"Tendo em conta (...) o princípio constitucional da proibição do excesso, há várias questões que parecem ser de esclarecimento urgente.".É fazendo menção à possível inconstitucionalidade da cobrança de "dívidas" de dezenas de milhar de euros, executada pela Caixa Geral de Aposentações nas pensões de sobrevivência atribuídas a viúvos de funcionários públicos, que as deputadas do Partido Socialista Isabel Moreira e Alexandra Leitão (ex-ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública de 2019 a 2022), procedem ao questionamento do ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (MTSS), que tutela a CGA, em requerimento entrado esta quarta-feira no site do parlamento sob o título "Cobrança de dívidas a pensionistas por força de quotas de sobrevivência herdadas"..Outros dois requerimentos sobre o tema, "Pagamento de pensões de sobrevivência pela CGA condicionado ao pagamento de quotas em dívida", de que é primeiro subscritor o deputado bloquista José Soeiro, e "Cobrança de dívidas a beneficiários de pensões de sobrevivência ao abrigo do Decreto-Lei n.º 142/73, de 31 de março", assinado pela deputada única do Partido das Pessoas, dos Animais e da Natureza (PAN), Inês Sousa Real, foram apresentados no mesmo dia 21 de setembro. Também nestes se apontam dúvidas de constitucionalidade ao procedimento referido..Em causa está o facto, reportado pelo DN em artigo publicado a 18 de setembro, de a Caixa Geral de Aposentações (CGA) considerar que os funcionários públicos em causa não fizeram, em períodos de trabalho entre 1934 e 1991, os descontos necessários para a formação de um direito dos viúvos à pensão. Pelo que, no ato de atribuição desta, a instituição efetua, invocando o Estatuto das Pensões de Sobrevivência instituído pelo decreto-lei n.º 142/73 de 31 de março, um cálculo retroativo dos ditos descontos, cuja cobrança impõe em 60 prestações, a reter mensalmente durante cinco anos..As duas parlamentares do PS querem saber como efetua a CGA os "cálculos concretos" destas "dívidas", e nomeadamente qual a base legal para a aplicação, nesse cálculo, de uma taxa de 3% - que a instituição indica como a que, nos 11% da Taxa Social Única, vale para "efeitos de sobrevivência", e só começou a ser aplicada em 2011 aos seus beneficiários - quando estão em causa períodos anteriores a 1991, ano no qual foi fixada, para os funcionários públicos, uma taxa obrigatória de 1% para efeitos de sobrevivência.."Os valores, em alguns casos, de milhares de euros de "dívida" explicam-se "porque os descontos que a CGA calcula retroativamente são, mesmo que digam respeito a períodos com mais de 70 anos, contabilizados sobre o montante da pensão que o aposentado recebia quando morreu e não sobre os salários auferidos à época"? Sendo a resposta afirmativa, e considerando a taxa aplicada bem como a inflação, como se conjuga o apuramento e cobrança destes valores com o princípio da proibição do excesso?", questionam as duas deputadas, que consideram "não suficiente" a menção, efetuada pela CGA quando instada pelos pensionistas a explicar-se, "ao Estatuto das Pensões de Sobrevivência de 1973"..Também José Soeiro deseja ser esclarecido sobre a razão porque "são aplicadas taxas superiores àquelas que se encontravam em vigor no momento do pagamento possível das quotas", e qual o seu fundamento legal, pedindo justificação para a "proporcionalidade" da taxa de 3%..Quer o PS quer o BE solicitam ao governo que informe sobre a quantos requerentes de pensões de sobrevivência foram já apresentadas estas "dívidas", assim como qual o número de funcionários no ativo ou aposentados que a CGA considera terem quotas de sobrevivência por pagar (perguntas que o DN fez ao ministério, sem obter resposta)..Os três requerimentos invocam a decisão de abril de 2021 do Supremo Tribunal Administrativo (STA) que anulou, precisamente por ausência de explicação do cálculo e de fundamentação legal, a comunicação, efetuada em 2019 pela CGA, de uma dívida deste tipo (e portanto a sua cobrança) a uma viúva de funcionário público, exigindo o tribunal a esta instituição que, na comunicação com os beneficiários, indique "clara e circunstanciada fundamentação (...), importando que se percecionem todas as operações aritméticas relevantes efetuadas, qual a razão dessa dedução, qual o fundamento de facto e de direito subjacente à referida operação, e em que momento ocorreu a dívida em questão e quem foi o seu responsável", ao invés de remeter ofícios "assemelhando-se a enigmas insuscetíveis de ser revelados"..Como o DN comprovou, através do exame de cartas enviadas em 2022 comunicando as aludidas "dívidas" e fixando a sua cobrança, nada no procedimento da CGA se alterou no seguimento da decisão judicial..Na verdade, nem mesmo quando os pensionistas pedem à instituição que os elucide sobre os cálculos efetuados esta os esclarece. Uma viúva que recebeu a comunicação da dívida, e respetiva cobrança, em abril de 2022 escreveu à CGA em agosto a solicitar que lhe explicassem os cálculos e esta respondeu, já em setembro, em carta à qual o DN teve acesso, limitando-se a remeter para uma explicação genérica, mencionando a lei..Pelo que Isabel Moreira e Alexandra Leitão solicitam à tutela da CGA que esclareça qual o seu entendimento acerca do acórdão do STA, e José Soeiro pergunta como vai o ministério atuar "por forma a que as decisões sejam comunicadas de forma fundamentada", e se está disponível para "dar indicações à CGA para efetuar novas notificações, com elementos concretos, anulando decisões finais baseadas em notificações em que faltaram elementos essenciais para a compreensão e contestação"..O BE quer também saber quantas destas decisões da CGA "foram impugnadas judicialmente" e "quantas se encontram ainda pendentes.".E frisa: "É um facto que a lei - datada de 1973 - permite a possibilidade de aplicação retroativa, no entanto a maior parte dos beneficiários desconhece a sua existência (...). A maior parte não terá conhecimento de que tem quotizações em dívida. Essa informação não é comunicada, nem de acesso fácil. O Governo tem responsabilidades objetivas nesta matéria e não pode exigir o pagamento de milhares de euros em prestações mensais sem que seja percetível o fundamento em que assenta a decisão (...), bem como que sejam prestados todos os esclarecimentos aos beneficiários para que, conhecedores da situação, possam exercer os seus direitos.".As parlamentares do PS, ambas juristas, apontam ainda a "evidente desigualdade entre os trabalhadores do setor privado (relativamente aos quais o Estado assumiu o encargo de suprir a falta dos descontos) e os trabalhadores do setor público (relativamente aos quais sucede o inverso)" - referem a lei de 1970, citada no mencionado artigo do DN, na qual o governo de Marcelo Caetano "perdoou" os descontos não efetuados pelos trabalhadores do setor privado, atribuindo a todos, incluindo aos aposentados, o "direito" a que os seus herdeiros recebessem pensão de sobrevivência. E perguntam: "Não será conforme ao princípio da igualdade assumir o custo de todas as contribuições não pagas?".O BE sugere "uma revisão das contribuições em falta, nomeadamente com perdão nas situações abaixo de um determinado limiar de rendimentos..Por fim, o PAN, considerando que, "por força dos princípios constitucionais da proteção da confiança, da segurança jurídica e da boa-fé, as entidades públicas, na sua atuação perante os cidadãos, devem ser coerentes com as expectativas geradas legitimamente nos cidadãos e não lhes devem impor sacrifícios com os quais não possam contar", e que se verifica "uma violação do princípio da proibição do excesso, já que os valores cobrados são, em alguns dos casos conhecidos, 200% acima do valor que facultativamente poderia ter sido descontado pelo cônjuge falecido durante o seu período de atividade", reputa a situação de "inadmissível", tendo de ser "urgentemente corrigida", por pôr "em causa a confiança dos cidadãos no Estado e nas entidades públicas". Perguntando: "Que diligências vai o Governo tomar para pôr termo à cobrança injustificada destas dívidas aos viúvos e viúvas beneficiários de pensões de sobrevivência?"