Se a proposta da “Causa Pública” fosse levada a sério pelo próximo Governo então seria instalado no ministério da Saúde uma espécie de serviço de intelligence que teria como única missão saber o que se passa nos hospitais privados..O problema, diz a médica psiquiatra Manuela Silva, do grupo de trabalho sobre Saúde deste think tank , é que “o Estado sabe muito pouco ou quase nada” sobre as capacidades verdadeiramente instaladas no sistema hospitalar privado. E isso tem uma consequência: “O Estado acaba por comprar serviços aos privados sem na verdade saber o seu valor real.”.Ora - acrescenta - “é preciso que o Estado saiba se está a pagar um valor real ou um valor acima do que devia”. E “para negociar melhor com os privados” tem de os conhecer melhor. Daí o conjunto de propostas que consta no documento sobre Saúde dinamizado pelo “Causa Pública”, documento que saiu de uma discussão pública promovida terça-feira em Lisboa pela organização com especialistas do setor..São três, neste capítulo. Por um lado, “reforçar a capacidade negocial do Estado, com um corpo de profissionais qualificados e isentos e assente na obtenção de informação, fundamental numa área económica marcada por fortíssimas assimetrias de informação”. Por outro, “fortalecer a regulação e a capacidade de monitorização pelo setor público das entidades privadas, nomeadamente em relação aos seus recursos humanos e equipamentos, custos dos serviços e conhecimento dos serviços prestados (diagnósticos, procedimentos, mortalidade, tempos de espera, indicadores de qualidade, etc.)”. E, por último, “aumentar a transparência e o escrutínio em relação aos preços e à qualidade do setor privado, com foco em práticas de sobreprescrição de exames e tratamentos desnecessários”..As propostas, quanto ao sistema privado, não se ficam por aqui..O “Causa Pública” - um think tank dinamizado genericamente por profissionais dos mais variados setores próximos ou militantes dos partidos da ‘geringonça’ (PS, PCP e BE) e também do Livre - quer “utilizar o investimento público para reforçar o SNS e não para aumentar a externalização de atos e cuidados por instituições privadas, evitando um setor público de saúde enfraquecido e transformado numa central de compras de serviços privados”..E propõe mais: que se clarifiquem “os critérios, as áreas da participação e o quadro operacional do setor privado no sistema de saúde, numa lógica de supletividade” em relação ao SNS. Ou, dito por outras palavras: “Qualquer licenciamento de unidades privadas deve contemplar a ponderação do impacto em saúde pública e no SNS.”.“O setor privado tem crescido na área da saúde e esta é altura de clarificação da relação com o setor. Por políticas de restrição no SNS, nomeadamente na contratação de recursos humanos e na compra de equipamentos, e ineficiências do setor público, têm aumentado os contratos de prestação de serviços com o setor privado. Adicionalmente, um número cada vez maior de portugueses tem recorrido aos seguros privados de saúde, incluindo os que são pagos por instituições públicas. O setor privado deixou de ser suplementar, passando a ser concorrencial de um SNS enfraquecido, exercendo uma forte pressão sobre os recursos do SNS e colocando em causa a resposta pública”, diz a organização..As outras propostas são relativas ao financiamento do SNS e à valorização dos seus profissionais..O “Causa Pública” afirma, por exemplo, que em Portugal “o financiamento público da saúde é escasso”: “Apesar do significativo aumento do financiamento público nos anos da pandemia, a despesa pública em Portugal foi de apenas 6,7% do PIB em 2022, o que compara mal com os 8,1% da média da União Europeia.”.Assim, a organização propõe que, até 2030, se “aumente o financiamento público em pelo menos um ponto percentual do PIB, passando para 7,7% e aproximando-se dos 8,1% da média europeia”. Uma das ideias, neste aspeto, “utilizar metade do excedente orçamental em 2023 (cerca de 2,5 mil milhões de euros) para um Programa de Investimento no SNS, complementar ao PRR, para utilizar, até 2028, em infraestrutura, tecnologia e equipamentos clínicos”. E, ao mesmo, reduzir para metade o peso das despesas diretas dos utentes (chamadas despesas out-of-pocket) na despesa total da saúde. Atualmente essas despesas são de 29% da despesa total - e na média da União Europeia são de 14,5%..Quanto à questão do pessoal, propõe-se “valorizar as carreiras e remunerações dos profissionais de saúde” - mas o think tank não se mete na questão da dedicação exclusiva. Também se defende que o Estado deve “investir na contratação e retenção de profissionais de saúde” - mas em função de um “plano que antecipe as necessidades”.