Há vários “fenómenos que eventualmente um dia poderão traduzir-se em dificuldades para o funcionamento das democracias”, mas apenas “como estão hoje em dia”, explica o professor de Direito Vitalino Canas no seu mais recente livro, intitulado Presidentes governantes: numa era de fragmentação e volatilidade políticas, que é esta quarta-feira lançado no Fórum de Lisboa, um evento anual dedicado à discussão de temas jurídicos.“Não é mais um livro a dizer que vem aí a crise da democracia ou que já está instalada”, garante ao DN o constitucionalista, acrescentando que os fenómenos em torno da democracia “são cada vez mais radicais”, “mais evidentes” e acentuam-se “de dia para dia”. Não corroem a democracia, mas fazem com que “funcione de forma diferente”. Como exemplo, quase num tom de alerta, Vitalino Canas explica que “cada vez mais as opiniões públicas têm dificuldade a aderir a fenómenos coletivos persistentes”. “Aderem a fenómenos coletivos ocasionais, mas fenómenos coletivos persistentes como os partidos políticos, não”, analisa, enquanto refere que “coisas mais coletivas são de alguma forma inconciliáveis com o individualismo moderno dos cidadãos”.As palavras “casulos” e “telemóveis” surgem no discurso do professor quando expõe a forma como as pessoas estão menos participativas e cada vez a agir mais em termos individuais perante o “fenómeno político”.Para o professor na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, os partidos sofrem com a crescente dificuldade “em ter a adesão dos cidadãos. Isso revela-se na erosão dos sistemas partidários clássicos, que em quase todos os países estão substituídos por novos sistemas partidários”.Vitalino Canas, enquanto explica a tese central do livro, vai insistindo que nada disto se traduz numa crise das democracias. É apenas uma transformação. E, se as pessoas são “cada vez menos fiéis a organizações partidárias” e cada vez mais propensas a “determinarem as suas opções por projetos, por objetivos, por visões de momento, que depois também evoluem”, isto faz com que os sistemas partidários evoluam.Neste contexto, o professor aponta fenómenos como a fragmentação, a polarização e a volatilidade de partidos e de governos. Para ilustrar a tese, Vitalino Canas lembra “Helmut Kohl, que esteve muitos anos à frente do governo, ou Cavaco Silva e outros”, sublinhando que “são situações cada vez mais raras”.“O eleitorado muda de governo praticamente sempre que vai às eleições, e estamos a assistir a isso em muitos sítios. Portanto, volatilidade política.” Com a ideia de que a “democracia está a conhecer novos contornos”, em que “a governabilidade é menos evidente”, nada disto significa que a democracia está em risco, destaca o constitucionalista, dando o exemplo da Bélgica, onde “há muitos anos o sistema partidário é muito fragmentado”, com “a divisão entre valões e flamengos e vários partidos representativos de cada uma dessas sensibilidades geográficas e étnicas”.É aqui que, nas palavras do professor, aparece o conceito de coligação, que é um recurso “cada vez mais necessário” e que pode até gerar aproximações improváveis, como a que aconteceu na África do Sul, entre o congresso Nacional Africano (ANC), “o partido da luta contra o apartheid”, de Nelson Mandela, “que durante várias décadas teve maiorias absolutas”, e a Aliança Democrática [tradução livre do inglês Democratic Alliance], “o partido conhecido como o partido dos brancos” (não confundir com o antigo Partido Nacional, que instituiu o regime do Apartheid e governou durante quase meio século). Depois, quando o ANC “deixou de ter maioria absoluta foi forçado a fazer uma coligação com vários partidos, incluindo o seu rival tradicional, a Aliança Democrática”. Portanto, conclui o professor, a “tese central do livro” é sustentada com a ideia de que “a democracia está a evoluir na sua forma de funcionamento clássico”..Gilmar Mendes: "O Chega deve estar contaminado pela luta política do Brasil"