O que diz a lei? “Não há lugar à realização de eleições intercalares nos seis meses” antes ou após as autárquicas. E, se as houver, devem acontecer “dentro dos 60 dias posteriores”ao motivo que as levou a convocar (neste caso, a separação de 135 uniões de freguesia). O número é superior àquele que o grupo de trabalho da separação das freguesias havia inicialmente designado. O plano inicial definido pelos deputados era separar 124 uniões de freguesia.Este é um dos cenários em cima da mesa, caso seja aprovado o projeto de lei que esta sexta-feira vai a votos no Parlamento, que procura reverter a união de freguesias, separando 135 daquelas que atualmente estão em vigor desde 2013. Nesse ano, por imposição da troika, Portugal teve de fazer uma reorganização administrativa. A chamada “Lei Relvas” (assim batizada por ter sido feita pelo então ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares, Miguel Relvas) resultou em várias agregações de freguesias, passando o território nacional a ter 3092 freguesias (ao contrário das anteriores 4259).Mas, além das possíveis eleições intercalares (que teriam de ser realizadas já em 2026), há outro cenário que poderá concretizar-se. Apesar de o diploma que os deputados vão discutir e votar estabelecer que a separação de freguesias “se efetivará na sequência das eleições autárquicas de 2025”, quando se for a votos, os boletins podem já ter os candidatos às ‘novas’ freguesias, que irão corresponder às existentes antes da desagregação..Acordo entre PSD, PS, BE, PCP, Livre e PAN propõe "novas" 296 freguesias.Para isso, é preciso que todos os prazos sejam cumpridos - mesmo que apertados. Ora, segundo o projeto de lei (subscrito por todos os partidos à exceção de Chega e IL), as datas são apertadas: estipulando a criação de comissões de instalação em cada uma destas freguesias. A constituição - que deve ter “o presidente da junta a extinguir”, um representante “de cada partido ou grupo de cidadãos” na assembleia de freguesia e “entre quatro a cinco” eleitores de cada local - deve ser comunicada até 31 de maio de 2025. Mas a tomada de posse só acontecerá a 1 de julho. As eleições autárquicas acontecerão meses depois, em setembro/outubro, o que obrigaria a que tudo (processo de separação e novos candidatos, por exemplo) esteja fechado algum tempo antes..Pelo meio, o projeto de lei (que, ao que tudo indica, será aprovado) ainda terá de ir a Belém, para receber (ou não) o aval do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e depois será referendado por Luís Montenegro, primeiro-ministro. Só depois entrará em vigor..Parlamento retoma trabalhos. IVG e freguesias são temas quentes.Estas alterações têm, no entanto, um custo associado. De acordo com os dados publicados no Portal Autárquico, em 2024, um presidente de junta que exercesse o cargo em exclusividade ganharia, no mínimo, 1311 euros por mês. Mas estes montantes - indexados por lei ao vencimento do Presidente da República - podem variar segundo a população de cada freguesia. No máximo, os vencimentos podem chegar aos 2048 euros, para freguesias com mais de 20 mil eleitores.Calculando, pelos valores mais baixos, os 135 autarcas que vão surgir desta reforma implicarão um custo adicional de 216.315 euros por mês. Multiplicando este valor pelos 12 meses do ano, a despesa total em vencimentos só dos presidentes ascende aos 2.580.048 euros. Se se alargar esta análise aos quatro anos de mandato, são mais de 10,3 milhões de euros a sair dos cofres do Estado.Anafre e ANMP deram parecer positivoApesar das críticas - incluindo do próprio ex-ministro Miguel Relvas -, a Associação Nacional de Freguesias (Anafre) foi favorável ao processo de separação. Não obstante, no passado, ter-se queixado da falta de informação acerca do tema..“Congratulando-se pela concretização e finalização do procedimento”, a Anafre deixa contudo alguns “reparos” ao projeto de lei, nomeadamente em relação aos “prazos fixados” pelos deputados. Segundo a Anafre, as datas definidas são “de difícil cumprimento, tendo em conta o vasto trabalho a desenvolver para a realização e finalização de todo o procedimento”. Ainda assim, acredita que “as freguesias e os respetivos intervenientes estarão à altura de tal desafio”..302: o totalAo todo, após esta reforma, serão criadas 302 ‘novas’ freguesias, após a separação de 135 uniões. Isto implica que haja mais 165 autarcas..Já a Associação Nacional de Municípios (ANMP) disse também “nada ter a opor” enviou à comissão de Poder Local um parecer sobre o tema. Dizendo “nada ter a opor” e realçando o “papel fundamental” que a associação diz que “as freguesias assumem na resposta aos interesses das populações, pelo que resultando a mesma da vontade política expressa pelas populações através dos seus legítimo representantes”.Por isso, e tendo em conta este “papel fundamental”.Ontem, o PCP propôs ainda que todos os processos de desagregação que foram chumbados pelo Parlamento passem a ser reconsiderados. Segundo explicou o deputado Alfredo Maia, esta iniciativa quer “repor a justiça e satisfazer uma exigência legítima por parte das populações, especialmente através dos órgãos legítimos que as representam e que prepararam, aprovaram e submeteram à Assembleia da República todos aqueles processos que não foram, infelizmente, contemplados na votação quer no grupo de trabalho, quer na comissão de poder local e coesão territorial”.Miguel Relvas: “Esta reforma é um erro que vamos pagar caro”Qual é a sua perspetiva em relação a esta reforma, tendo em conta que foi o próprio que a operacionalizou há 12 anos? Como vê o que está a acontecer?O Parlamento e o Presidente da República têm toda a legitimidade em fazê-lo. Não ponho essa questão, mas acho que se pagou um preço. Quem teve de tomar as decisões pagou um preço por uma reforma que era muito importante para o país. Nós temos Estado a mais e mau Estado. Era isso que esta reforma significava. Portanto, foi feita, numa primeira fase, em freguesias, mas depois seguiria até termos de passar para fundir municípios. Temos de fazer coisas. Agora, a grande questão que se coloca aqui é de que há um retrocesso. Dez anos depois, já tivemos duas eleições autárquicas, e não houve boicotes, não houve bloqueios. Foram fundidas 1168 freguesias, ganhou-se escala, ganhou-se dimensão, e, comprovadamente, não há problemas com a prestação do seu serviço às populações. É estranho, que passado este tempo, por razões de politiquice local, em alguns casos, para que possam ter maioria com maior facilidade na Assembleia Municipal, se vá fazer - não cumprindo sequer a lei - um retrocesso que só traz problemas às populações. Não consigo compreender..61: mais freguesiasDe todos os concelhos que têm uniões a ser desagregadas, Barcelos é aquele que mais freguesias tem: 61. E vai ganhar mais seis. O concelho já chegou a ter 82..E como vê a posição do PSD, que está a dar a mão ao PS para ‘desfazer’ uma coisa que o próprio partido fez, quando era Governo?Nestes oito anos, a meu ver, o PS tentou reverter uma série de medidas do governo anterior. Surpreende-me isto tudo. A história não deixará de interpretar tudo isto. Sabe, não tenho da política uma visão ou um sentimento nostálgico. Tenho uma visão de serviço público, tenho uma noção da eficiência das medidas e do que se concretiza. A grande questão que se coloca aqui é que, passado este tempo, a reforma das freguesias resultou. Por que se vê isso? Não houve contestações, não houve aquilo que, porventura, noutros momentos, aconteceu que foram os bloqueios de eleições. O que me surpreende, agora, é ver, nesta reforma, que os municípios em zonas mais deprimidas e com mais dificuldades é que estão a voltar a dividir-se. Os grandes municípios, que já são grandes, já são fortes, já são mais ricos, não seguem esse caminho. E depois queixem-se de o país ser muito disperso e de não ser um país equilibrado no desenvolvimento..16: mais separaçõesVila Nova de Gaia é, dos quase 70 concelhos com uniões a serem desagradas, aquele que mais freguesias ganhará: 16..Em ano de autárquicas, que imagem é que isto pode dar da política nacional?Para mim, isto é aqui um retrocesso. Estas medidas são mais um. Nós deveríamos estar a fazer o caminho oposto. Dar musculatura às nossas instituições. Não é por acaso que quer em Lisboa, em Cascais, ou até no Porto, ou seja, nos grandes municípios não há uma tentação de seguir este caminho. Temos 3000 freguesias atualmente [só no continente]. É aceitável. Agora vão criar-se quase 300 novas freguesias. Quantos cargos políticos voltaremos a criar novamente? Que despesa vai isto fazer? Esta reforma é um erro que, mais uma vez, vamos pagar caro.Notícia atualizada no dia 16 de janeiro, pelas 11:20, para retificar o número de freguesias a repor-