Quem são os imprescindíveis de António Costa?
Ninguém procura neles competências técnicas "extraordinárias" para um qualquer ministério, alguns foram até ministros sem ministério, outros "somente" secretários de Estado. O epicentro da coordenação e iniciativa política, habitualmente conhecido como núcleo duro do governo, apesar de ser considerado um regular "importante mecanismo institucional", ainda que informal, não esteve presentes em todos os governos desde 1976.
"É um órgão informal que acaba também por preparar o Conselho de Ministros e preparar toda a semana do governo em termos de estratégia de comunicação, de reagir a crises, de colocar coisas na agenda, de tirar coisas da agenda, colocar o enfoque de comunicação numa determinada questão e não noutra, antecipar problemas. É uma task force dentro do governo, um conjunto de pessoas com quem o primeiro-ministro reflete a estratégia política que claramente têm um maior ascendente sobre os restantes membros do governo", explica o investigador Pedro Silveira.
"Tende a ser exclusivamente político e partidário. Integram esse grupo pessoas da estrita confiança do primeiro-ministro. As escolhas não derivam do estatuto do ministério, mas sim da ligação política ao primeiro-ministro. Funcionam como um gabinete restrito para discutir questões, tomadas de decisão, definição de estratégia", sublinha Marina Costa Lobo.
As investigações de Marina Costa Lobo, doutorada em Ciência Política pela Universidade de Oxford, e de Pedro Silveira, doutorado em Ciência Política pela Universidade Nova de Lisboa, permitem perceber os "braços direitos" dos vários primeiros-ministros nos últimos 46 anos.
O círculo restrito que "decide as decisões estratégicas" começa de forma estruturada com Sá Carneiro, no VI Governo Constitucional, em 1980. Balsemão, Freitas do Amaral, Adelino Amaro da Costa, Vasco Pulido Valente, juntamente com o então líder do PSD inauguram o "restrito círculo de poder" que só regressa com Mário Soares, em 1983, e que a partir daí se torna regular, exceto dos governos de Santana Lopes, em 2004, que "não queria um governo dentro do governo", e nos de Passos Coelho.
E a exceção, explica Marina Costa Lobo, está essencialmente relacionada com o tipo de governo. Nas coligações, a confiança parece descer degraus porque "por natureza" esses governos "têm um centro diferenciado, na medida em que as decisões precisam de ser tomadas entre os vários partidos e o primeiro-ministro tem de gerir as relações não só com o seu partido mas com o(s) outro(s) que integram o governo".
Daí que "os núcleos duros dos governos assentem sobretudo em governos monopartidários, onde um único partido compõe o executivo, e domina o centro do governo também".
Pedro Silveira acrescenta que "podem até ter contado com reuniões ocasionais, de composição mais ou menos variável, com objetivos de coordenação interna, mas não institucionalizaram estas reuniões como um mecanismo permanente e decisivo de definição da iniciativa política do governo".
"Pode até", diz, "parecer estranho não ter existido, mas no caso de Passos parece ter sido importante a existência de conselheiros externos ao governo. Agora, isso não quer dizer que não tenha havido reuniões ocasionais com ministros, secretários de Estado e que o primeiro-ministro não se tenha aconselhado mais bilateralmente, por exemplo, com o ministro da Presidência ou com o secretário de Estado adjunto. O que não existiu foi essa forma sistemática, regular, institucionalizada ainda que informal", esclarece.
Há três características que determinam a entrada neste inner circle do poder: "Peso político de gente com muita experiência política que vem do partido ou então que decorre de ser repetente no governo. Não tendo peso político são claramente pessoas, mesmo não sendo do partido, a quem o primeiro-ministro lhes reconhece sensibilidade analítica para definir a estratégia política." Um desses casos é o de "Almeida Ribeiro [antigo secretário de Estado adjunto do PM] no governo de Sócrates. Ele não tinha ligação partidária, não tinha nesse sentido o peso político, não era uma pessoa mediaticamente conhecida, mas fazia parte do núcleo duro".
"O que nós conseguimos reconhecer [da análise aos 46 anos] é que não tem que ver com a pasta, mas apesar de tudo verifica-se que existem algumas pastas em que normalmente a pessoa faz parte do núcleo duro. São os casos dos ministros da Presidência, dos secretários de Estado adjuntos do primeiro-ministro, dos Assuntos Parlamentares, os ministros adjuntos, os secretários de Estado da PCM, etc." No fundo, explica Pedro Silveira, "a pessoa é escolhida por ter essa capacidade de coordenação política. Não estão ali os ministros mais competentes tecnicamente, não é esse o objetivo. Veja-se o caso de Mariano Gago, por exemplo. Altamente especializado, mas nunca fez parte de qualquer núcleo duro" apesar de ter sido ministro quatro vezes.
E o sucesso ou insucesso dos governos pode estar dependente deste círculo restrito de poder? Marina Costa Lobo entende que há vários fatores associados e que "este grupo estrito reflete, sim, a posição do primeiro-ministro em relação ao seu partido, é um grupo que representa o poder político do primeiro-ministro, que se ancora no partido que ele dirige". E o partido é, naturalmente, "o órgão fundamental que sustenta o poder político do primeiro-ministro, que está representado no núcleo duro. Esse centro do governo acaba por controlar também o partido, na medida em que a maioria das pessoas que integram o centro do governo também são nomeadas para altos cargos partidários".
Ou seja, o sucesso ou o insucesso de um governo "depende de vários fatores: a sua maioria parlamentar (se é um governo maioritário ou minoritário), se se trata de uma coligação instável ou de um governo monopartidário. Depende também da relação com o Presidente, da relação com a sociedade em geral, da conjuntura económica".
Cavaco Silva, nos seus três governos, manteve ativo um núcleo duro quase constante. Fernando Nogueira, Eurico de Melo, Santana Lopes, Marques Mendes e Durão Barroso no governo de 1985 a 1987; no seguinte, de 1987 a 1991, acrescenta Dias Loureiro; e no último governo de maioria absoluta, de 1991 a 1995, o círculo fica reduzido a Fernando Nogueira, Dias Loureiro, Marques Mendes e Durão Barroso.
Com a chegada de Guterres ao poder, em defesa do "diálogo", o grupo de "conselheiros" sobe para dez no primeiro governo e para 12 no segundo. António Vitorino, Jaime Gama, Sousa Franco, Jorge Coelho, Pina Moura, António Costa, José Sócrates, António José Seguro, Vitalino Canas e Ferro Rodrigues são o núcleo duro entre 1995 e 1999. No governo seguinte, de 1999 a 2002, Fausto Correia, Armando Vara, Fernando Gomes e Guilherme d"Oliveira Martins entram para o núcleo duro e saem António Vitorino (foi para comissário europeu) e Sousa Franco (que já não integra o novo governo).
Durão Barroso, entre 2002 e 2004, é mais comedido na quantidade e pela primeira vez surge uma mulher: Manuela Ferreira Leite. Paulo Portas, Nuno Morais Sarmento, Marques Mendes, José Luís Arnaut, Domingos Jerónimo e José Arantes são os restantes escolhidos para esse círculo restrito.
A maioria absoluta de Sócrates, em 2005, vê nascer um núcleo duro - António Costa, Teixeira dos Santos, Pedro Silva Pereira, Vieira da Silva, Augusto Santos Silva, Jorge Lacão e Filipe Boa Baptista - que pouco se altera em 2009: não está Costa, eleito presidente da Câmara de Lisboa, em 2007, nas eleições intercalares após a queda de Carmona Rodrigues; e Filipe Boa Baptista, nomeado pelo governo para a ANACOM. Entram João Tiago Silveira e Almeida Ribeiro.
No primeiro governo de Costa, de 2015 a 2019, dez nomes surgem na lista do núcleo duro: Vieira da Silva, Eduardo Cabrita, Maria Manuel Leitão Marques, Mariana Vieira da Silva, Mário Centeno, Augusto Santos Silva, Siza Vieira, Pedro Nuno Santos, Duarte Cordeiro e Tiago Antunes.
Boa parte destes nomes mantêm o lugar desde 2019, nomeadamente Siza Vieira, Augusto Santos Silva, Pedro Nuno Santos, Duarte Cordeiro, Tiago Antunes e Eduardo Cabrita que acabaria por sair após a demissão. André Moz Caldas, que foi chefe de gabinete de Mário Centeno e presidente da Junta de Freguesia de Alvalade, em Lisboa, foi entrada recente desde a promoção a secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros.
Um grupo que "na prática discute e decide" (ao longo destes 46 anos não chega às 60 pessoas) as "decisões estratégicas mais relevantes do governo" e que "reúne semanalmente (usualmente no início da semana, para ocorrer antes do Conselho de Ministros) na residência oficial do primeiro-ministro".
Marques Mendes, Fernando Nogueira, António Costa, Durão Barroso, José Sócrates, Augusto Santos Silva, Vieira da Silva e Jaime Gama surgem no topo dos reincidentes, "reflexo do peso político". Deste grupo, Fernando Nogueira e Santos Silva destacam-se dos restantes: foram, cada um, ministros por seis vezes. Jaime Gama (5) e Marques Mendes (4) surgem logo de seguida na tabela dos mais influentes.
No lote dos primeiros-ministros, Costa lidera com sete cargos de topo nos governos, seguido de Sócrates com seis e de Barroso com cinco.
Desde o governo de Sá Carneiro que a média de ministros que transitam de um executivo para o seguinte ronda os sete. Só Cavaco e Costa quebraram o ritmo de permanência. O social-democrata manteve 12 dos ministros do primeiro para o segundo governo (oito haveriam de cair); o socialista repetiu 14 dos ministros - dois acabariam por sair. A grande movimentação aconteceu no primeiro governo de Costa com oito saídas. Semelhante cenário, e neste caso também oito afastamentos, só se verificou na última maioria absoluta de Cavaco .
O cruzamento dos dados, entre núcleo duro e repetições, identifica como hipóteses de permanência, algumas óbvias, Mariana Vieira da Silva, Duarte Cordeiro, Siza Vieira, Pedro Nuno Santos, Marta Temido, João Matos Fernandes (que estará de saída), João Gomes Cravinho e Ana Mendes Godinho.
"Os inevitáveis, gente que passa de um governo para outro mesmo que mudem de pasta ou dos que ascendem a ministros como pode ser o caso de Tiago Antunes, secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro, e de André Moz Caldas, secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros", diz Pedro Silveira.
Santos Silva não é colocado neste lote dado que, como disse em entrevista ao Expresso, pretende acabar "a atividade profissional na minha profissão na Faculdade de Economia do Porto". O que pode significar ser o candidato do PS à presidência da Assembleia da República.
Acrescentando à equação a garantia de Costa, de que vai ter um governo mais curto, e o histórico de pastas que se juntam, são percetíveis mudanças na Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Educação e Cultura; na Agricultura e no Mar; no Planeamento, Modernização do Estado e Coesão Territorial.
Fonte socialista coloca, por isso, fora do governo Manuel Heitor, Ana Abrunhosa, Maria do Céu Albuquerque, João Matos Fernandes e João Leão. E enquanto Medina já "está a trabalhar" outros estão na corda bamba: Graça Fonseca , Nelson de Souza e Ricardo Santos. Alexandra Leitão e Tiago Brandão Rodrigues surgem como "cartas" a repetir.
Marina Costa Lobo considera "muito provável que o núcleo duro de Costa que integrou o anterior governo se mantenha neste também, embora com algumas mudanças: sai possivelmente Santos Silva, que transita para presidente da Assembleia da República onde se fará muito do combate contra os novos partidos que cresceram bastante nas últimas eleições (CH e IL). Poderemos ver Duarte Cordeiro, organizador da campanha de Costa, ser recompensado com lugar ministerial, ou Ana Catarina Mendes, na última legislatura líder parlamentar, e José Luís Carneiro, até agora secretário-geral adjunto. Mas outros continuam como Mariana Vieira da Silva. E ainda outros que integram por proximidade ao primeiro-ministro, sem serem partidários, por exemplo Siza Vieira - sinal da força de Costa, que constrói o núcleo duro maioritariamente com base no PS, mas não exclusivamente".
"A proximidade a Costa no PS é chave para integrar o núcleo duro do governo. Mas também pode haver o caminho inverso - a proximidade a Costa no governo facilita a promoção a órgãos de topo no partido", explica.
Mas quando "um caminho reforça o outro" surge o inevitável "risco": "A governamentalização do partido que passa a ter os seus órgãos de topo dominados pelos membros do governo."