SIS avalia ameaças à segurança dos ativistas russos
Os três ativistas anti-Putin, cujos dados pessoais a Câmara Municipal de Lisboa (CML) enviou à Embaixada da Rússia, vão ser sujeitos a uma avaliação de ameaça por parte do Serviço de Informações e Segurança (SIS), soube o DN junto de fonte policial que está a acompanhar o caso.
Esta avaliação vai averiguar o nível de risco de segurança que correm face ao facto, noticiado pelo Expresso e pelo Observador e confirmado por Fernando Medina, de os seus nomes e moradas terem sido partilhados pela CML com as autoridades de Moscovo.
Dependendo da conclusão o SIS pode solicitar à PSP que acione medidas de proteção pessoal adequadas para estes cidadãos - um russo e dois com dupla nacionalidade portuguesa e russa - que se manifestaram em frente à representação diplomática do Kremlin, em janeiro passado, em defesa da libertação do líder da oposição daquele país, Alexey Navalny.
Nesta quinta-feira, Fernando Medina assumiu e pediu desculpas formais pelo "erro lamentável" dos serviços da CML que enviaram para a embaixada dados pessoais de opositores ao regime. "O erro resultou de um funcionamento burocrático dos serviços que aplicaram nesta manifestação aquilo que aplicam à generalidade das dezenas de manifestações, que acontecem no município", alegou.
As explicações estiveram longe de satisfazer os líderes da oposição, da esquerda à direita. que classificaram o caso de "muito grave" e "intolerável". O candidato do PSD à liderança da autarquia, Carlos Moedas, insistiu na demissão de Medina, bem como o presidente do CDS, Francisco Rodrigues dos Santos. Rui Rio quer esclarecimentos de Medina e do ministro dos Negócios Estrangeiros no Parlamento. A coordenadora do BE, Catarina Martins, exigiu conhecer todos os casos em que a CML, assim como outras autarquias do país, forneceram dados pessoais de promotores de manifestações a países estrangeiros ou a empresas.
Da Madeira, onde preside às comemorações do 10 de junho, Marcelo Rebelo de Sousa, terá falado com Fernando Medina e disse aos jornalistas que compreendeu o pedido de desculpas. "Chega-se à conclusão de que há procedimentos administrativos antigos, e provavelmente isto um pouco por toda a Administração Pública, que não acompanharam o que foi a evolução dos dados pessoais e dos direitos fundamentais das pessoas", declarou o chefe de Estado.
O presidente da autarquia anunciou que desde abril, quando soube da situação através de uma queixa dos ativistas, a câmara alterou os procedimentos internos para manifestações por forma a salvaguardar dados pessoais de manifestantes.
Nas manifestações subsequentes para as quais foi recebida comunicação (Israel, Cuba, e Angola, por exemplo) não foram partilhados quaisquer dados dos promotores com as embaixadas", garantiu a CML em comunicado.
Fonte da autarquia disse ao DN que foi pedido aos serviços responsáveis um levantamento de todas as manifestações que tenham sido realizadas antes de abril e que tenham envolvido envio de dados pessoais de promotores para embaixadas ou outras representações estrangeiras alvo dos protestos.
"Pode demorar algum tempo a ter essas informações, mas sabemos que na esmagadora maioria dos casos os promotores são associações ou partidos, não havendo por isso qualquer indicação de dados pessoais", frisou ao DN essa fonte.
Ao contrário do que o DN noticiou, com base num erro de interpretação do que outra fonte da edilidade tinha transmitido, estes procedimento não estão a cargo da secretaria-geral da CML, que é dirigida por Alberto Laplaine Guimarães, militante do CDS e pai do atual vice-presidente centrista, Francisco Laplaine Guimarães.
"A secretaria-geral da CML não tem nenhuma responsabilidade funcional sobre o serviço que gere essa correspondência, nem lhe foi solicitado qualquer tipo de averiguação sobre o sucedido, sendo uma unidade orgânica completamente alheia a esse assunto", disseram estes serviços em comunicado.
Quer o CDS, quer o Partido Aliança defendem que a Procuradoria-Geral da República deve investigar eventuais ilícitos criminais neste caso, através dos seus dirigentes máximos. Para Francisco Rodrigues dos Santos, a "denúncia de manifestantes a Moscovo por Fernando Medina representa um ato de terrorismo político e de subserviência, entregando a cabeça de três pessoas a um Governo que viola os direitos humanos e que mata opositores".
Questionada a PGR sobre se equacionava abrir um inquérito criminal, não respondeu até à hora do fecho desta edição. Fontes judiciais, no entanto, explicaram ao DN que dificilmente será instaurada uma investigação uma vez que, pelo que já é conhecido, aquela partilha de dados não foi exclusiva para a embaixada Rússia, mas um procedimento normal enquadrado pela legislação das manifestações desde 2011.
A Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) é a entidade que tem mais competências para agir num caso destes e já abriu um processo. ""A CNPD já tem aberto um processo de averiguações com base numa queixa recebida", disse à agencia Lusa fonte oficial daquele organismo, acrescentando que "enquanto o processo decorrer" a comissão não irá fazer "qualquer comentário".
A polémica não foi indiferente para as autoridades de Moscovo. Numa nota publicada na página oficial do Facebook a embaixada da Rússia em Lisboa considerou que "o ruído levantado" sobre a transferência não autorizada de dados para a Rússia e embaixada russa "é construído no desejo dos ditos ativistas de se exercitarem na autodisciplina através da politização de tudo".
Nem a "embaixada em Lisboa, nem Moscovo" se "importam com essas personalidades com imaginação pouco saudável", acrescenta a representação diplomática, sublinhando que têm "outras prioridades no processo de trabalho criativo para o desenvolvimento da cooperação russo-portuguesa".
Numa referência a Ksenia Ashrafullina, uma das organizadoras da manifestação anti-Kremlin e uma das afetadas pela troca de dados, a embaixada diz que "a senhora ativista pode voltar tranquilamente para casa".
Atualizado às 18h com a retificação da secretaria-geral da CML.