Lucília Gago foi à Assembleia da República para esclarecer os deputados sobre a atividade do Ministério Público (MP). Mas, no final, as questões por responder foram quase as mesmas. Em cerca de hora e meia, a procuradora-geral da República (PGR) não esclareceu a que se referia quando, em julho, à RTP, falou numa “campanha orquestrada contra o MP”. E palavras sobre a Operação Influencer (que levou à queda do anterior Governo) também não houve..Abordadas, no entanto, foram as escutas telefónicas utilizadas durante vários anos para obtenção de prova. Respondendo aos deputados da comissão de Assuntos Constitucionais - que por várias vezes deixaram críticas oa modo de atuação da justiça e do MP -, a procuradora-geral recusou instrumentalizar esta ferramenta..Lembrando que é necessária uma autorização judicial para intercetar chamadas telefónicas, Lucília Gago justificou-se dizendo: “O MP só recorre a interceções telefónicas quando considera que são essenciais (...). As situações em que o seu uso foi alargado são absolutamente excecionais.” E recorreu depois a alguns números: em 2023, menos de 1,5% de todos os inquéritos judiciais foram feitos com recurso a escutas, e, no geral, “nunca ultrapassaram os 2,5%”. Ao todo, anunciou Lucília Gago, houve 10.553 pessoas sob escuta em 2023, uma redução de “mais de cinco mil desde 2015”. Deve a lei ser mexida? “A lei como está, está bem”, rematou a PGR. Com José Pedro Aguiar-Branco, presidente da Assembleia da República, sentado na sala a ouvir as explicações, Lucília Gago apontou, no entanto, que “se se quiser perseguir efetivamente” quem viola o segredo de justiça, as escutas poderão ser utilizadas..Ainda nesta área, Lucília Gago lançou uma acusação, procurando afastar dos magistrados a responsabilidade das fugas de informação: “Surge sobre o Ministério Público uma presunção de culpa, o que é uma coisa extraordinária. Esse clima interessa aos arguidos e respetivas defesas porque desvia o foco das suspeitas que sobre si recaem sobre crimes de assinalável perigosidade.”.Em reação a estas declarações, Paulo Lona, presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, concorda com Lucília Gago. “É algo que preocupa e que é importante estancar. A percentagem de processos em segredo de justiça é pequena, mas é uma situação difícil. São processos complexos, que passam por muita gente, desde oficiais de justiça até às defesas dos arguidos e juízes. Introduzir uma pegada digital podia ser uma solução, por exemplo”. Já Nuno Matos, da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, refere que a audição de Lucília Gago “merece destaque pela positiva”, sobretudo por ajudar a compreender “melhor” como funciona a justiça. No entanto, aponta o juiz: “Ficaram várias matérias por esclarecer e faltou alguma auto-crítica em relação àquilo que correu menos bem em alguns processos.”.Contactada pelo DN, Fernanda de Almeida Pinheiro, bastonária da Ordem dos Advogados, não quis fazer quaisquer comentários às declarações de Lucília Gago..Na audição, a procuradora-geral referiu também que faltam magistrados. Afinal, disse, 90% dos procuradores sub-30 são mulheres e isso traz dificuldades. “Objetivamente, esta circunstância constitui um fator de agravamento de constrangimentos em razão de situações de gravidez, incluindo de gravidez de risco. Paulo Lona considera que a responsável “fez bem” em mencionar a questão da falta de recursos humanos. “É uma importante comunicar esta realidade aos deputados e ao país, para que saiba o estado do setor, sobretudo quando há relatórios que indicam o estado de pré-burnout dos magistrados”, apontou.