Estreia-se enquanto deputado [entretanto foi eleito secretário da mesa. Esta entrevista foi realizada antes], mas não é um novato no Parlamento, uma vez que era chefe de gabinete desde 2022. Que expectativas tem, agora, para esta nova função?Tenho praticamente três anos neste função de chefe de gabinete, entrei na 15.ª legislatura. Digamos que conheço os procedimentos internos do Parlamento e a forma como as coisas funcionam. Isso não é propriamente uma vantagem, mas é um conhecimento adquirido na função anterior, que é muito transversal. Mas, na realidade, a função de deputado é naturalmente diferente e implica uma responsabilização direta junto do eleitorado. A expectativa que temos neste momento é que o Governo possa durar quatro anos. O resultado eleitoral é claro, os portugueses foram claros quanto ao mandato atribuído à AD, para poder governar quatro anos. Aumentámos o número de deputados, aumentámos a distância para o PS e para o Chega. Julgo que há condições para que as oposições deixem o Governo trabalhar com estabilidade para prosseguir a transformação do país, porque foi isso que os portugueses disseram nas urnas.Essa estabilidade é a falar com ou sem o Chega?Essa estabilidade é no quadro parlamentar que resultou da vontade dos portugueses. Vamos ter de ser, digamos, o fiel de uma balança que os portugueses estabeleceram com os pesos e com os equilíbrios que são conhecidos. Vamos ter que, do meu ponto de vista, conversar com todas as forças que estão no Parlamento para encontrar as soluções que são necessárias para o país. .Governo: Tudo igual, menos duas novidades, duas ‘remisturas’ e uma promoção .Isso inclui que áreas? Há áreas-chave para dialogar ou inhas vermelhas?O programa da AD foi o programa que venceu as eleições e é com o programa da AD que vamos governar o país. Foi essa a vontade maioritária do povo português. A partir deste pressuposto, teremos de encontrar o enquadramento parlamentar necessário para ter o apoio que é necessário para concretizar esse programa. Sendo certo que o que aconteceu na legislatura anterior foi que o Partido Socialista, depois de ter passado por acordos com a extrema-esquerda do Bloco e do PCP na fase da geringonça [2015], entrou numa fase em que se coligou com o Chega, chegando ao clímax de derrubar o Governo, porque foi isso que objetivamente aconteceu. Portanto, essa pergunta tem de ser devolvida aos partidos da oposição. É preciso saber se estão ou não na disposição de respeitar a vontade do povo português. Os partidos da oposição têm de ter agora a responsabilidade de deixar o Governo governar com estabilidade, porque foi essa a vontade dos portugueses.Um tema de que se tem falado muito e que parte também do facto de o Parlamento ter ficado com uma maioria direita bastante mais vincada é a questão da revisão constitucional. Admitem avançar, qual é a vossa perspetiva, até tendo em conta que era um tema que não entrou na campanha eleitoral em momento algum?Diria que essa não é seguramente uma das prioridades dos portugueses. Tanto assim é que na campanha eleitoral ninguém falou sobre isso. Naturalmente que o Parlamento tem os poderes constitucionais que lhe estão atribuídos. Se essa questão se colocar, a AD não deixará de respeitar o seu património, com a certeza de que temos um percurso histórico de 50 anos e com a certeza de que o vamos respeitar. Neste momento, julgo que essa questão não se coloca.Que prioridades estabelece para o mandato?Fui eleito pelo distrito de Évora, dito de baixa densidade. Julgo que há um problema permanente em todos estes territórios a que não gosto de chamar “interior”, porque no espaço peninsular o interior de Portugal é um espaço central. A zona mais interior da Península Ibérica é Madrid e não deixa de ser a maior área metropolitana da Península. Mas, na realidade, há um problema, que acho ser estrutural do próprio regime, que é o problema da representatividade dos territórios que hoje são de baixa densidade. Toda a faixa que vai hoje, que vai desde Vila Real até Beja - ou seja Vila Real, Bragança, Guarda, Castelo Branco, Portalegre, Évora e Beja - é representada por um número exíguo de mandatos parlamentares e isso obviamente tem, pela natureza das coisas e dessa representatividade, uma consequência direta na tomada da decisão política. E não vamos ter contemplações quanto a isso. Enquanto esse problema não for resolvido, estaremos a falar única e exclusivamente de proclamações de boa-fé. A política não se faz de proclamação, faz-se de representatividade e se as regiões não conseguirem inverter esse desequilíbrio de representatividade que hoje têm, vai ser muitíssimo mais difícil poder inverter o declínio económico, demográfico e de desenvolvimento que tiveram nos últimos 30 ou 40 anos.Como se contorna esse desequilíbrio? O círculo de compensação serviria?O círculo de compensação, na minha opinião, só resolve a questão dos votos desperdiçados resolve nenhum problema do interior do país, nem das zonas sub-representadas. Essa representação faz-se redistribuindo os mandatos de forma a reforçar a representatividade dos círculos do interior do país. Ou seja, introduzindo o elemento territorial na distribuição dos mandatos. Diria que a solução ideal seria nenhum círculo ter um número mínimo de deputados. Não é preciso fazer um círculo de compensação, mas sim reequilibrar a distribuição dos mandatos de forma a que as zonas de baixa densidade tenham uma representatividade política maior. O círculo de compensação pode resolver o problema matemático dos votos pelo país que não elegem mandatos, mas não resolvem o problema da sub-representação dos territórios com baixa densidade populacional..Patrícia Gonçalves: “Não é uma revisão constitucional que vai resolver os problemas do país”.E a descentralização podia ter um papel a desempenhar para tentar aumentar essa representatividade?A descentralização até hoje não resolveu este problema. Nem a descentralização, nem o municipalismo. Em 1998, no referendo da regionalização, toda a gente proclamou muitas virtudes do municipalismo e das autarquias. Mas as árvores conhecem-se pelos seus frutos. O resultado da descentralização e do grande trabalho que as autarquias locais tiveram, e tiveram nos últimos 50 anos, não foi suficiente para impedir que as zonas que hoje são de baixa densidade demográfica invertessem o ciclo de depressão económica e demográfica. Não foi suficiente o que fizemos até hoje. Volto a acentuar isto: a descentralização e o reforço dos poderes autárquicos, que até houve nos últimos anos, nas áreas da saúde e da educação, tudo isso é positivo. Mas não é suficiente nem vai conseguir inverter o ciclo de subdesenvolvimento dessas regiões. Qual é a sensação de ser deputado por este distrito?É um sentimento de compromisso e de responsabilidade. Sou eborense, obviamente que é um grande sentido de responsabilidade e de compromisso. Estou no Parlamento não só para representar os que votaram em mim, mas também sobretudo os que desta vez ainda não o fizeram. Estamos aqui para resolver os problemas das pessoas. É essa a função dos políticos. Pode haver as proclamações retóricas que entenderem, mas temos de nos focar na resolução dos problemas das pessoas. Esse é o nosso foco. Por exemplo, há concelhos no país que não têm uma creche hoje em dia. Um deles é Mourão, que foi governado nos últimos 25 anos pelo PS. O IP2, por exemplo, é uma via estruturante entre Évora e Estremoz e está por concluir há quase 30 anos. Foi o governo da AD que desbloqueou essa obra. Vila Viçosa, por exemplo, é um dos quatro concelhos que não têm biblioteca municipal e que a autarquia [governada pelo PSD] está a desenvolver. Não nos podemos deixar acantonar em complexos ideológicos para não resolver a vida das pessoas. A esquerda tem enchido a boca com o património do bom coração ao longo dos últimos 50 anos, mas em oito anos de Governo não construiu um hospital no país, por exemplo.É assim que se combatem os extremismos?Não tenho nenhuma dúvida sobre isso. As pessoas querem resolver os problemas das suas famílias, da sua vida, das suas regiões, das suas terras. Todas as pessoas procuram uma coisa muito simples, que é a sua felicidade. As políticas públicas têm uma palavra muito importante nisso. E quem foi responsável pela execução das políticas públicas falhou às populações, que acabaram por procurar novas soluções. Compete-nos estar à altura dos desafios..Patrícia Almeida (Chega): “Temos o melhor parlamentar de sempre, que é genial e um visionário”.Sofia Pereira, líder da JS: “O PS precisa mesmo de fazer uma reflexão um pouco mais aprofundada”