A entrevista de Henrique Gouveia e Melo à RTP, na qual o Chefe de Estado-Maior da Armada (CEMA) deixou implícita a possibilidade de se candidatar à Presidência da República, dividiu as forças políticas portuguesas, com o PS muito crítico, enquanto o PSD prefere distanciar-se..Há “incómodo”, “desconforto” e “espanto” por um CEMA, “fardado”, ter “esquecido” os deveres “inerentes” de “tutela”, “lealdade”, “zelo” e que os militares - como diz a Constituição - “não podem aproveitar-se da sua arma, posto ou função para impor, influenciar ou impedir a escolha de uma determinada via política democrática”. E neste caso “influenciar”, diz ao DN fonte socialista, uma “escolha, a do próprio, para Presidente da República”..A “intervenção política” de um militar, o que já não acontecia desde a revisão constitucional, que não recusa uma candidatura a Belém e até “pré-anuncia” que caso venha a ser convidado, por proposta do Governo, para se manter em funções - o mandato de CEMA termina a 27 de dezembro - o lugar deve ser ocupado por outros que “também merecem as suas oportunidades”, é, no entender da mesma fonte, “inédito” e “estranho” ou, como diz outro dirigente socialista, uma “inabilidade”, visto que nem Nuno Melo, ministro da Defesa, nem Marcelo Rebelo de Sousa “fizeram qualquer declaração pública anterior” que “sugerisse o quer que fosse”..Há ainda a leitura de que Gouveia e Melo quis “condicionar publicamente e na televisão” a decisão do Governo e do Presidente da República para que o “libertem das funções militares” e possa “estar livre para ser candidato”..Marcelo Rebelo de Sousa, que recusou comentar “eventuais candidatos a candidatos", e no caso de Gouveia e Melo, alegou haver “uma razão acrescida” para não se pronunciar - ser Presidente da República e comandante supremo das Forças Armadas -, recordando, que “um dos [seus] poderes (…) é nomear e reconduzir os chefes militares”..Nos termos da Constituição, os chefes dos ramos militares são nomeados e exonerados pelo Presidente da República, sob proposta do Governo. E Gouveia e Melo? Marcelo Rebelo de Sousa recusou abrir o jogo, pois só vai “exercer esse poder daqui a três meses ou quatro”. .“Há várias chefias que são reconduzidas ou têm situações de eventual recondução, pelo menos três, daqui até ao dia 9 de março de 2026” [fim do mandato presidencial] , lembra o Presidente da República. .Francisco César, deputado do PS, que prefere não se alongar em comentários, considera, em declarações ao DN, que a “nota artística” da entrevista de Gouveia e Melo à RTP, “não foi particularmente brilhante”, mas deixa um elogio porque “do ponto de vista do trabalho que está a fazer no ramo tem sido um chefe militar exemplar”..O PCP, por seu lado, deixa um conselho ao almirante: “Seria adequado que as declarações” de Gouveia e Melo “não ultrapassassem as funções que exerce”. .Já o Governo, que não viu “inconveniente” na ida de Gouveia e Melo à RTP para a entrevista, prefere não comentar o que foi dito..PSD e CDS retraem-se, IL aceita e Chega apoia.“Não entrar em sobreposição em áreas sob a competência” de Nuno Melo, único ministro do Governo militante (e presidente) de outro partido, é o argumento do PSD para não se pronunciar sobre a entrevista de Gouveia e Melo. Mas também existe a convicção de que o almirante “não é problema” para quem tem a estratégia presidencial definida, com a moção de Luís Montenegro para a liderança social-democrata a apontar para o apoio a um militante. E o próprio CDS também não se manifestou..Por seu lado, Rodrigo Saraiva disse ao DN que as Forças Armadas têm “um papel devidamente balizado no estado de direito e nas democracias liberais, mas não será a Iniciativa Liberal a limitar a liberdade de expressão”. E, acreditanto que se Gouveia e Melo tiver motivações cívicas “certamente saberá atuar em conformidade”, o vice-presidente da Assembleia da República acrescentou que os liberais estão “mais preocupados e atentos” ao seu desempenho enquanto CEMA, onde demonstra “uma visão realista e de futuro para a Marinha e os seus militares, e assertividade na análise do quadro geoestratégico internacional e das implicações reais e potenciais”..Para o Chega, “não há qualquer problema” nas eventuais ambições de Gouveia e Melo. “Não temos qualquer receio de candidaturas de ex-militares”, disse ao DN Rui Paulo Sousa, “sem descartar um cenário” em que o partido o possa apoiar, no âmbito de “uma candidatura abrangente a nível de partidos de direita e de centro”. Ressalvando que tal passo só pode ser dado após terminar o mandato, o deputado diz não compreender “um certo receio em termos novamente um militar a candidatar-se à Presidência da República”, tendo em conta o exemplo de Ramalho Eanes. E que Gouveia e Melo será aceite pelo Chega “desde que seja isento na forma como lida com os partidos”, referindo-se à relação difícil com Marcelo Rebelo de Sousa, que ontem negou reunir-se com André Ventura acerca do referendo à imigração.