PS viabiliza propostas do PSD e abre "espaço para conversas"

Abstenção dos socialistas viabiliza a discussão conjunta das propostas do PSD e do governo. Primeiros diplomas do programa Mais Habitação vão esta quinta-feira a Conselho de Ministros.
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Conhecidas as propostas do governo e do PSD para a habitação, Marcelo Rebelo de Sousa já tinha dito que "há espaço para conversas" entre os dois maiores partidos. E, depois das críticas ao governo por não ter ouvido os setores visados ou as autarquias antes de definir o programa Mais Habitação, o PS deu esta quarta-feira um sinal nesse sentido, ao viabilizar (pela abstenção) todos os projetos apresentados no Parlamento pelos sociais-democratas. As medidas passam agora a discussão em comissão parlamentar, onde se lhes juntarão, dentro de algumas semanas, os diplomas do executivo.

Mas se a votação sinaliza que há espaço para diálogo, o debate parlamentar desta quarta-feira, agendado pelo PSD, ficou marcado por uma acesa troca de críticas, com o maior partido da oposição a acusar o governo de nada ter feito em sete anos para responder ao problema da habitação. Um exemplo de "fracasso" e "incompetência", nas palavras da deputada social-democrata Márcia Passos, que acusou os socialistas de "enganar os portugueses": "Não estava no programa do PS que iam acabar com o Alojamento Local". Para o PSD, o programa Mais Habitação é um "ataque à iniciativa privada" e acabará por resultar "em menos habitação disponível" e "mais cara".

Em sentido contrário, e apesar de admitir a convergência de algumas propostas, a socialista Maria Begonha acusou o PSD de nada propor para combater a especulação no mercado da habitação: "Existem certamente convergências que permitem que o diálogo continue, mas falta moderação e equilíbrio nas propostas do PSD".

Mais tarde seria o líder parlamentar socialista, Eurico Brilhante Dias, a deixar expresso o desejo de um "grande consenso" em torno das respostas à crise da habitação.

Num debate que acabou por ser uma discussão preliminar do plano do executivo para a habitação, à direita as críticas centraram-se na proposta do governo que admite o arrendamento coercivo de casas devolutas. "Isto é próprio de um governo do PREC", criticou André Ventura, apontando o que disse ser o "maior ataque à propriedade privada de que há memória em Portugal". Solução para aquela que é "uma das maiores crises da habitação da história" do país? "O caminho é baixar os impostos", defendeu Ventura.

Pela Iniciativa Liberal, Carlos Guimarães Pinto apontou baterias à mesma medida: "Como é que têm a coragem de propor a expropriação de edifícios privados quando ao mesmo tempo, nas mesmas zonas, existem edifícios do Estado em abandono há décadas, sem sequer serem inventariados?". Para o deputado da IL o "principal problema da habitação" em Portugal "é a falta de construção" e a solução passa necessariamente por "construir mais casas".

Um argumento que seria depois rebatido por PCP e PS, que argumentaram que o número de habitações em Portugal é substancialmente superior ao número de agregados familiares.

O arrendamento coercivo seria ainda visado por Inês Sousa Real, do PAN: "Não faz qualquer sentido exigir aos privados aquilo que o governo não faz".

À esquerda também não faltaram críticas ao programa do PS, mas por razões bem diferentes. "Para o governo e para a direita a habitação continua a ser uma mercadoria e não um direito consagrado na Constituição", afirmou o deputado comunista Bruno Dias, sustentando que as propostas apresentadas por PS e PSD não são mais que "um concurso de ideias para borlas fiscais aos grandes grupos económicos e fundos imobiliários". Em vez disso, as medidas para combater a crise na habitação deveriam passar, por exemplo, por revogar a atual lei do arrendamento, sustentou.

A questão dos benefícios fiscais foi também levantada pelo BE. "O que acharam que ia acontecer quando promoveram Portugal como paraíso imobiliário, quando fizeram roadshows na Rússia para os vistos gold, quando garantiram borlas fiscais a não residentes?", questionou Mariana Mortágua, defendendo que PS e PSD têm "exatamente as mesmas respostas" para o problema da habitação. E, para o BE, o caminho deve ser precisamente o contrário: acabar com os benefícios fiscais e limitar as rendas. Já Rui Tavares, pelo Livre, deixou um aviso: "A não ser que haja medidas em escala o problema da habitação vai piorar e muito".

Na resposta a ministra da habitação, Marina Gonçalves, contestou que o governo nada tenha feito até agora em matéria de habitação, sustentando que o programa "Mais Habitação" é um "complemento" a programas de longo prazo que já estão a ser implementados, como o 1.º Dto. ou a mobilização de imóveis devolutos do Estado. Quanto ao arrendamento coercivo em particular, a ministra sustentou que não há nada de novo nesta proposta, que já está atualmente prevista na legislação.

Entre as propostas do PSD que agora passam a discussão na especialidade, conta-se a criação de um subsídio de apoio ao arrendamento, apoios à compra de casa pelos mais jovens, nomeadamente através de garantias do Estado, ou a descida do IVA da construção para os 6%. Foram também aprovadas uma proposta da IL e uma do Livre. Pelo caminho ficaram cinco propostas (duas do Chega, uma do Livre, uma do BE e outra do PCP). Curiosamente, a abstenção do PS, que viabilizou as propostas do PSD e que se manteve nas restantes iniciativas, acabou por ditar o chumbo dos projetos dos antigos parceiros no governo, dado que a direita votou contra.

Algumas das medidas para a área da habitação, anunciadas pelo governo em fevereiro, voltam esta quinta-feira a Conselho de Ministros, depois de terem estado em consulta pública. É o caso dos decretos relativos aos apoios ao crédito à habitação e às rendas.

Já as propostas de lei que, entre outras medidas, determinam o arrendamento forçado de casas devolutas ou novas restrições ao Alojamento Local, só irão ao Conselho de Ministros de 30 de março (seguindo depois para a Assembleia da República), dado que o governo decidiu prolongar o período de consulta pública, a pedido da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP).

Na passada semana, em entrevista à RTP e Público, Marcelo Rebelo de Sousa deixou uma farpa ao Executivo (ver mais noticiário na página 6), dado que os textos em concreto das propostas só foram divulgados já este mês: "Dar sete dias para discutir os diplomas depois de sete anos de espera é uma coisa do outro mundo".

susete.francisco@dn.pt

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