Em 230 lugares no hemiciclo, 65 [28,3%) são ocupados por parlamentares – homens e mulheres – que estudaram Direito, em vários graus académicos. Nesta receita para constituir uma sala que decide os destinos do país, há ainda 33 que são professores, sendo que, nalguns casos, acrescentem à docência a atividade de psicólogo, advogado ou veterinário. No panorama parlamentar surgem também vários consultores, um adjunto, um chefe de gabinete, vários assessores, um funcionário do PCP, dois jornalistas, uma operadora de call center e três autarcas. Mas estas são as ocupações que tinham antes de entrarem no Parlamento e, eventualmente, às quais regressarão depois de deixarem a atividade legislativa. Há ainda quem tenha, aos 21 anos, interrompido a licenciatura em Direito para integrar a bancada do Chega, como é o caso de Madalena Cordeiro, que, com 21 anos, é mais nova deputada desta legislatura.“Há deputados bastante jovens que praticamente saltaram dos bancos da universidade para os bancos do Parlamento”, ilustra o investigador em Ciência Política Jorge Fraqueiro, com um pós-doutoramento intitulado a Renovação ou estagnação dos deputados (1976-2019), com quem o DN conversou com o objetivo de criar um esboço da atual Assembleia da República. “Há uma enorme falta de experiência em alguns casos, que não podem contribuir da mesma forma com o seu conhecimento para a atividade da Assembleia da República comparativamente com outros que tiveram atividades privadas antes de assumirem as funções de deputados”, sustenta Jorge Fraqueiro, sem referir nenhuma situação em concreto, até porque o seu estudo não incide no Parlamento que saiu das eleições legislativas de março de 2024.Ainda assim, o investigador defende que a “formação, quer seja ela académica, quer seja de experiência vivenciada, em diversas profissões”, é fundamental para a atividade de deputado, até porque, explica, “quanto mais profissões houver na Assembleia da República, maior é a diversidade, maior é a cultura de opiniões que podemos ter para a formação da casa da democracia e das novas leis”.Questionado sobre se um partido, ao alargar o espectro de profissões entre os candidatos a deputados, que aparecem nos círculos eleitorais em lugares elegíveis, não estará também a tentar chegar a um eleitorado mais vasto, Jorge Fraqueiro duvida e responde com uma pergunta, deixando a resposta derradeira a cargo dos políticos: “Os partidos optam por um conjunto de profissões mais alargadas e com menos formação académica porque o objetivo é captar mais gente, mais eleitorado para esse partido político, ou é porque não conseguem captar para si quadros de referência?”No que diz respeito aos estudos dos deputados, e baseando esta análise exclusivamente na informação disponível na página oficial do Parlamento, há de tudo, desde quem tenha completado apenas o “ensino primário”, como é o caso do deputado do Chega José Dias Fernandes – que indica que a sua profissão é empresário –, até aos 21 parlamentares que têm doutoramento (oito são do PS, cinco do PSD, quatro do Chega e ainda quatro distribuídos por IL, BE, PCP e Livre).Ainda sobre formação superior, um deputado tem um bacharelato, 132 deputados (57,4%) são licenciados, sem progressão para outro grau, enquanto 51 têm mestrados.Nos perfis dos deputados aparece também informação sobre os cursos que não concluíram, como é o caso de 14 parlamentares (6,1%) que indicam que frequentaram licenciaturas, o que se traduz em ensino secundário completo.Para Jorge Fraqueiro, mais importante do que a formação académica, é a questão da “literacia em Portugal”, isto é, de uma forma muito genérica, a capacidade de interpretar e produzir conteúdos escritos e movimentar-se numa determinada área do conhecimento. O investigador diz acreditar que Portugal tem um “grau de literacia relativamente baixo” e desabafa que gostaria de ver as coisas de forma diferente.Para fundamentar o seu desejo, o académico sugere que se imagine um Parlamento composto por deputados que, independentemente da sua profissão de partida – “eletricista, canalizador” –, tivessem também “uma formação mais sustentada em termos académicos”, o que, na sua perspetiva, dignificaria o órgão de soberania. “[O deputado] chegaria com um conjunto de instrumentos de experiência de vida, mas também com um conjunto de instrumentos relacionados com a investigação, o seu trabalho aturado”, explica.Afinada com esta ideia de Jorge Fraqueiro, surge a deputada do BE Isabel Pires, que, embora tenha um mestrado em Ciência Política, no seu perfil parlamentar, na secção dedicada à profissão, colocou “operadora de call center”. Também Hugo Oliveira, do PS, licenciado em Ciências da Comunicação, é “operário fabril”.Como corolário desta ideia, Jorge Fraqueiro diz que não duvida da “competência” de um deputado que só completou o ensino básico, mas também assegura que “não terá as mesmas aptidões técnicas – ou, pelo menos teoricamente, não terá – que outro que tem uma formação académica diferente”.Por outro lado, para equilibrar os pratos da balança, o investigador também explica “que nada indica que os que têm doutoramento serão melhores. Aquela ideia do senhor professor doutor que acha que sabe mais que os outros, que se coloca no pedestal, que não tem dúvidas, que aquilo que ele diz é que é verdade, não funciona.” No Parlamento atual, tal como aconteceu na sequência das eleições legislativas de 2019, as profissões predominantes entre os deputados são as relacionadas com Direito: há 16 advogados (só um deles é que refere que tem a inscrição da Ordem suspensa a pedido do próprio e dois indicam que são também professores), 15 advogadas (duas delas são também professoras universitárias) e 19 juristas.Nesta análise, saltam também à vista as 76 mulheres (33% dos 230 deputados, ou um terço) com mandatos, que, ainda longe de uma ideia de paridade, representam uma evolução face ao início da democracia, revela Jorge Fraqueiro. “Tem havido um aumento considerável do género feminino ao longo dos anos, entre 76 e 91. Só tínhamos cerca de 3,5% de senhoras no Parlamento.” A análise às profissões dos deputados acaba por se confundir com o desempenho das suas funções públicas, que muitas vezes são a sua profissão mesmo que o perfil indique outra coisa.Há deputados que estão há mais de seis legislaturas em funções. Jorge Fraqueiro considera que ser deputado “deveria ser uma ocupação temporária”, não só para permitir a entrada de ideias novas mas porque, os parlamentares deveriam “ter uma atividade privada que lhes permitisse, quando saíssem, ter a sua carreira assegurada”.Alexandra Leitão é a líder parlamentar que mais estudouComo acontece na Assembleia da República, entre os líderes parlamentares também é a formação em Direito aquela que predomina. Pelo PS, Alexandra Leitão colocou como profissão, no seu perfil na página do Parlamento, “jurista e professora universitária”, o que é coerente com a sua formação, que passou por um doutoramento em Direito. No outro lado, com a profissão de empresário, surge o líder da bancada do Chega, Pedro Pinto, que não concluiu a licenciatura que frequentou, em Direito.Do lado do Governo, tanto Hugo Soares, do PSD, como Paulo Núncio, do CDS, são advogados, licenciados em Direito, mas o social-democrata frequentou um mestrado na mesma área, que não concluiu.A deputada única do PAN, Inês de Sousa Real, é jurista, licenciada em Direito e mestre em Direito Animal e Sociedade. Tem ainda uma pós-graduação em Ciências Jurídicas e Contencioso Administrativo.O único sociólogo que aparece nesta análise é Fabien Figueiredo, com 36 anos, que, para além da licenciatura em sociologia, não acabou o mestrado que iniciou na mesma área.Enquanto a líder parlamentar do PCP, Paula Santos, é licenciada em Química Tecnológica, exercendo a profissão homónima, a líder da bancada do Livre, Isabel Mendes Lopes, é engenheira civil, com mestrado em Mobilidade e Transportes.Mariana Leitão, da IL, é gestora licenciada em Relações Internacionais.