Nascida em 1975, no verão de todos os calores políticos, a independente Susana Maria Bernardo Vieira da Cruz foi este domingo eleita a única presidente de junta da coligação PCP/Verdes (CDU) na capital, na freguesia de Carnide, onde vive desde 2000. É uma sucessão natural — era vice-presidente desde 2017, e com a saída do anterior presidente, Fábio Sousa, com quem partilha também a profissão (é psicóloga), subiu um posto. Apanhada desprevenida por um telefonema do DN, tem um sorriso na voz quando garante que a vitória não foi uma surpresa: “Acreditámos que íamos conseguir manter a junta, porque acreditamos no que fazemos e que temos mesmo a confiança das pessoas, como se verificou. Numa altura em que há mudança da figura principal [o presidente], ainda assim as pessoas confiam, porque confiam que este projecto vai continuar, como há quase 44 anos, a cuidar delas.”Foi esse cuidado, conta, que a levou a “entrar na política”: “Sempre senti uma junta próxima, primeiro presente na educação, depois no cuidado do espaço público. Havia um trabalho distinto, que fazia sentido a uma cidadã comum. As pessoas da CDU estavam no dia a dia ao nosso lado. Um dia, uma delas, convidou-me a integrar a lista. Senti que era o momento de dar o meu contributo, foi em 2013. Desde aí e até hoje nunca deixei de estar altamente envolvida.”Verdade é que a eleição de Susana como presidente é um dos fenómenos da noite eleitoral autárquica: a CDU manteve a junta mesmo quando a votação na Câmara e na Assembleia Municipal do mesmo território, que há mais de 10 anos era encimada pelo PS, virou à direita, com a coligação Por ti Lisboa, de Carlos Moedas, a arrebatar a vitória. Como em 2021, o PCP/Verdes ficou em terceiro lugar (descendo do segundo lugar que ocupara nas autárquicas de 2019 e 2013).Manuel (chamemos-lhe assim), 48 anos, professor universitário e residente em Carnide desde 2010, dá pistas para estes resultados. “Sempre votei no PCP para a junta desde que me mudei do centro de Lisboa para aqui.” Não vota PCP em mais nada, informa, mas aprecia a “preocupação com a população” que reconhece ao executivo da coligação e o bom funcionamento “do tipo de serviços a que sou sensível hoje em dia”. E, conclui, “tenho Sérgio Godinho de graça a fechar a Feira da Luz, a umas centenas de metros de casa”. .“Sempre votei no PCP para a junta desde que me mudei do centro de Lisboa para aqui. Não voto PCP em mais nada, mas aprecio a preocupação com a população e o bom funcionamento do tipo de serviços a que sou sensível hoje em dia. E tenho Sérgio Godinho de graça a fechar a Feira da Luz, a umas centenas de metros de casa."Manuel, 48 anos, professor universitário, habitante de Carnide desde 2010. Para a mudança da votação desde 2024 para a direita — logo nas legislativas desse ano a Aliança Democrática (PSD/CDS-PP/PPM) passou para a frente do PS por escassos 354 votos, enquanto o PCP/Verdes, com 424 votos (menos de metade do que tivera em 2019, quando ficou em terceiro), desceu para sétimo lugar, atrás do Chega, da Iniciativa Liberal, do Livre e do BE — pode, crê Manuel, ter contribuído a gentrificação a que se assistiu na zona, nomeadamente no centro histórico e na Quinta da Luz. “Até já temos turistas”, comenta.De facto, de acordo com os dados do Instituto Nacional de Estatística, se em termos de estrutura etária não se nota grande diferença entre Carnide e o resto da cidade, o rendimento médio (“Rendimento bruto declarado deduzido do IRS liquidado por sujeito passivo”) foi ali, em 2024, 21 424 euros, superior à média de Lisboa (19 516), bem acima do da Ajuda (15 801 euros) mas abaixo do das Avenidas Novas (24 971 euros). A nova presidente reconhece que houve “uma transformação sócio-demografica na freguesia”, e “evoluções, não por opção nossa, mas fruto da especulação imobiliária”. Mas faz fé de “continuar a acolher os que estão e os que chegam de novo”, e de que o projeto que lidera “continue a ser reconhecido”, com “os filhos destas famílias a ter o acolhimento que o meu teve”. É isso, crê, que faz a diferença.Psicóloga especializada em terapia familiar (de acordo com o site da Sociedade Portuguesa de Terapia Familiar, faz parte da respetiva "equipa de coordenação da delegação Sul e Ilhas", Susana Cruz não esclarece se vai estar a tempo inteiro na Junta, assumindo que a sua formação tem "elementos de ligação" com o que faz no trabalho político: "Projetos de comunidade requerem cuidado e atenção. Cada pessoa é uma pessoa e cada uma delas o que mais precisa é que olhem para ela, para quem, para a sua história e para aquilo que necessita. É isso que procuramos fazer. Um dia nesta Junta é estar presente, disponível, atento, disponível para ouvir e integrar e com o profundo compromisso de fazer acontecer. Isso não é uma exigência. É a forma de estar deste projecto. É por isso que me senti bem ao aqui chegar e aqui continuo." ."Não diria que sou a última cara [da última junta comunista na capital], porque não o sou mesmo, esta já é uma junta CDU há quatro décadas. Somos uma junta que deve servir de exemplo a outras."Susana Cruz, nova presidente da Junta de Freguesia de Carnide. Perguntada como se sente ao ser “a cara da última junta da CDU na capital” e se crê que é possível reverter o sentido do declínio do projeto na cidade e no país, Susana Cruz reage com calor mas evitando a questão mais contundente. “Não diria que sou a última cara, porque não o sou mesmo, esta já é uma junta CDU há quatro décadas. Somos uma junta que deve servir de exemplo a outras. É um estilo de gestão, de proximidade, de trabalho, de honestidade e competência que deve inspirar outros a escolher a CDU para gerir, como nós aqui fazemos, as suas freguesias.”Já sobre se, dependendo de si, a coligação faria algo de diferente nestas autárquicas, retorque com graça: “Qual coligação?” Não a dela: “A CDU fez uma campanha em crescendo. A CDU, com mais tempo de campanha e sem a fuga de PS e PSD aos últimos debates, com o reconhecimento de João Ferreira pelos outros como o melhor Presidente de Câmara que Lisboa podia ter, tinha feito a diferença.”.Maiorias absolutas nas autarquias diminuem. “É consequência da fragmentação”.Independentes crescem uma câmara e um mandato