André Ventura quadruplicou o grupo parlamentar do Chega e apontou caminho para maioria clara
André Ventura quadruplicou o grupo parlamentar do Chega e apontou caminho para maioria claraPaulo Spranger / Global Imagens

“Noite histórica” leva André Ventura a exigir Governo com a força de um milhão de votos

Multiplicação de votos e de deputados serviu para defender que Luís Montenegro terá de ser “um líder muito irresponsável” para não trocar o “não é não” por uma “maioria clara”.
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André Ventura pressionou Luís Montenegro a tornar revogável a sua garantia, tantas vezes repetida ao longo da campanha eleitoral, de que não fará qualquer entendimento pós-eleitoral com o Chega, dizendo que “só um líder muito irresponsável deixará o PS governar quando temos nas mãos fazer um Governo de mudança”. Com a força da “noite histórica” em que teve consigo mais de um milhão de eleitores - somava 1.108.764 votos, quando ainda falta apurar os círculos da emigração -, Ventura defendeu que o seu partido, que subiu de 7,18% para 18,06% e tinha assegurado 48 deputados, “se tornou a peça central do xadrez político”.

Discursando quando ainda não era claro quem é o vencedor das legislativas, tendo em conta que os votos dos círculos da Europa e de Fora da Europa podem levar a AD a perder a curta vantagem em relação ao PS, André Ventura voltou a dizer, repetindo a sua mensagem quando chegou ao hotel lisboeta que serviu de quartel-general ao Chega, que se viveu “a noite em que acabou o bipartidarismo em Portugal”.

O presidente do Chega, que em 2019 foi eleito deputado único, em 2022 conquistou uma dúzia de lugares no Parlamento e agora quadruplicou o grupo parlamentar - o que poderá acontecer no que toca ao número de deputados -, dispôs-se a começar já nesta segunda-feira “a libertar Portugal da esquerda e da extrema-esquerda”, o que garantiu poder acontecer, “a menos que o PSD se vergue”. Ou seja, que não tire partido da “maioria clara” que pode formar com o Chega, numa governação empenhada na luta contra a corrupção, em encontrar soluções para as “pensões miseráveis” e para os “salários baixos”, e em garantir “futuro para os jovens”.

Minutos antes, ao subir ao palco, em ambiente de festa, com os jovens apoiantes a cantarem “pouco importa, pouco importa, se eles falam bem ou mal, queremos o André Ventura, para mandar em Portugal”, o líder do Chega não poupou ataques ao Presidente da República. Referindo-se à notícia do Expresso que dava conta de que Marcelo Rebelo de Sousa queria afastar acordos entre a AD e o partido de direita radical, Ventura disse que a dimensão da sua vitória “tem de ser ouvida no Palácio de Belém”, sucedendo-se apupos e assobios para quem, “à última hora, tentou condicionar o voto dos portugueses”.

Por entre ataques aos jornalistas e comentadores, esperando que “engulam algumas palavras”, e às empresas de sondagens, a cujos diretores sugeriu a demissão, o líder do Chega também fez mira ao desfile de históricos da coligação de centro-direita, realçando que o seu partido foi o mais votado em Boliqueime, terra natal do ex-Presidente da República e ex-primeiro-ministro Cavaco SIlva. “Aparece mais vezes, Cavaco, por favor”, ironizou, defendendo que “os portugueses querem futuro e votaram no único partido que o oferece”. Quanto à AD, disse que, “coligado com o CDS, ficou igual ou pouco acima do que Rui Rio conseguiu sozinho”.

Numa nota final, Ventura definiu o resultado do Chega como “um ajuste de contas com a História de um país que durante décadas foi asfixiado e atrofiado pela esquerda e pela extrema-esquerda”. E concretizou o que pretendia dizer com isso ao referir que o Chega venceu nos “bastiões comunistas”, levando a que o PCP perdesse o seu último deputado no Alentejo, ao mesmo tempo que conquistava eleitorado de direita e centro-direita no Centro e no Norte, permitindo-lhe eleger sete deputados no Porto.

A noite eleitoral, com a sala do hotel lisboeta que serviu de quartel-general do partido a encher-se aos poucos de militantes - ainda que as 300 cadeiras tenham demorado a encher-se - ficou pautada pela sucessão de gritos à medida que se confirmava a eleição dos parlamentares mais improváveis ou, pelo menos, que pareciam ter um caminho mais pedregoso até ao hemiciclo. Assim sucedeu a Nuno Simões de Melo, ex-conselheiro nacional da Iniciativa Liberal, eleito deputado enquanto cabeça de lista pela Guarda (círculo com apenas três deputados), vendo a entrada confirmada numa altura em que ainda não tinha acontecido a qualquer um dos ex-correligionários do seu antigo partido.

Mas a improbabilidade tornou-se o novo normal do Chega dezenas de vezes, à medida que todos os distritos (menos o de Bragança, que também só leva três mandatos) de Portugal Continental passavam a ter representantes do partido de André Ventura, acontecendo o mesmo nas regiões autónomas da Madeira e dos Açores. Entre os reforços do grupo parlamentar mais à direita estão vários ex-deputados do PSD, incluindo Rui Cristina (que de eleito por Faro na anterior legislatura passa agora a representante de Évora), Eduardo Teixeira (que em 2022 fora afastado por Rui Rio das listas de Viana do Castelo, por onde voltou agora a ser eleito), Manuela Tender (de Vila Real), Henrique de Freitas (Portalegre) ou Francisco Gomes (Madeira).

Mas a vaga de novos eleitos também abrangeu a ex-deputada do PAN (e mais tarde não inscrita) Cristina Rodrigues, que até agora era assessora do grupo parlamentar, bem como os assessores de imprensa Patrícia Carvalho e Bernardo Pessanha. E figuras emblemáticas como o luso-brasileiro Marcus Santos, sexto da lista pelo Porto, que se torna o segundo deputado negro - juntando-se a Gabriel Mithá Ribeiro, reeleito em Leiria - de um partido frequentemente acusado de ser racista e xenófobo.

O primeiro a falar na noite eleitoral do Chega foi o deputado Rui Paulo Sousa, novamente segundo candidato da lista por Lisboa, que viu na diminuição da abstenção um sinal de que “os portugueses sentiram que era seu dever votar e dar resposta aos muitos problemas deste país”. Uma tese reforçada, já depois de as televisões projetarem a enorme subida de votos e de número de deputados para o Chega, pelo líder parlamentar, Pedro Pinto, que foi o primeiro a utilizar o termo “noite histórica” para se referir aos resultados destas legislativas.

“Vai haver uma viragem em Portugal, com uma vitória da direita e um grande resultado do Chega”, disse Pedro Pinto, que obteve a única vitória do partido num círculo eleitoral, ultrapassando o PS e a Aliança Democrática em Faro. “Estamos satisfeitos, vamos querer mais, mas uma coisa já conseguimos: que a esquerda não ganhe em Portugal”, referiu o líder parlamentar, num diagnóstico que se foi confirmando ao longo da noite eleitoral, à medida que o resultado percentual da AD era praticamente igual à soma do PSD e CDS-PP em 2022, enquanto a forte descida do PS era acompanhada pela subida de idêntica proporção a beneficiar o Chega.

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