Militares das forças sitiadas do Regimento de Artilharia de Lisboa (RALIS) durante a tentativa de golpe de Estado do 11 de Março.
Militares das forças sitiadas do Regimento de Artilharia de Lisboa (RALIS) durante a tentativa de golpe de Estado do 11 de Março.Arquivo DN

11 de Março: o dia de todas as “tensões” que só se resolveu a 25 de Novembro

Última tentativa de Spínola para “alterar o programa do MFA” foi em 1975. O DN falou com Vasco Lourenço, Francisco Seixas da Costa, José Henriques e Jaime Nogueira Pinto, que dissecaram esse momento.
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Foi há 50 anos, mas as consequências da manhã do dia 11 de março de 1975 ainda ecoam. O Regimento de Artilharia Ligeira N.º 1 (RAL 1) foi atacado por paraquedistas de Tancos, sob ordem do general António de Spínola, que, a 28 de setembro de 1974, tinha protagonizado um episódio análogo. Porém, o ataque ao RAL 1 acabou de forma insólita, depois de um diálogo, transmitido pela RTP, entre o capitão das forças sitiadas, Dinis de Almeida, e o capitão das forças atacantes, Sebastião Martins, revelar a incerteza do que estava a acontecer entre os militares. Mas o momento originou reações entre esquerda e direita que só seriam amenizadas meses depois, a 25 de novembro.

“Os paraquedistas, infelizmente, foram sempre instrumentalizados e sempre do lado errado da História”, analisou ao DN o presidente da direção da Associação 25 de Abril, o coronel Vasco Lourenço, que defende que, “para compreender o 11 de Março, tem que se recuar ao 25 de Abril e ao facto de existir dentro do MFA [Movimento das Forças Armadas] quem tivesse um projeto de poder pessoal à volta do general Spínola, que o tentou impor logo na noite do dia” da Revolução dos Cravos.

Para o coronel, que descreve a democracia de Spínola como “musculada”, este processo passou por várias fases, desde logo pela chamada “crise Palma Carlos”, quando o primeiro-ministro, Adelino da Palma Carlos, apoiado por Spínola, procurava alargar os poderes do seu Executivo, propondo uma Constituição provisória que substituiria o Programa do MFA. O Conselho de Estado acabou por chumbar as suas propostas, menos a do reforço dos poderes do chefe do Governo, que não o beneficiaram a si. mas ao primeiro-ministro seguinte, Vasco Gonçalves. Este episódio acabou por ser visto como uma tentativa de golpe de Estado constitucional.

Depois, lembra Vasco Lourenço, a 28 de setembro de 74, Spínola “faz uma tentativa palaciana de golpe de Estado”, que passa por um “apelo à Maioria Silenciosa”. “Falha mais uma vez, resigna de Presidente da República e vai para Massamá [onde morava] conspirar.”

Arquivo DN

Nesta “conspiração”, explica o coronel, Spínola “cria o Movimento Democrático de Libertação de Portugal [MDLP], que começa com atividades bombistas no norte do país, mas depois há quem crie a chamada Matança da Páscoa”, uma alegada operação militar, atribuída ao PCP, que passaria pelo assassinato de personalidades que se opunham aos valores da esquerda.

“Nunca se confirmou que tivesse existido essa lista, mas o boato é lançado por serviços secretos estrangeiros e Spínola é arrastado” para esta última tentativa de golpe de Estado, “mais uma vez feita em cima do joelho, com recurso a tropas paraquedistas que vêm atacar” o RAL 1 “e que dão lugar a cenas de opereta”, remata Vasco Lourenço.

Como resumo, o coronel diz que “os golpistas do 11 de Março já tinham sido golpistas no 28 de Setembro, e que depois foram golpistas falhados no 25 de Novembro”. Esta última data, conclui, “foi a reposição do verdadeiro 25 de Abril nos seus carris”.

Também para o embaixador Francisco Seixas da Costa, que em 1975 era oficial miliciano e participou na Assembleia do MFA nesse dia, “o 11 de Março disfarça uma tensão que já existia e só é diluída no 25 de Novembro”.

Aquele dia “colocou à defesa os setores mais moderados, e ao ter dado um impulso aos setores mais radicais”, que consideraram que aquele dia serviu como uma “plataforma de aceleração da revolução, deu-lhes também uma ambição”, relata, explicando que “o 11 de Março teve lugar naquela altura porque estava anunciada uma Assembleia do MFA que ia provocar a institucionalização do MFA”, que resultou na constituição do Conselho da Revolução, que só foi extinto em 1982, tal como estava planeado.

No entanto, Seixas da Costa considera que é um “erro” dizer que tensão era sobre a criação ou não do Conselho da Revolução.

A Junta de Salvação Nacional já tinha sido extinta com o 28 de Setembro, ficando apenas “os ministros militares, o comandante do Copcon [Comando Operacional do Continente] e os sete membros da Comissão Coordenadora do MFA”, explica, acrescentando que este grupo de 20 pessoas passou a ser conhecido como o Conselho dos 20, que era “dominado pela fação mais moderada dentro do MFA”.

“Na noite do 11 de Março, é posta em causa a linha política que o Conselho dos 20 seguia desde o 28 de Setembro”, o que gerou tensão entre os moderados e os radicais dentro do MFA.

“O 25 de Novembro é a constatação de que o país não estava preparado para aceitar uma deslocação do processo revolucionário para uma via muito radical”, conclui o embaixador.

O outro lado da história

“Fui preso no dia 12 de março de 1975. Fui primeiro para Santarém, onde passei uma noite, e depois para Caxias, onde estive isolado cerca de 48 dias numa cela”, contou ao DN o coronel José Henriques. Na altura, era capitão.

Garante que foi preso, pelo Copcon, na sequência de uma denúncia feita na chamada “Assembleia Selvagem”, do MFA, no 11 de Março, e assume que é “alheio a toda e qualquer posição política e ideológica”.

Arquivo DN

Relata que a denúncia, feita inicialmente por uma empregada, o acusava de ser “um anticomunista primário”, quando, na verdade, era “um anticomunista universitário”. E tinha o direito de o ser, vinca. “Eu fiz o 25 de Abril para ter a liberdade de ser aquilo que quisesse”, afirma, antes de explicar que a sua ligação com Spínola passava por ficar em casa do antigo chefe de Estado, que tinha já perdido a guarda pessoal. Por isso, eram oficiais que lhe garantiam a segurança.

No dia 9 de março de 75, quando foi a Massamá, não encontrou o general, nem a mulher. Spínola, na sequência do 11 de março, exilou-se, numa primeira fase, em Espanha. Depois, rumou ao Brasil.

Verão Quente

O DN também ouviu o historiador Jaime Nogueira Pinto, que no 11 de Março estava na África do Sul, depois de uma fase em Angola e de ter um mandado de captura “em branco”, do Copcon, na sequência do 28 de Setembro.

Em alusão ao ataque ao RAL 1, fala numa “provocação e uma montagem, em que uma série de pessoas caiu”. Relatou tudo, sob a forma de romance, no livro Novembro, que publicou em 2012.

“Se o 11 de Março não tivesse existido, não tinha existido aquela deriva muito à esquerda, que depois também levou a uma forte reação conservadora com os ataques às sedes do Partido Comunista e ao que aconteceu no chamado Verão Quente de 75. Como em todo o processo histórico, se houver uma alteração num momento decisivo, é evidente que a História toda para diante fica modificada”, conclui.

Militares das forças sitiadas do Regimento de Artilharia de Lisboa (RALIS) durante a tentativa de golpe de Estado do 11 de Março.
Quando Spínola explicou a um jornalista americano o golpe de 11 de Março no avião a caminho do exílio

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