A manifestação do 1.º de Maio de 1974 é geralmente considerada a maior jamais realizada em Portugal. Calcula-se que tenham desfilado perto de um milhão de pessoas pelas ruas de Lisboa até ao estádio da Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho (FNAT), um dos símbolos do corporativismo do Estado Novo, logo rebatizado Estádio 1.º de Maio..Foi nesse ambiente de festa que surgiu pela primeira vez o nome do Movimento de Esquerda Socialista (mas ainda não a sigla MES), pintado num lençol transformado em cartaz ou bandeira improvisada. Foi atrás dele que desfilaram Jorge Sampaio e a mulher..Antes da Revolução de Abril, os "socialistas independentes" já funcionavam como grupo de ativistas políticos. Nos dias seguintes ao 25 de Abril começaram a preparar o manifesto de apresentação do novo movimento. Estavam bem lançados: um dos seus membros, o sindicalista Santos Júnior, tinha sido convidado para discursar na mesma tribuna em que Mário Soares e Álvaro Cunhal fizeram juras de unidade..Mas quando, por fim, chegou a vez de o representante do MES usar da palavra, um controleiro comunista da Intersindical deu por terminado o comício, começando imediatamente a cantar o hino nacional ao microfone. O PCP cortou o pio ao MES..A nova formação insistia em não se considerar partido político, para sublinhar o seu desapego do poder. Um dos membros do grupo, o arquiteto Nuno Portas, oriundo dos católicos progressistas, viu rejeitada a sua inscrição no movimento pelo simples facto de ter aceitado o convite para secretário de Estado da Habitação e Urbanismo do I Governo Provisório. O MES não queria no seu seio membros dos "governos da burguesia"..Outro convite deu azo a grandes discussões - uma pequena amostra do que estava para vir. Fora feito pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Mário Soares, a Jorge Sampaio, para efetuar uma "missão especial" na ONU em nome do governo..Após vencer a renitência dos seus correligionários, Jorge Sampaio aceitou e partiu para Nova Iorque, juntamente com João Cravinho. A missão consistia em fazer os contactos diplomáticos necessários para desbravar o caminho para a aceitação do novo regime português - que passava, sobretudo, pela solução da questão colonial..No regresso, Jorge Sampaio entregou o relatório da missão e revelou o seu parecer favorável à autodeterminação e independência das colónias. Soares tinha-o convidado para embaixador na ONU. Por isso a notícia da nomeação para aquele cargo do ex-ministro da Educação (e futuro ministro socialista) Veiga Simão, por imposição do Presidente António de Spínola, foi um balde de água fria..Sampaio entregou-se então ao MES. Embora não houvesse um chefe, ele era uma espécie de primus inter pares na Comissão Organizadora Provisória, de que também faziam parte Manuel Lopes, Vítor Wengorovius, José Manuel Galvão Teles, Ferro Rodrigues, Nuno Teotónio Pereira, César Oliveira e Luís Moita, entre outros..No mesmo dia em que regressou de Nova Iorque, 9 de junho, Jorge Sampaio participou na I Assembleia Nacional de Militantes do MES. Perante a derrapagem radical, ainda ensaiou a defesa da democracia representativa... e perdeu o lugar na direção. Enquanto os outros partidos, da direita à extrema-esquerda, se dispunham no xadrez político tendo em vista o assalto ao poder, o MES, apesar da qualidade de grande parte dos seus quadros, foi-se enredando em discussões teóricas estéreis e perdendo as oportunidades de ter alguma ação política eficaz. Todos se diziam anticapitalistas e marxistas, mas uns eram seguidores de Rosa Luxemburgo, outros de Gramsci, outros ainda defendiam a autogestão, sem esquecer a teologia da libertação e uns resquícios de anarcossindicalismo..Sampaio participava nas reuniões e nas discussões acaloradas. Foi eleito para a comissão executiva, onde assistiu à esquerdização acelerada do MES a partir do "golpe" de 28 de setembro de 1974. Ele próprio e os seus amigos do "grupo do Florida" que aderiram à organização passaram a ser apontados a dedo como os "intelectuais". Insulto supremo: chamavam-lhes "sociais-democratas de esquerda"....Quando apresentaram ao I Congresso, em dezembro de 1974, um documento programático e de estratégia alternativo ao da maioria da direção, Sampaio e os amigos sabiam que tinham o destino traçado. Apesar de uma intervenção brilhante - "o melhor discurso da minha vida", disse ao biógrafo, José Pedro Castanheira -, foi cilindrado..O novo órgão diretivo chamava-se, significativamente, Comité Central. Dele faziam parte os novos líderes, com destaque para Augusto Mateus, Eduardo Graça e Afonso de Barros. Os objetivos do MES passavam a ser, declaradamente, "uma sociedade socialista pela via do comunismo, através da ditadura do proletariado". Nos dias seguintes Jorge Sampaio e os outros oito subscritores do documento dos vencidos (Armando Trigo de Abreu, César Oliveira, Francisco Soares, Bénard da Costa, João Cravinho, Joaquim Mestre, José Manuel Galvão Teles e Nuno Brederode Santos) entregaram as cartas de "não-adesão"..Como bons "liberais burgueses" - outro dos insultos com que foram brindados pelos vencedores do congresso -, os "doutores" levaram o legalismo até ao fim, considerando que não se demitiam porque até à realização do congresso o MES funcionara em regime de instalação e por isso não tinham sequer chegado a entrar..Os ex-MES, como ficaram conhecidos os dissidentes do I Congresso, agora independentes, viram aumentar a sua cotação política. Sobretudo junto dos oficiais do MFA. Sampaio tornou-se próximo de Melo Antunes. O então major, chamado "o mais civil dos militares", tinha uma formação cultural e política nitidamente superior à da generalidade dos seus pares, chegando a estar envolvido na candidatura da CDE nos Açores, em 1969, apesar de ser oficial do quadro permanente no ativo. Coautor do programa do MFA e membro da respetiva comissão coordenadora, era um dos elementos mais influentes do novo poder saído da Revolução dos Cravos..Na sequência da tentativa de golpe de 11 de março de 1975, o poder virou ainda mais à esquerda e o então primeiro-ministro, Vasco Gonçalves, formou um novo executivo, o IV Governo Provisório. Melo Antunes tomou posse como ministro dos Negócios Estrangeiros e convidou Sampaio para secretário de Estado da Cooperação. Libertos dos preconceitos do seu ex-partido, os ex-MES gozavam as delícias do poder: João Cravinho foi ministro da Indústria e César Oliveira adjunto do ministro da Comunicação Social. Do gabinete de Jorge Sampaio fazia ainda parte outro veterano do movimento, o ativista anticolonial Luís Moita..No âmbito governativo, Sampaio acompanhou sobretudo a independência de Moçambique e o processo de descolonização de Angola. Mas o "processo revolucionário em curso" (PREC) parecia incontrolável. A divisão entre as forças favoráveis a uma democracia de tipo ocidental e a vanguarda revolucionária do PCP e partidos satélites também se acentuava entre os militares. Moderados e esquerdistas (divididos entre a "esquerda militar" pró-comunista de Gonçalves e os radicais de Otelo) seguiam em rota de colisão..Melo Antunes destacava-se entre os moderados, sendo o primeiro subscritor do Documento dos Nove, exigindo a demissão de Vasco Gonçalves e o respeito pela democracia pluralista. Antes, o "caso República" levara à demissão dos ministros do PS, imitados pelos do PPD. O independente Sampaio também se demitiu, acompanhado por Cravinho, apelando a que o MFA assumisse a condução política do processo. O IV Governo caiu..Sampaio ainda foi convidado para o efémero V Governo Provisório, o mais isolado de Gonçalves. Não aceitou. Tal como não aceitou ir para o VI Governo, de Pinheiro de Azevedo. Mas aproximou-se ainda mais de Melo Antunes, figura-chave do equilíbrio de poderes saído do 25 de Novembro. E que, face à derrota das forças totalitárias, se apressou a salvar os comunistas de eventuais retaliações ao afirmar, na televisão, que a participação do PCP era "indispensável"..Eleições Apesar de os dirigentes que acusavam Sampaio e os amigos de serem "liberais burgueses" se oporem às eleições, o MES foi por duas vezes às urnas. Para a Assembleia Constituinte, em abril de 1975, conseguiu 58 248 votos (1,02%). Teve mais votos e maior percentagem do que a UDP mas, ao contrário deste partido de extrema esquerda que entrou no Parlamento graças à concentração de votos em Lisboa, não conseguiu eleger nenhum deputado. Nas eleições para a I Legislatura, em abril de 1976, a votação foi pouco mais do que residual: 31 315 (0,57%)..Para trás ficava a participação, em agosto de 1975, na meteórica Frente de Unidade Popular (FUP) e ao lado do PCP, MDP/CDE, Frente Socialista Popular (dissidentes do PS que defendiam a aproximação ao PCP), LUAR, Liga Comunista Internacionalista (LCI, trotskista) e Partido Revoluci onário do Proletariado (PRP-BR), que só durou uns dias. A FUP foi substituída, após a saída do PCP - mantendo-se os outros partidos, incluindo o MES -, pela Frente de Unidade Revolucionária (FUR). A deriva extremista continuou até 25 de novembro de 1975..Desses meses de brasa ficou, durante vários anos, um monumental mural pintado no bairro lisboeta de Alcântara, com os retratos de Marx e Lenine em destaque e com palavras de ordem como "Viva o Poder Popular" e "Viva o Comunismo"..O MES autodissolveu-se em 1981 com um jantar convívio em Lisboa..O jornalista João Ferreira já não faz parte da redação do DN