mostrar essa disposição para nos defendermos, porque é precisamente essa disposição que vai evitar termos que nos defender.
Estava a perguntar das armas nucleares…
Mas a Europa tem dois países que, em conjunto têm cerca de 600 ogivas nucleares.
Uma dissuasão credível na sua opinião?
É muito credível. O outro lado, se falarmos da Rússia, tem cerca de 5000 ogivas nucleares, mas bastam dez para arrasar um país.
Acha que é possível haver uma reaproximação que, no fundo, integre a Rússia no concerto das nações?
Não é achar possível. Tem de haver. Mas só vamos passar para a fase outra vez de cooperação se os integrarmos, como se integrarmos a China na economia mundial. Portanto, é através da economia que os interesses comuns acabam por considerar que os outros interesses não comuns sejam menos importantes, sejam relativizados.
Cheguem à conclusão que ganham mais em fazer a paz, porque a paz permite fazer comércio, do que fazer a guerra?
É realmente a essência da resposta. O grande perigo é não percebermos que, se não fizermos a dissuasão, o outro lado pode pensar que pode tomar conta de nós. Mas se o outro lado ficar convencido que não pode tomar conta de nós, vai imediatamente passar para a estratégia de cooperação, porque não tem outra alternativa. E passando para a estratégia de cooperação, nós ganhamos uma paz mundial.
Por falar nessa dissuasão, conhece bem o estado das nossas Forças Armadas. Em dez anos, cerca de 3 mil milhões de euros foram cortados. O efetivo militar tem estado sempre em queda, só em 2024 houve uma ténue inversão. O Presidente da República, Chefe Supremo das Forças Armadas, podia e pode ter um papel mais ativo na definição de uma estratégia para as Forças Armadas?
Constitucionalmente pode e deve, porque sendo ele um dos responsáveis, na lei e na Constituição, por garantir a independência e a soberania nacional, deve ter um papel relevante com a sua opinião. Claro que o Governo é que executa a política de governação, ou seja, é o poder executivo, o presidente, com um papel de aconselhamento, através de alguma de algum posicionamento estratégico, tem uma influência importante.
Na prática, o Presidente ou os Presidentes da República podiam ter feito alguma coisa para não deixar chegar as nossas Forças Armadas ao estado a que chegaram?
Podiam e deviam. No entanto, era difícil na altura, face ao ambiente e à perceção do que era a segurança internacional.
Não era uma prioridade…
Não é transformar isso numa prioridade. É claro que na história da cigarra e da formiga não foram mais cigarras do que formigas. Era impensável há 20 anos termos um conflito desta dimensão na Europa.
Neste momento descobrimos que estarmos protegidos pelo amigo americano e não considerarmos termos uma capacidade autónoma de proteção, pode sair-nos muito caro. Estamos a acordar tarde. Mas não fomos só nós. Foi a Europa toda e, portanto, não vou culpar os anteriores presidentes . Estavam um bocado distraídos. Todos na Europa, não é? Na base da boleia americana.
Só que é curioso que os americanos, enquanto sistema, já dizem desde Obama que a Europa tinha de ajudar. Mas fomos muito preguiçosos. Há um conjunto de políticos que têm uma política de avestruz. Quando têm um problema, metem a cabeça na areia à espera que o problema desapareça. Mas o problema pode agigantar-se.
Agora está toda a gente preocupada com a Defesa. Estamos a falar de 800 mil milhões de financiamento, estamos a falar que a Defesa vai tirar dinheiro ao Estado Social. Todas essas discussões estão em cima da mesa. Mas lembro-me que há um ano fiz um pequeno artigo sobre essa problemática e fui atacado por todo o sistema político.
Ainda há poucos meses, o candidato Marques Mendes criticou uma declaração sua sobre isso...
O candidato Marques Mendes terá as suas posições e terá que explicar as suas posições em termos do registo histórico. Eu, pelo menos, tenho essa vantagem de ter sido coerente. É dessa coerência me ter dado razão.
Na altura, há mais de um ano, olhei para o ambiente internacional e senti-me preocupado. Fui expor publicamente um problema, além de o expor dentro dos gabinetes porque achei que o meu dever de cidadania me obrigava, enquanto especialista, a dar um alerta para o país.
A nível nacional e também europeu têm-se ouvido críticas à forma como funciona o sistema de contratação de material para a Defesa e fala-se inclusive em mudar as regras. Tendo em conta a sua experiência, é de facto algo que faz sentido, agilizar esses processos, sem perder a transparência?
Exatamente. O grande problema é não se perder a transparência. O processo atual é verdadeiramente kafkiano. Ou seja, muitas vezes, quando são disponibilizados recursos às Forças Armadas não há tempo, sequer, no ano económico, para fazer a contratação pública.
Que meios de fiscalização é que também podiam ser agilizados? Como sabe, a área do setor da Defesa é dos de maior risco de corrupção…
O que julgo é que tem de se criar uma simplificação administrativa, se calhar criar um corpo de especialistas completamente independente, da área da defesa e da governação, que faça uma verificação dedicada. Ou seja, indivíduos que estão a fazer essa verificação dedicada. A decisão é dos militares e da governação.
O problema hoje é que temos de edificar um sistema militar em termos das suas capacidades, em dois a três anos, e é impossível com o regime atual. É tipo um comboio de oportunidade que vai passar e nós não vamos conseguir entrar dentro deste comboio.
O material que vamos comprar deve ser europeu ou devemos ir ao que está no mercado americano?
Material português. Não podendo, material com incorporação de qualquer coisa portuguesa. Não podendo, material europeu e não podendo, material americano.
Porque é que eu digo isto? Porque vai haver uma necessidade de fazer um investimento na área da Defesa. Não é uma opção, é quase que uma obrigação. Não sendo opção, como é que devemos fazê-lo para não prejudicar o Estado Social? A única forma é fazer com que estes investimentos promovam tecnologia, que essa tecnologia promova, por outro lado, uma economia de maior valor acrescentado. Sendo uma economia mais produtiva, o mesmo número de pessoas acaba por produzir muito mais recursos e eles acabam por reentrar outra vez no Estado Social.
Ou seja, paga-se mais impostos, cria-se mais emprego qualificado, paga-se mais para a Segurança Social e por aí fora...
É uma reentrada. Ouvi há pouco tempo um especialista militar a dizer que um carro de combate não é de duplo uso. Não é, mas a tecnologia que lá está, de infravermelhos, de sensores, pode ser usada para outra indústria, o que é muito positivo. Um exemplo muito simples: todas as nossas viaturas hoje têm algum sistema de deteção visual do que vai à frente da viatura.
Esses sistemas foram desenvolvidos por sistemas militares, mas podemos desenvolver isso muito mais. Porque os sistemas militares precisam de coisas muito mais sofisticadas. Essa sofisticação pode passar para a indústria automóvel, transformar a indústria automóvel europeia num segmento muito especializado e com muito mais valor acrescentado. E como a indústria automóvel, falo das comunicações, dos satélites, de toda uma panóplia de equipamentos.
Portanto, não é o duplo uso, não é o carro de combate que serve para duas coisas. É a tecnologia para desenvolver uma economia de elevado valor acrescentado de engenheiros, de conhecimento, que produz muito mais riqueza para o mesmo número de pessoas. Produzindo muito mais riqueza, podemos alimentar o Estado Social.
Há vários países como, por exemplo Israel, um país de pequena dimensão, que têm uma indústria Defesa muito grande e os ganhos acabam por ser reinvestidos na economia…
Há uma discussão antiga, que é ter manteiga ou canhões. Os canhões protegem. Se formos inteligentes, não comprarmos tudo de chave na mão, os canhões não só defendem a manteiga como produzem também manteiga. Vão produzir indiretamente essa manteiga.
A outra coisa que são os 800 mil milhões de euros de investimento é um comboio que, se não tivermos cuidado, vai para o centro económico e tecnológico já existente, que é na Europa do Norte, criando uma assimetria superior entre as economias. A nossa economia ainda vai ficar mais para trás. Portanto, temos que entrar nesse comboio e temos pouco tempo para entrar.
É preciso mobilizar a economia nacional para isso…
Vou falar de uma coisa que parece ridícula. A certa altura foi noticiado que estávamos a vender sutiãs para as militares ucranianas. Em vez de a costura do soutien, preferia vender eletrónica ou software. Porque o valor acrescentado é muito superior. Temos de usar esta oportunidade 800 mil milhões de investimento.
Temos empresas, temos a nossa academia. As nossas universidades e até os nossos militares estão bastante evoluídos. Devemos focar-nos em tecnologia transformadora e dentro dessa tecnologia, em áreas espaciais que nos sejam relevantes. Qual é a área espacial? É o território. O nosso território é muito pequeno. Agora, o nosso ar e o mar são gigantescos. Não é algo que não só temos, como temos para praticar e para desenvolver com os outros.
Ao fazê-lo simultaneamente, estamos a adquirir a tal soberania estratégica no momento em que ela está a ser discutida. Repare, há empresas neste momento que querem minerar debaixo de água. É para isso estão a pedir aos Estados Unidos autorizações em áreas que são de outros países. Portanto, repare, a questão de soberania começa. Faço uma lei para proteger a minha área que está sob jurisdição de acordo com a lei internacional. E alguém diz assim “vou aqui minerar porque pedi aos EUA para minerar nesta região usando as leis dos EUA”.
As soberanias e a liberdade de ação é precisamente aqui que estão a jogar e nós, de forma inteligente, também temos de saber usar a nossa diplomacia, a nossa economia e, em último caso, alguma capacidade de defesa.
O que está a acontecer com a Dinamarca, perante os Estados Unidos, é o tipo de cenário que pode acontecer com Portugal, com outra grande potência?
Claro, tudo a ver. Pense no seguinte e agora vou vos dar uma imagem terrível que é em1945, a Conferência de Yalta. Quem é que estava na conferência de Yalta? Os três grandes na altura; Roosevelt, Churchill e Staline. 2/3 eram democratas e acreditavam num mundo baseado na regra da lei e na cooperação, claro que com polos muito fortes.
No entanto, dividiram o mundo em esferas de influência…
Dividiram, mas criaram as Nações Unidas, criaram os primeiros mecanismos. Neste momento, todo esse mecanismo nos últimos 80 anos desapareceu e houve uma grande mudança. Isto é que é importante para as pessoas.
Se houvesse uma conferência de Yalta, quem é a que lá estaria? Putin, o Xi Jinping e Trump. E o que é que eles iriam discutir? Iam discutir regras que beneficiassem a comunidade, equilibradas, ou iam discutir regras que beneficiassem essas três potências de forma descarada? Esta é a nova ordem mundial. E temos que viver nesta ordem mundial. Não podemos pensar que a ordem antiga vai ser recuperada alguma vez porque depois de Trump pode vir outro Trump. É esta a nova ordem. Eu gostaria de viver no paraíso, mas vivo na Terra.
O Presidente da República é um órgão de soberania unipessoal, na pessoa do Presidente. Além de ser o grande defensor da Constituição, também tem que ser o grande defensor da soberania?
O Presidente da República está numa posição extraordinária porque não só é eleito como é eleito diretamente. Não depende do sistema político- partidário e, portanto, deve ser aquele que induz no sistema de governação, por influência, uma visão de longo prazo e não uma visão de curto prazo.
Quando o Presidente da República se imiscui nos assuntos político partidários da pequena aldeia, está a imiscuir-se nos assuntos que não são dele. Depois está a perder a tal visão de longo prazo. O que ele tem de fazer é que as pessoas que estão a discutir as coisas da aldeia comecem a discutir as coisas da cidade e do mundo.
Deve comentar as coisas de aldeia?
Os portugueses farão o seu julgamento. No meu caso, se tivesse numa posição dessas, achava que devíamos estar preocupados é com a estratégia de médio longo prazo. Isso é que é a estratégia que o Presidente, com a sua influência, deve exercer.
Os nossos empresários precisam de estratégias de médio e longo prazo para fazer os seus investimentos. O nosso país, o que é que o Estado considera mais importante ou menos importante.
Na esfera económica, Portugal pode aprender alguma coisa com Espanha, por exemplo na forma como internacionalizam as empresas?
Temos muito, muito a aprender. Eu escrevi um artigo há pouco tempo sobre a área económica, onde digo que não temos de ser pobres. Há a velha máxima pobre é honrado, eu prefiro rico e honrado. Quer dizer a economia e a estratégia económica e com isso, uma estratégia de soberania no sentido de termos a máxima liberdade de ação possível dentro do nosso contexto geográfico e do nosso potencial. Ela deve ser perseguida, mas com ideias de médio e longo prazo.
Agora, o Estado, para garantir que essa economia possa florescer, tem de criar as condições básicas. A nossa justiça é lenta relativamente a assuntos económicos, a burocracia sobre a economia é terrível. É tudo lento, é tudo difícil. É tudo kafkiano. Há uma desconfiança dos empresários. Parece que são criminosos. Não são. Fazem o seu trabalho. Toda essa estrutura e toda essa cultura acaba por deprimir a economia. E depois queixamo-nos que andamos a distribuir pobreza em vez de riqueza.
Estamos a falar de um setor que, para ser bem sucedido, para ter esta estratégia, tem que haver algum nível, não digo de proteção, mas de ligação entre o Estado e a Defesa…
Uma ligação em termos de objetivos estratégicos e de ambiente previsível. não é uma ligação no sentido de uma ligação promíscua que depois desenvolve todo um conjunto de coisas negativas, incluindo as coisas que depois podem afetar a própria governação e a credibilidade da governação. Queremos empresários livres do Estado e um Estado que lhes dê previsibilidade e lhes garanta um ecossistema bom para desenvolverem os seus negócio.