Antecipando-se às críticas da oposição à ministra da Saúde, o primeiro-ministro Luís Montenegro aproveitou a intervenção inicial no debate do Estado da Nação, que decorreu ao longo de quase cinco horas na tarde de quinta-feira, para fazer o anúncio de um suplemento extraordinário, que será pago em setembro, para os pensionistas que recebem até 1567,50 euros. A medida será aprovada no Conselho de Ministros desta sexta-feira, tal como a proposta de lei que reduz o IRC para 19% em 2026, com descida para 15% nos primeiros 15 mil euros do lucro tributável a pequenas e médias empresas, e um alargamento do apoio aos professores deslocados das áreas de residência para todos os docentes da escola pública. O pagamento de 200 euros a quem recebe pensões até 522,50 euros mensais, de 150 euros para quem recebe entre 522,50 e 1045 euros, e de 100 euros para quem recebe de 1045 a 1567,50 euros, veio na sequência do quadro otimista que o primeiro-ministro apresentou à Assembleia da República. “Portugal está melhor do que há um ano e projeta-se para estar melhor do que está hoje. Há fundadas razões para ter confiança”, disse Luís Montenegro, enumerando “decisões com base na agenda transformadora” do Governo, da redução de 500 milhões de euros no IRS ao arranque da reprivatização da TAP, passando pelo “tema de extrema importância” do controlo à imigração. Dizendo que o Governo “está aqui para cumprir uma legislatura de quatro anos”, o primeiro-ministro defendeu que os eleitores disseram às oposições, nas legislativas de 18 de maio, que “a obstrução sistemática já não serve”. Mas nem por isso deixou de ouvir críticas de André Ventura, com o presidente do Chega a tirar partido do estatuto de líder da oposição para ser o primeiro a interpelar Montenegro.Ventura criticou a intervenção inicial do primeiro-ministro por dedicar apenas “16 segundos a falar de saúde quando há portugueses a passar anos à espera de uma consulta ou de um ato cirúrgico”, dizendo-lhe que “podia citar Sophia [referência à frase “somos a memória que temos e a responsabilidade que assumimos”, que o primeiro-ministro atribuiu, erradamente, a Sophia de Mello Breyner, quando na realidade era de José Saramago], Bocage ou quem quer que seja desde que dissesse às pessoas como vai resolver os problemas da saúde”. E defendeu que o PSD “não pode dizer que anda a lutar contra a corrupção” enquanto apoia as candidaturas independentes de Isaltino Morais e de Maria das Dores Meiras às câmaras de Oeiras e de Setúbal, nas eleições autárquicas de 12 de outubro. Mas Ventura não tardou a virar a mira para os socialistas, acusando o programa Creche Feliz de “ter servido apenas para militantes do PS”, enquanto milhares de famílias portuguesas não têm onde deixar as suas crianças. Para o final, após dizer a Montenegro que o primeiro-ministro “estava habituado à oposição frouxa do PS”, e de acrescentar que “a de José Luís Carneiro ainda é mais frouxa do que a do líder anterior”, Ventura virou-se para o outro lado do hemiciclo, onde Carneiro estava ao lado do líder parlamentar Eurico Brilhante Dias, e sentenciou: “Estão a ver, PS, era assim que deviam ter feito oposição.” O novo secretário-geral socialista, que só pôde intervir após o líder parlamentar social-democrata Hugo Soares, teve a intervenção marcada pelo incidente em que chamou “fanfarrão” ao líder parlamentar do Chega. Mas também acusou Luís Montenegro de liderar um Governo que sofreu “um apagão nas políticas públicas” e de “deixar os democratas portugueses perplexos” por ter decidido “alterar a política do ‘não é não’ para o ‘sim é sim’” no relacionamento com o partido mais à direita do hemiciclo. Algo que se traduziu em alterações à Lei da Nacionalidade que disse serem “uma irresponsabilidade” passível de afetar as relações de Portugal com os países lusófonos.Pressionando o primeiro-ministro a desmentir a existência de um acordo entre a AD e o Chega, o que este fez, reafirmando o compromisso de que “não estabeleceria nenhum acordo permanente” com qualquer partido da oposição, estabelecendo contactos com os dois maiores nas várias matérias, José Luís Carneiro voltou a posicionar-se contra quem acabara de lhe oferecer lições sobre a forma de fazer oposição. “Não nos habituaremos à desumanidade, à violência e ao ódio que estão a tomar conta da sociedade portuguesa”, disse.Os ataques entre Chega e PS não pararam ao longo de todo o debate, que na parte final ainda teve uma troca de acusações entre André Ventura e Eurico Brilhante Dias. Após o líder parlamentar socialista dizer que a AD construiu com o Chega “um bloco radical que não olha para as medidas que toma”, o presidente do Chega contra-atacou quem lhe apontava estar no colo do Governo. “O Chega nunca dará colo à corrupção, como vocês deram durante 50 anos”, disse, enumerando nomes de figuras ligadas ao PS, como o antigo primeiro-ministro José Sócrates e o ex-ministro Manuel Pinho. Mas sem esquecer uma farpa ao PSD, ao dizer que o partido, do qual já foi militante e candidato, “deixou cair o D para ficar igual ao PS”..Montenegro apresenta subidas de pensões e descida do IRC no debate Estado da Nação.Entre os restantes partidos, a líder parlamentar da Iniciativa Liberal, Mariana Leitão, prestes a tornar-se presidente do partido, questionou o modelo de privatização da TAP, que disse ser “uma oportunidade perdida”, bem como o “maior exemplo de falhanço do Estado”, que é a Saúde. Ouviu de Montenegro críticas de “quase fanatismo”, tornando-se “difícil levar o discurso a sério” quando os liberais “acabam por quase descolar da realidade”. Já para o co-porta-voz do Livre, Rui Tavares, o Governo fez de André Ventura “o líder da situação”, dispensando-o de apresentar um Governo-sombra - o que este garantiu, à saída do debate, ir fazer em setembro, “mesmo que Cristo desça à terra” -, pois “o Governo está à sombra do Chega”. No mesmo registo, o secretário-geral do PCP, Paulo Raimundo acusou o primeiro-ministro de “utilizar a extrema-direita como abre-latas” em determinadas políticas, e de “estar com muita arrogância que ainda lhe vai estourar na cara”.Depois de o líder parlamentar do CDS-PP, Paulo Núncio, fazer o elogio do suplemento extraordinário, recordando que tinha perguntado, no debate de investidura do Governo, se haveria margem financeira para o pagar, os três deputados únicos dispararam em várias direções. Mariana Mortágua realçou que os encerramentos de urgências de Obstetrícia “são particularmente cruéis para mulheres pobres, que não têm alternativa”, apontando o “caso paradigmático” da grávida do Barreiro que perdeu o bebé quando estava a ser encaminhada para o Hospital de Cascais. O tema das maternidades também foi abordado por Inês de Sousa Real, do PAN, com críticas à situação no INEM, enquanto Filipe Sousa, do Juntos pelo Povo, perguntou ao primeiro-ministro se estaria disponível para discutir um sistema fiscal próprio para as regiões autónomas dos Açores e da Madeira. A pergunta ficou sem resposta, mas soube-se que haverá um Conselho de Ministros com a participação dos presidentes dos governos regionais.PS contesta Aguiar-Branco após criticar Carneiro por chamar “fanfarrão” a Pinto .O debate do Estado da Nação ainda estava no início, com Luís Montenegro, André Ventura e Hugo Soares a serem os primeiros intervenientes, quando o presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco, foi contestado pela bancada socialista pelo reparo que fez ao secretário-geral do PS, José Luís Carneiro, após este tratar o líder parlamentar do Chega, Pedro Pinto, por “fanfarrão”.“Até hoje nunca encontrei um deputado tão fanfarrão quanto o que está a lidar aquela bancada”, disse Carneiro, por Pedro Pinto ter referido um acordo entre o Governo e o Chega. E desafiou o primeiro-ministro a desmentir ou esclarecer o entendimento.Terminada a intervenção do líder do PS, Aguiar-Branco dirigiu-se a Carneiro, destacando a “forma urbana como geralmente se dirige” aos outros parlamentares, para fazer o reparo: “Não me parece que dizer que um colega é fanfarrão seja tratamento urbano.”A chamada de atenção do presidente da Assembleia da República foi contestada pelos socialistas, com o líder parlamentar, Eurico Brilhante Dias, a queixar-se da “flexibilidade bastante maior” para com o Chega, visto que André Ventura empregara um termo ofensivo, ao classificar a oposição de José Luís Carneiro como “a mais frouxa que conhecia”. Mas foi Pedro Delgado Alves, que assumiu a liderança interina da bancada do PS no início da legislatura, a destacar-se nos ataques. Dizendo ser deputado há muitos anos, e que as suas palavras o vinculavam a si “exclusivamente”, acusou o presidente da Assembleia da República de falta de coragem com “a extrema-direita que estraga o debate parlamentar”. Com o alvo da interpelação a ouvir, impávido e sereno, acrescentou: “Tenho vergonha da intervenção que o senhor presidente acabou de proferir porque mostra dualidade de critério.”Aguiar-Branco minimizou a polémica. “É diferente fazer a referência de que uma determinada liderança é frouxa, ou uma determinada ideia absurda ou abjeta, e dizer que determinada pessoa é frouxa, abjeta ou um fanfarrão”, disse aos deputados. Mais tarde, escreveu no Instagram que “o Parlamento é mais do que os incidentes em plenário”, mas, “quando acontecem, é preciso defender o que está certo”: “Um Parlamento onde se discutem ideias e não pessoas.”