A responsabilidade pára aqui” (The buck stops here) - ou, em tradução menos literal, “o responsável sou eu” - lembrava a placa de madeira que Harry S. Truman, o presidente norte-americano que em 1945 ordenou o lançamento da bomba atómica sobre as cidades de Hiroxima e Nagasaki, fez questão de colocar em cima da secretária, na Sala Oval, aludindo ao papel decisório, pessoal e intransmissível de um governante, não poucas vezes rejeitado pelos políticos..“A placa poderia estar na secretária de Luís Montenegro”, dizem os mais próximos do primeiro-ministro, garantindo que não é amizade que os leva a afirmar que se trata de alguém avesso à expressão nacional “a culpa morre solteira”. “Solitário por natureza”, acrescentam, “tem um processo de decisão particular: decreta de forma determinada, sem medo, porém com muita ponderação”. “Teimoso”, com opiniões definidas e crença na intuição política que o partido lhe reconhece. Mais do que aceitar conselhos, deixa-se condicionar pelos factos em decisões que deseja conformes à realidade e que anuncia apenas e quando entende. “Racional, por vezes gelado”, com noção do tempo político, “procurando a serenidade”. “Por isso ouve. Ouve muito.” Os seus homens..O núcleo duro, círculo protetor (quando corre bem) de que nenhum primeiro-ministro prescinde, tem como principal função influenciar a tomada de decisões do líder. Atender ao discurso, planear a programação política. Marcar e encabeçar a luta com a oposição. “De combate”, assim foi prometido este governo..Hugo Soares, Paulo Rangel, António Leitão Amaro, Pedro Duarte e Manuel Castro Almeida constituem a primeira linha de “generais” de Montenegro. Inner circle puro e duro, que se pretende fundado na lealdade, impermeável à intriga, resistente ao deslumbramento e à tentação de vazar informações. Primus inter pares, não fosse um deles sobressair..Hugo Soares. No partido chamam-lhe “o ministro mais poderoso”. Sendo que não é - porque não quis ser - ministro..A peça-chave.Não é habitual na história do partido alguém com tanto poder. Com apenas 41 anos, Hugo Soares é secretário-geral do PSD e controla a máquina partidária. É líder do grupo parlamentar e tem nas mãos a bancada laranja. É amigo indefetível do primeiro-ministro e usufrui, como nenhuma outra figura, de intimidade política - ideologicamente são convergentes - e pessoal - passam férias juntos - com Montenegro..“Relação de absoluta cumplicidade. Pode até dizer-se que o Hugo é mais confidente do que parceiro, ainda que tudo passe pelo seu gabinete”, diz um amigo de ambos. Desde logo, a triangulação São Bento/Parlamento/São Caetano à Lapa. Apesar da diferença geracional - Luís Montenegro tem mais 10 anos -, “estão sintonizados ideologicamente numa espécie de cavaquismo”. No essencial não há divergências..Hugo Soares é, dos cinco homens-chave, “o mais político”. O mais disponível para o combate, o mais influente no dia a dia. Em que medida tempera Montenegro? “Com muito pouco”, garantem. Talvez alguma impulsividade, forçando a decisão. “O Luís pode ser gelado, o Hugo tem estados de alma”, diz o mesmo amigo comum..Num exercício de memória política não se encontra facilmente tão perfeita sintonia: nem com Cavaco Silva e Fernando Nogueira, com Guterres e Jorge Coelho, em Passos Coelho e Miguel Relvas. “Não se pense, porém, que o Hugo é um yes man. Nada disso. O que acontece é que são de facto muito parecidos. Não precisam falar para se fazerem entender. Quer política quer pessoalmente.” Porém, não há dia em que não falem..Será esta uma relação à prova de bala, agora que Montenegro é primeiro-ministro e o poder ‘corrompe’? “Quem diria que Cavaco Silva e Fernando Nogueira se zangariam? Uma zanga pode sempre acontecer, mas não é provável”, afiançam. E em que medida Hugo Soares condiciona o primeiro-ministro? “Atendendo às semelhanças ideológicas, sobretudo nas escolhas operacionais. Nos nomes, não tanto nas políticas”, responde a mesma fonte..Com Paulo Rangel ou Pedro Duarte acontece o contrário..Condicionamento político.Perdeu o partido para Passos Coelho (2010) e para Rui Rio (2021), mas ganhou estatuto e peso político tais que Luís Montenegro não os poderia desperdiçar. Abdicando de um muito provável e apetecível lugar como comissário europeu, o professor Rangel (Montenegro e Pedro Duarte foram seus alunos) empresta gravitas ao governo e autoridade ao Conselho de Ministros. O homem que apanha com facilidade “tiques e trejeitos” de companheiros e adversários e gosta de declamar poesia é um dos ministros mais reconhecidos deste governo, de que é formalmente o número dois. O ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, pela autoridade, pela credibilidade e muito ainda pela experiência europeia que falta a Montenegro, tem estatuto para condicionar o primeiro-ministro nas políticas governativas. E exerce-o. Mas é sobretudo o jurista Pedro Duarte, nascido no Porto há 51 anos, a quem Montenegro confiou a pasta dos Assuntos Parlamentares, quem mais condiciona as políticas. Porque “o Pedro ajuda a refletir de forma diferente. Desde logo, é mais liberal nos costumes”, diz fonte do partido. Mas não só. “De todos é o mais pragmático, até do ponto de vista da relação das políticas com os resultados eleitorais.”.O antigo líder da JSD é um conhecimento antigo de Montenegro: ambos fizeram parte da bancada parlamentar de Miguel Macedo e da campanha de Luís Filipe Meneses à Câmara do Porto. Afastados no consulado de Passos Coelho - ao contrário de Montenegro, apoiante incondicional, o diretor da primeira campanha presidencial de Marcelo Rebelo de Sousa foi crítico do então primeiro-ministro -, reaproximaram-se na oposição a Rui Rio. A ponto de Duarte ter sido o coordenador do programa de candidatura de Luís Montenegro às eleições internas, perdidas para o antigo presidente da Câmara do Porto. Tornou-se então um homem de confiança do atual primeiro-ministro, com direito à presidência do Conselho Nacional Estratégico, órgão responsável pela preparação do programa eleitoral do PSD.. Manuel Castro Almeida, ministro Adjunto e da Coesão Territorial, e António Leitão Amaro, ministro da Presidência, completam o cordão protetor. A urgência na execução de fundos europeus, que não se compadecem com tempos de aprendizagem, ditou que a escolha recaísse sobre o antigo secretário de Estado do Desenvolvimento Regional do governo de Passos Coelho, conhecedor particular da matéria e destes dossiês, fundamentais para o sucesso governativo. António Leitão Amaro, descrito como “peça igualmente nevrálgica, sempre preparadíssimo e de enorme capacidade de trabalho” - por este vice-presidente do partido passaram algumas das propostas mais relevantes dos sociais-democratas -, é, dos cinco, aquele que acusa mais cansaço. “Cansaço que o leva a recorrer por vezes a um autoritarismo desnecessário, que se reflete na capacidade de relacionamento com outros ministros”. No partido já há quem note e chame a atenção para “a falta de coordenação do governo, apesar da concentração de alguns ministérios no mesmo edifício”. Falha colmatada com o “voluntarismo de Hugo Soares, mas essa não pode ser a solução. Não é bom para o Hugo nem para o governo”..O homem que coordena a comunicação. Não fazendo parte do núcleo político, é fundamental na coordenação da comunicação no governo e com a imprensa. Pedro Esteves, dizem, é um exemplo ilustrativo da capacidade de Montenegro se ater à realidade. Engenheiro civil nascido na Anadia, foi diretor da campanha interna de Paulo Rangel - com quem tem uma relação de muita proximidade -, depois de ter exercido o lugar de chefe de gabinete do grupo parlamentar do PSD em Bruxelas. “Nunca foi apoiante de Montenegro, mas não tínhamos alternativas”, diz quem viveu esses dias. “O Luís olhou para o perfil e, apesar de o conhecer mal, decidiu apostar. Não confiava, passou a confiar e correu muito bem.”.É discreto e leal. “Um túmulo.” Conhece o partido muito bem. No governo faz a gestão rigorosa da informação. Reúne de 15 em 15 dias com o pleno dos assessores, a quem sempre lembra: “Só faz sentido comunicar quando há alguma coisa para comunicar.” A Montenegro pede que não confunda Twitter com as pessoas “reais”. “E que siga a intuição.”. Quem o conhece garante que ficou pouco preocupado com as críticas ao primeiro-ministro quando este se deixou fotografar a acompanhar de barco os trabalhos de resgate das vítimas da queda de um helicóptero. Algumas vindas do partido: “Pareceu de facto demasiada vontadinha de ajudar”, diz um militante. “Soa a aproveitamento político de uma tragédia, foi um erro crasso”, acrescenta outro social-democrata. Mas há uma versão diferente: “Foi genuíno. O primeiro-ministro foi convidado a acompanhar os trabalhos e dar apoio àqueles homens. Seguiu a intuição e fez muito bem.”.Os ilustres menos Passos.“O Luís não deve nada a ninguém. Fez o seu caminho com autonomia, mas é evidente que tem respeito pelos antigos presidentes do partido”, diz uma fonte próxima do primeiro-ministro..Com alguns há contactos regulares. Troca impressões com Marques Mendes. E com Cavaco, se não fala tanto quanto se julga, há, dizem, “química”. O facto de serem vizinhos promove alguns encontros fortuitos, e ainda que Cavaco Silva se proteja, fugindo a considerações particulares sobre pessoas ou políticas, reconhece em Montenegro o que faltou a Rui Rio: “Sensibilidade e inteligência tácita para respeitar o antigo primeiro-ministro.”.As comparações são, no entanto, malvistas na Travessa do Possolo. “Cavaco Silva não aproveitou um governo minoritário para esperar. Governou, fez reformas. Formou um governo e fez combate político, durante um ano e meio marcou as iniciativas legislativas. A Lei de Bases da Saúde, da Educação; apresentou reformas administrativas. Algumas não passaram no Parlamento, mas marcaram a iniciativa, e foi isso que lhe deu uma maioria absoluta. Não há semelhança possível com este governo.” Os pacotes apresentados semanalmente e os Powerpoints “não são reformas”. São, acrescenta a mesma fonte, “pensos rápidos”..Com Passos Coelho a relação é inexistente. “Já estava tensa antes de Montenegro ganhar as eleições. Agora não existe”, diz alguém próximo do ex-primeiro-ministro. Passos Coelho acredita que se tornou incómodo: “Porque tirava votos e apoios.” O que Montenegro não contava era com uma provocação do antigo primeiro-ministro, que num artigo de opinião o desafiou a reverter a lei da eutanásia caso fosse eleito. “O Luís sentiu-se provocado. É sabido que no PSD estas matérias são deixadas à consciência de cada um. A relação arrefeceu aí.”.Com Durão Barroso a relação é próxima. De resto, assina por baixo um dos conselhos do antigo presidente da Comissão Europeia: “Quanto mais altas são as expectativas, mais difícil se torna a ação política.” Com Montenegro foi assim. Criou baixas expectativas. “Por isso foi tão visível o crescendo de autoridade, ilustrado pela determinação com que enfrentou os polícias, avisando de que não haveria nem mais um cêntimo”, diz fonte do partido, preocupada agora com “dois testes muito importantes que aí vêm”: Orçamento e escolha do procurador-geral da República. “Se corre mal, é um desastre.”