Produção legislativa do governo esmagada pela falta de maioria
Dados da primeira sessão legislativa da XVI Legislatura divulgados pela Assembleia da República (AR) dão conta de uma atividade parlamentar improvável, com apenas três leis aprovadas desde que o Parlamento iniciou funções. Este é o retrato de um hemiciclo marcado por uma força governativa - a Aliança Democrática (AD) - sem maioria absoluta, cujo poder é medido pelas ações dos partidos da oposição.
O Parlamento, na configuração atual, iniciou funções no dia 26 de abril e até agora deram entrada no hemiciclo 239 iniciativas legislativas (projetos de lei e propostas de lei), com apenas 11 aprovadas em votação final global, indica o relatório da AR.
Mas antes dos números do trabalho feito pelos deputados impõe-se uma imagem do hemiciclo que saiu das últimas eleições legislativas.
O PSD tem 78 deputados, com os quais, em coligação com os dois deputados do CDS - a AD -, forma a maior representação parlamentar, o que acabou por lhe valer a oportunidade de constituir o governo. Logo a seguir, também com 78 deputados, aparece o PS, logo sucedido pelo Chega, com 50 mandatos. A Iniciativa Liberal (IL), com oito deputados, o Bloco de Esquerda (BE), com cinco, o PCP e o Livre, cada um com quatro e, por fim, o PAN, com uma deputada, formam o restante hemiciclo.
Nesta sessão legislativa, o BE tem sido o partido com mais iniciativas entradas até ao final da semana passada, antes das férias, com um total de 57 projetos de lei, isto é, os diplomas com poder vinculativo, caso cheguem ao fim de todo o processo legislativo. Um destes diplomas - que altera as deduções especificas do IRS - foi mesmo aprovado em votação final global.
Em termos de aprovações, o PS, com 10 projetos de lei produzidos, foi o campeão, com cinco diplomas a encontrarem futuro por deliberação do hemiciclo. Este número chega a bater a quantidade de diplomas que o governo conseguiu fazer valer no Parlamento: apenas quatro propostas de lei aprovadas entre um total de 12 apresentadas.
Em quatro meses, a AR aprovou sete projetos de lei (cinco do PS, um do BE e um assinado em simultâneo por PSD, PS, Chega, IL, BE, PCP, Livre e CDS) e quatro propostas de lei do governo. No final, só três leis chegaram ao fim do seu ciclo natural, já promulgadas.
No total, os partidos apresentaram 226 projetos de lei (57 do BE, 45 do PCP, 39 do PAN, 36 da IL, 25 do Chega, 10 do PS, oito do Livre, quatro do PSD e um da Iniciativa Legislativa de Cidadãos) e 13 propostas de lei (12 do governo e uma da Assembleia Legislativa dos Açores).
Houve ainda margem para duas moções de rejeição do programa do governo, que, chumbadas no final, partiram do BE e do PCP.
Críticas e avisos da oposição
Contactada pelo DN, fonte da bancada do PS fala num “contexto de grande fragmentação parlamentar”. Foi neste ambiente, destaca, que os socialistas conseguiram fazer aprovar cinco projetos de lei: “Aumento até 800 euros na dedução das rendas em sede de IRS, exclusão dos rendimentos dos filhos no acesso ao Complemento Solidário para Idosos, eliminação das portagens nas ex-SCUT, alargamento do apoio ao alojamento estudantil até ao 6.º escalão [do IRS] e a redução do IVA da eletricidade para 6%.”
Para além disso, o PS ainda sublinhou a “redução do IRS, inicialmente do governo e ajustada” pelos socialistas, que já foi promulgada pelo Presidente da República, e que o Executivo liderado por Luís Montenegro anunciou irem entrar em vigor em setembro e com retroativos.
Também a IL aponta o dedo à falta de concretização do governo. Para a líder parlamentar do partido, Mariana Leitão, o Executivo avançou com “planos cuja materialização não se tem visto”. De acordo com a deputada, “resolveu-se a questão do subsídio de missão” da PSP e GNR mas fica por dar uma resposta mais satisfatória à recuperação do tempo de serviço dos professores, para além do “problema mais gritante de todos, na área da saúde”, em que o governo apenas apresentou “remendos”. As pessoas que não têm seguro de saúde “estão condenados ao Serviço Nacional de Saúde, no qual muitas vezes estão meses, às vezes até anos, à espera para conseguir uma consulta ou uma cirurgia ou o que quer que seja”.
Também o PCP aposta na saúde como um problema a resolver com urgência, acrescentando à lista de assuntos que requerem resposta “os serviços públicos e a educação”, explicou ao DN a líder da bancada comunista, Paula Santos. A deputada comunista lembrou também o chumbo da proposta do partido para a criação “da Comissão Parlamentar de Inquérito à Privatização da ANA”, que teria sublinhado “como foi prejudicial todo esse processo. Prejudicial para o país, prejudicial para o povo”, conclui.
Com a saúde na ordem do dia, o líder parlamentar do BE, Fabian Figueiredo, em declarações ao DN, criticou o governo, que, diz, “além de piorar e não resolver os problemas, não chegar a acordos profissionais, não fazer os investimentos que são necessários, conseguiu encontrar uma ministra [Ana Paula Martins] para a tutela que consegue criar conflitos nas mais diversas áreas do Serviço Nacional de Saúde”. E lembrou “a atrapalhada do INEM”, quando o Ministério da Saúde ignorou os avisos do fim do contrato do serviço de helitransporte de doentes, obrigando a direção do instituto a recorrer a um ajuste direto.
Sobre o balanço da atividade parlamentar deste ano, PSD, CDS, Chega, Livre e PAN, contactados pelo DN, não deram qualquer resposta.
vitor.cordeiro@dn.pt